Em janeiro de 2022, o escritor Alejandro Palomas (Barcelona, 1967) deixou toda Espanha em transe, ao contar em entrevista ao vivo como um religioso o violou, agrediu e abusou quando tinha apenas 8 anos, numa escola de Barcelona. A rutura social que o seu depoimento causou foi de tal magnitude que o primeiro-ministro Pedro Sánchez ordenou ao provedor de Justiça que abrisse uma investigação em grande escala para determinar o grau de incidência dos alegados abusos praticados pelo clero num país onde a negação e o silêncio nestes casos tem sido norma desde o fim da ditadura.
Após a recente publicação de um relatório histórico, Espanha tornou-se o país com a maior projeção oficial de vítimas no mundo. O número atinge 1,13% da população, ou seja, mais de 400 mil pessoas, segundo a Provedoria. Nesta entrevista ao Expresso, Palomas afirma não estar surpreendido com o elevado número de afetados. “Vivemos uma ditadura que mantinha relação íntima com a Igreja Católica e sabia-se que mal as comportas se abrissem os números seriam terríveis. Mas a Conferência Episcopal continua a não reconhecer os crimes cometidos pelo clero há décadas.”
Em 2021, denunciou em público os abusos que sofreu às mãos de um religioso numa escola de Barcelona. Foi um dos primeiros a fazer isso na Espanha, e de forma dura. Foi difícil acabar com os preconceitos que o acompanhavam por ter sido violado durante anos?
Claro que foi. Em primeiro lugar, porque socialmente não estamos muito dispostos a ouvir a descrição das coisas tal como aconteceram. De alguma forma, tentamos amenizar o horror, para que os crimes horrendos doam menos. Resolvi falar sobre o que sofri e usei as palavras certas e exatas. Uma violação é uma violação e não deve ser mascarada por uma palavra mais genérica, como abuso. Sou uma criança violada. Até àquele momento ninguém o expressara de forma tão crua. Felizmente, tudo mudou e agora as pessoas falam nesses termos. Milhares de crianças foram violadas por religiosos que agiram com absoluta impunidade.
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