Reapareceu, sem evitar um novo manifesto, desta vez envergando um colar com as cores da Ucrânia. Marina Ovsyannikova foi mesmo a tribunal, horas depois da detenção. Foi multada e encontra-se em liberdade. Como aconselhava a jornalista que iniciou um protesto televisivo na Rússia, é preciso, nesta história, ver além das aparências. E, por partes, são estes os factos: à funcionária da televisão estatal russa foi aplicada a multa de 30 mil rublos (o equivalente a 238 euros, atendendo à desvalorização diária da moeda russa).
A coima foi fixada após a acusação de "infração administrativa" sob as leis de protesto da Rússia, não ainda por causa do protesto em si, mas devido à gravação e divulgação de um vídeo em que a jornalista apela aos seus conterrâneos para que se manifestassem contra o que o Kremlin designa por "operação militar especial" na Ucrânia.
À saída do tribunal, Marina Ovsyannikova justificou: “Foi a minha ação e decisão anti-guerra. Tomei esta decisão sozinha, porque não apoio que a Rússia inicie esta invasão. Foi realmente terrível." E também houve tempo para agradecimentos. “Quero agradecer a todos pelo apoio, amigos e colegas. Têm sido muito difíceis estes dias da minha vida. Fiquei dois dias sem dormir. Fui interrogada por mais de 14 horas.” Foi durante 14 horas que a jornalista esteve fora da esfera mediática e dos olhos do público, após ter erguido o cartaz que pedia o fim das hostilidades.
A jornalista russa, que é filha de pai ucraniano, detalhou que, após a detenção, as autoridades recusaram que pudesse pedir ajuda a um representante legal. Também os advogados que a representam declararam em tribunal que, apesar de solicitar a presença de um representante, a funcionária da televisão estatal russa não teve acesso a um... ao longo de várias horas. “Não me permitiram entrar em contacto com pessoas próximas e parentes. Não autorizaram nenhum pedido de ajuda legal. Estive numa condição difícil”, descreveu Marina Ovsyannikova.
O ato anti-guerra
Eram 21h31 na Rússia (menos três horas em Lisboa) quando estas palavras se tornaram notícia. "Não acredite na propaganda, eles estão a mentir. Russos contra a guerra." A mulher que a BBC logo identificou como Marina Ovsyannikova, uma funcionária do Channel One Vremya, quis reescrever o alinhamento do noticiário do canal estatal russo, com um apelo à paz e uma ação de combate contra a desinformação.
As imagens foram amplamente divulgadas na Rússia, sobretudo através da rede social Telegram. A mulher é vista a invadir o estúdio e a posicionar-se atrás da pivot durante o noticiário. Movimentando-se em torno da jornalista, para assegurar que estas palavras eram lidas, a manifestante ergueu o cartaz onde podia ler-se: "Sem guerra, parem a guerra. Não acredite na propaganda, eles estão a mentir. Russos contra a guerra."
A palavra "guerra" foi, aliás, uma das que o regulador russo dos media proibiu nos textos dos órgãos de comunicação social da Rússia. “Invasão”, “ofensiva” ou “declaração de guerra” foram outras das supressões determinadas pela autoridade reguladora. A narrativa contada vezes sem conta pelo Presidente russo, Vladimir Putin, teoriza que a “operação militar especial” na Ucrânia visa “desmilitarizar e desnazificar” a Ucrânia.
Amigos de Marina Ovsyannikova revelaram durante a noite de segunda-feira, segundo a CNN, que a manifestante foi levada para o Departamento de Polícia de Ostankino, em Moscovo. A agência de notícias estatal russa Tass confirmou a informação e acrescentou que a funcionária do canal televisivo corria o risco de ser processada.
OVD-Info, um grupo ativista pelos direitos humanos, também obteve um vídeo gravado por Marina Ovsyannikova antes de interromper o noticiário.
Os motivos de Marina
"O que está a acontecer agora na Ucrânia é um crime, e a Rússia é o país agressor. A responsabilidade por essa agressão pesa na consciência de apenas uma pessoa. Essa pessoa é Vladimir Putin." No vídeo, Marina Ovsyannikova também revela que é filha de pai ucraniano e mãe russa. “Infelizmente, nos últimos anos, tenho trabalhado no Channel One, que divulga a propaganda do Kremlin, e agora tenho muita vergonha disso”, admite a manifestante. "É uma pena que eu tenha permitido que se dissessem mentiras na televisão. Tenho vergonha de termos ficado em silêncio em 2014, quando tudo isto começava", prossegue. "Nós não fomos aos protestos quando o Kremlin envenenou Navalny, apenas assistimos em silêncio aos atos deste regime desumano, e agora o mundo voltou-nos as costas para sempre, e as próximas dez gerações dos nossos descendentes não serão capazes de apagar a vergonha desta guerra entre irmãos."
Contra o medo, Marina Ovsyannikova também argumentou, desconhecendo ainda - mas podendo adivinhar - que seria detida: "Somos russos, seres pensantes e inteligentes, e está nas nossas mãos acabar com toda esta loucura. Vão às manifestações e não tenham medo! Eles não podem prender-nos a todos!"
Milhares de russos já foram detidos por se manifestarem, nas ruas de várias cidades do país, contra a ação militar iniciada pela Rússia.