Guerra na Ucrânia

Com a Rússia riscada dos programas turísticos, os portugueses também cancelam viagens ao Báltico e a países como Polónia ou Bulgária

A exclusão da Rússia do mapa de turismo está a arrastar consigo outros destinos de proximidade à zona de conflito Foto: Artem Beliaikin/Unsplash
A exclusão da Rússia do mapa de turismo está a arrastar consigo outros destinos de proximidade à zona de conflito Foto: Artem Beliaikin/Unsplash

A braços com a incerteza gerada pela situação de guerra, os operadores turísticos estão a reformular programas de viagens ao minuto. Além da Rússia estar excluída dos circuitos, todas as zonas próximas ao conflito estão a ser afetadas. O desvio de reservas dos portugueses nota-se sobretudo para destinos de ‘refúgio’, como Madeira e Açores ou Cabo Verde

Os operadores turísticos portugueses estão a cancelar programas de viagens que já estavam montados para 2022, não só para a Rússia como também para países Bálticos, Polónia, Bulgária ou Roménia, pela proximidade geográfica à situação de guerra na Ucrânia.

Num ano que se perfila de recuperação no sector de viagens e turistas ansiosos por fazer férias no exterior sem as restrições de apresentar testes à covid-19 ou cumprir quarentenas, a guerra na Europa veio criar uma situação bipolar, mantendo-se as reservas em níveis elevados para destinos considerados mais ‘seguros’.

Apesar de a Rússia não ser um dos principais destinos de férias dos portugueses, a situação mexeu com a operação de uma série de agências e operadores turísticos nacionais, envolvendo inevitavelmente prejuízos, até pela área alargada em que os cancelamentos se estão a verificar, estendendo-se aos países da Europa de leste.

Entretanto, a Polónia já confirmou que vai estar presente na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), a maior feira do turismo português, que decorre na FIL de 16 a 20 de março.

Uma das mais afetadas é a agência Pinto Lopes Viagens, que já cancelou, além da Rússia, todos os programas previstos este ano para os países Bálticos, Polónia, Bulgária, Roménia ou Moldávia. “O impacto é brutal, obrigou a cancelar cerca de 100 circuitos, estamos a falar de um impacto direto de mais de 6 milhões de euros”, frisa Rui Pinto Lopes, administrador da agência.

Na Rússia, onde a Pinto Lopes Viagens movimentou em 2019 cerca de 40 grupos, a agência estava “este ano a relançar a operação, que ia começar na Páscoa”, incluindo circuitos no Volga, no chamado Anel Dourado, na Sibéria e na Mongólia. Esta era uma aposta da empresa, especializada em viagens culturais e de autor, mas foi sumariamente excluída da operação, por tempo indeterminado. “Não iremos operar na Rússia nos próximos tempos, por razões óbvias e por uma questão de princípio: não concordamos com esta guerra, que ninguém pensava ser possível no séc. XXI em plena Europa”, considera Rui Pinto Lopes.

Também as viagens para a Georgia ou o Azerbaijão, com partidas previstas para abril, foram canceladas na Pinto Lopes. “Tudo isto, num ano normal, tinha um peso de 20% na nossa operação”, faz notar o administrador. “Antes do conflito, os indicadores estavam muito favoráveis, e voltamos a ter um nível de reservas muito baixo, o que para o turismo é dramático. As pessoas estão outra vez a retrair-se, e a reservar mais para o sul da Europa e Americas”.

“De forma geral, a operação está a ser afetada pelo momento de incerteza, e o receio de que a guerra ultrapasse as fronteiras das zonas em conflito”, explicita Rui Pinto Lopes. “Os cancelamentos atingem outros destinos que não estão em guerra, porque as pessoas estão com receio de viajar e levar as suas famílias para países de proximidade ao conflito. Voltamos ao velho refrão de que o turismo é a indústria da paz”.

Na agência Abreu, líder em Portugal em viagens de lazer, circuitos como “A rota dos czares” deixaram de fazer sentido e acabaram suspensos. “Retirámos toda a programação que incluía Rússia para onde operamos, sobretudo em cruzeiros e em circuitos, onde tínhamos alguma oferta”, refere Pedro Quintela, diretor de marketing e vendas.

“O impacto está a ser residual, porque os clientes não deixam de viajar. Optam, sim, por destinos alternativos – alguns mantém o mesmo tipo de produto e escolhem outro itinerário, outros escolhem outro tipo de viagem e destino, como por exemplo os EUA, que ganha protagonismo”, nota o responsável da agência Abreu. “Existem também os destinos Escandinávia e Polónia, para onde as vendas estão mais fracas, mas ainda se mantêm operacionais”.

A lidar com cancelamentos está também a Nortravel, conhecida pelos seus “circuitos culturais” na Europa, que costumavam incluir Moscovo ou São Petersburgo. “Este ano, curiosamente, não tinhamos nada previsto para a Rússia, tinhamos tomado anteriormente essa decisão, parece até que foi ‘feeling’”, nota Emídio Santos, diretor regional deste operador turístico português.

Mas a situação de guerra “afetou os circuitos organizados para os países Bálticos, próximos da Rússia. Em toda essa zona, incluindo a Polónia, as reservas até junho – 12 para o Báltico e outras 12 para a Polónia – foram todas canceladas”, adianta.

“Na Europa central, em destinos como República Checa, Hungria ou Áustria, não temos perspetiva real diária de cancelamentos, mas há o risco de também serem afetados, devido à proximidade. Quanto ao resto da Europa, acredito que não vá ser tão afetada, falando de destinos como Grécia e Itália, a não ser que haja uma escalada que ninguém deseja”, resume Emídio Santos.

O cancelamento das operações da Nortravel no Báltico e na Polónia envolveu a suspensão de contratos com companhias aéreas e hoteleiras, não resultando em prejuízo direto por os compromissos não estarem ainda fechados.

“O prejuízo neste caso é o de não vender”, faz notar o diretor da Nortravel, adiantando haver um desvio nas reservas de férias dos portugueses para destinos como Madeira e Açores, Porto Santo, Cabo Verde ou ainda Djerba, na Tunísia. “As pessoas estão a optar por outros destinos, mais longe do conflito, e estão a ir muito para as ilhas portuguesas, por oferecerem maior segurança”, adianta.

Relativamente à evolução da situação da covid, há “expectativas bastante positivas especialmente para a Europa, contamos este ano já ter uma boa dinâmica na venda de viagens, sem ser ainda aos níveis de 2019”, salienta o diretor da Nortravel.

Apesar das incertezas que de alguma forma também contagiam a Europa central, o operador Lusanova decidiu manter o circuito de oito dias das ‘grandes cidades imperiais’, passando por Viena, Budapeste e Praga, com partidas em maio, apesar de ter tido alguns cancelamentos “que não foram significativos”, como adianta o administrador, Luis Lourenço.

“Suspendemos o destino Rússia, que não tinha muito peso, mas nos últimos anos começava a vender bem devido à oferta de voos da TAP, permitindo fazer combinados de Moscovo e São Petersburgo, ou com extensão à Escandinávia”.

O administrador da Lusanova constata que “houve uma desaceleração nas reservas, há menos pedidos de viagens, as pessoas estão expectantes à espera do que isto vai dar”.

“As pessoas estão com várias interrogações, fazem-nos muitas perguntas, sobretudo sobre o espaço aéreo poder fechar”, refere. “Mas continuamos com a nossa operação, para outros destinos, como por exemplo Itália, as coisas estão normais. Estava tudo finalmente a correr bem, veio esta guerra e estragou tudo”.

“Infelizmente, já nos adaptámos a situações que eram anormais há uns anos. As pessoas estão desejosas por viajar depois destes dois anos de pandemia. Mas uma coisa é a covid, outra é uma guerra”, conclui.

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