O ministro da Defesa russo garantiu a Putin, na passada sexta-feira, que “tudo está a correr de acordo com o planeado”, mas a realidade parece não confirmar a narrativa oficial. Ao 19.º dia de guerra, o comandante da guarda nacional russa reconheceu que a operação militar na Ucrânia, iniciada a 24 de fevereiro, não está a ser tão célere como o Kremlin planeava.
“Nem tudo está a correr tão rápido quanto gostaríamos”, admite Viktor Zolotov.
Este é o mais forte sinal de fragilidade que choca com a propaganda musculada de Moscovo.
Zolotov é o antigo guarda-costas de Vladimir Putin e um dos homens mais próximos do presidente russo. Citado pela Reuters, o chefe da guarda nacional culpa as milícias ucranianas de extrema-direita, “escondidas atrás de civis”, pela lentidão do avanço militar russo. “Mas avançamos rumo ao nosso objetivo, passo a passo, e a vitória será nossa”, assegurou Zolotov este domingo, durante uma intervenção numa cerimónia religiosa ortodoxa.
Até agora a estratégia do Kremlin tem passado por cercar as principais cidades, como Kiev ou Mariupol, de forma a vencer pelo cansaço. Mas Putin parece revelar alguma impaciência e já admite tomar as maiores cidades “por inteiro”.
Numa narrativa diferente da apresentada pelo comandante da guarda nacional, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou esta segunda-feira que o presidente russo decidiu adiar a entrada em várias cidades ucranianas, alegadamente para evitar “uma grande perda de vidas humanas”, mas admite que ainda é uma opção do Kremlin colocar sob "controlo total" as maiores cidades do país, incluindo a ocidente.
“O Ministério da Defesa, ao mesmo tempo que garante a máxima segurança da população pacífica, não descarta a possibilidade de assumir o controlo total de grandes centros populacionais, com exceção de zonas usadas para corredores humanitários”, avisa Peskov, citado pela BBC.
Só que entrar e tomar as principais cidades não é sinónimo de manter o controlo sobre as mesmas, pois isso poderia encravar o rolo compressor russo num cenário semelhante ao que a União Soviética enfrentou no Afeganistão, onde a resistência da população ucraniana instalaria um clima de guerrilha urbana que se pode arrastar durante anos.
Até pelo bloqueio económico que enfrenta, o Kremlin não terá condições para financiar um conflito interminável e altas figuras russas já apontam a via da diplomacia como o caminho a seguir, como é o caso do presidente do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, Igor Ivanov, que apela a um cessar-fogo por considerar a solução militar um “erro estratégico” de Putin.
“Diálogo, diplomacia e negociações são o único caminho aceitável para resolver o conflito de uma forma que resista ao teste do tempo. Devemos regressar à diplomacia e ao diálogo para garantir que as disputas atuais sobre questões centrais sejam negociadas e não combatidas”, pode ler-se numa declaração conjunta assinada por Ivanov, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Boris Iéltsin.
A quarta ronda de negociações entre a Rússia e a Ucrânia decorreu esta segunda-feira, no mesmo dia em que tanto Pequim como Moscovo vieram negar que o Kremlin tenha pedido apoio militar à China, mas foi interrompida para uma "pausa técnica". As conversas serão retomadas esta terça-feira.
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