Guerra na Ucrânia

Ex-CEMGFA reabre discussão sobre serviço militar obrigatório, e fala em "abanão" no investimento

Comandos portugueses têm vindo a ser chamados para missões na República Centro Africana
Comandos portugueses têm vindo a ser chamados para missões na República Centro Africana
FLORENT VERGNES/AFP/Getty Images

Numa conferência virtual da Sociedade de Geografia, o general Valença Pinto disse que a invasão da Ucrânia pela Rússia pode colocar “em cima da mesa” a discussão sobre o regresso do SMO. O ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas afirmou ainda que a guerra levou a um “abanão que está a sugerir” uma tendência de maior investimento na Defesa.

O general Luís Valença Pinto considerou esta quarta-feira que o contexto de agressão militar pela Rússia à Ucrânia pode colocar “em cima da mesa” o debate sobre o regresso do serviço militar obrigatório “mais cedo do que se pensava”.

O antigo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) entre 2006 e 2011 falava numa conferência virtual intitulada "Cenários de emprego das Forças Armadas no futuro", promovida pela secção de Ciências Militares da Sociedade de Geografia de Lisboa.

“Se me perguntassem há um mês o que é que eu pensava sobre uma eventual retoma do serviço militar obrigatório em Portugal e no resto da Europa eu diria que não havia espaço político nem psicológico para fazer essa discussão e, portanto, seria porventura, independentemente da bondade de cada modelo em si, em termos práticos e pragmáticos, uma discussão a deixar a uma geração seguinte”, disse Valença Pinto.

No entanto, face ao contexto de agressão da Rússia à Ucrânia, “e a reação que se viu, por exemplo, em países como a Suécia, como a Finlândia, etc, talvez venha a colocar o debate do serviço militar obrigatório em cima da mesa mais cedo do que se pensava”, acrescentou.

O general vincou que é importante que este serviço não seja de curta duração e mostrou-se favorável à ideia de um serviço militar obrigatório integrado num conceito de serviço cívico, com uma componente armada e uma não armada, desde que fosse "geral e universal". O serviço militar deixou de ser obrigatório em Portugal em 2004.

Sobre a guerra na Ucrânia, o general Valença Pinto defendeu também que este país tem ganho o conflito do ponto de vista comunicacional.

“Estando de um dos lados uma potência que todos sabemos ser uma campeã da desinformação, da propaganda e das ‘fake news’, como essa potência tem levado ‘um baile’ pelo mesmo tipo de atitudes praticado pelo lado ucraniano. Quem tem ganho a guerra comunicacional tem sido a Ucrânia – não vou discutir se é tudo propaganda, se é sempre informação, se há ‘fake news’ ou não, isso é outra conversa, mas na minha leitura e julgo que é inequívoco o lado ucraniano tem ganho essa guerra”, disse.

O antigo CEMGFA considerou também que é “empobrecedor conceber a NATO em função do inimigo”, vincando o cariz político desta organização.

“Tem como sua maior e mais nítida e evidente expressão a componente militar, isso é inegável, mas a NATO é uma organização política construída em torno de princípios e de valores e de proteção de interesses comuns e é isso que deve prevalecer como referência da coesão e não referência do ‘anti’”, acrescentou.

Valença Pinto considerou que o mundo está “perante um líder completamente bizarro, um pária muito perigoso com manifestações de sociopatia que não deve ser confundido com o país Rússia e o povo russo”, referindo-se a Vladimir Putin.

A guerra, o "abanão" que sugere aumento no investimento de Defesa

O general Valença Pinto defendeu ainda que agressão da Rússia à Ucrânia levou a um “abanão que está a sugerir” uma tendência de maior investimento na Defesa, alertando que guerras futuras serão cada vez mais híbridas.

“Penso que agora estamos a enfrentar um ‘abanão’ que está a sugerir que de facto tenderemos, se tenderá, no quadro da Europa e da Aliança Atlântica a aumentar um pouco o investimento em Defesa”, considerou. Precisamente, continuou o general, “porque a Defesa é uma componente fundamental da estruturação do estado e uma importantíssima política pública nesse sentido”.

O general referiu que o objetivo de atingir 2% do Produto Interno Bruto em despesas militares pedido pela NATO não é a questão, “é preciso saber é como é que se gastava esses dois por cento do PIB”. Recentemente, o ministro da Defesa defendeu que o objetivo de chegar aos 1,68% do Produto Interno Bruto em despesas militares até 2024 “terá de ser repensado”, prevendo um aumento do investimento em defesa, acompanhando a tendência de outros países europeus.

Na sua exposição de cerca de meia hora sobre os cenários de emprego das Forças Armadas no futuro, Valença Pinto apontou que “dos modelos militares do passado podem e devem retirar-se referências éticas e institucionais, e muitos e bons exemplos, mas deles não se podem esperar modelos organizativos e operacionais inteiramente adequados às novas e evolutivas condições e requisitos”.

Segundo Valença Pinto, “as guerras do futuro tenderão a ser todas híbridas” e “nenhuma guerra híbrida será igual a outra guerra híbrida”, alertando para a dificuldade de antecipar cenários.

“As Forças Armadas devem ter como certo que os cenários da sua ação futura serão marcadamente diferentes e que é para o inédito, para o inesperado e imprevisto, e não para o que já experimentaram, que têm que estar preparadas”, disse.

Valença Pinto levantou ainda a questão da especialização militar, confessando que sempre se assumiu contra esta ideia, mas hoje tem um entendimento um pouco diferente sobre a matéria.

“Continuo a preconizar que as Forças Armadas, e em concreto as Forças Armadas portuguesas, mantenham e desenvolvam, com elevado padrão tecnológico, capacidades gerais com que possam cobrir a zona central do espetro de ação militar, mas considero possível que num quadro de partilha e de harmonização coletiva da NATO e ou da UE se admita, no interesse comum e na busca de melhor rendimento, maximizar uma ou várias dessas capacidades”, defendeu.

Compreendida dessa forma, continuou, Portugal especializar-se em determinadas funções militares, “não corresponderá a estreitar as capacidades num domínio muito exíguo, mas antes a desenvolver algumas delas até um patamar de excelência máxima e eventualmente ímpar no contexto de aliados e parceiros, e claro, mantendo todas as outras num bom e ajustado padrão”.

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