Europa

Orbán pode criar polémicas no Conselho da UE mas burocracia europeia minimiza danos

Hungria de Viktor Orbán cada vez mais perto do nível de vida do Portugal de António Costa
Hungria de Viktor Orbán cada vez mais perto do nível de vida do Portugal de António Costa
CARLOS COSTA/AFP via Getty Images

Especialistas em assuntos europeus admitem que o primeiro-ministro húngaro, o ultraconservador Viktor Orbán, poderá criar polémicas durante a sua presidência do Conselho da União Europeia

Especialistas em assuntos europeus admitem que o primeiro-ministro húngaro, o ultraconservador Viktor Orbán, poderá criar polémicas durante a sua presidência do Conselho da União Europeia (UE), no segundo semestre, mas a máquina burocrática europeia conseguirá minimizar eventuais danos.

"Há um ditado que diz que um leopardo nunca muda as suas pintas", resume Dharmendra Kanani, porta-voz do centro de análise de políticas europeias Friends of Europe, acrescentando: "Tendo em conta o historial de Orbán na frente interna e o uso do seu veto em decisões políticas fundamentais da UE, é difícil aceitar garantias de Budapeste".

Viktor Orbán tem protagonizado vários momentos de tensão no seio da UE, ao vetar, por exemplo, apoio financeiro à Ucrânia, e vendo fundos europeus retidos por violações ao Estado de Direito.

"Sabemos que a Hungria já está sujeita às medidas do artigo 7.º e é inédito que um Estado-membro sujeito a essas medidas assuma o leme da presidência", nota a Friends of Europe, em declarações à Lusa.

"A preocupação", continuou o representante do grupo de reflexão, é que o líder húngaro aproveite a liderança do Conselho da UE para comunicar "uma retórica que não está de acordo com os valores europeus".

No mesmo sentido, Ricardo Borges de Castro, conselheiro do Centro de Política Europeia, admite que "pode haver aqui ou ali um episódio em que Orbán vai dizer alguma coisa que é completamente ao arrepio daquilo que é a maioria do consenso europeu".

O líder húngaro, admitiu, "pode adotar uma retórica no discurso em Budapeste para satisfazer a sua base política de apoio que não tem necessariamente que ser o mesmo em Bruxelas".

Mas, concordam os analistas, os eventuais 'danos' serão limitados.

"Orbán não pode impor a sua vontade aos outros 26 [países]", refere Ricardo Borges de Castro.

Henrique Burnay, da consultora especializada em assuntos europeus Eupportunity, salienta que a presidência rotativa tem a obrigação de "ser um mediador sério ['honest broker'], um facilitador de acordos entre os 27".

"Qualquer gesto no âmbito da política interna poderia ter significado político, mas não tem relação com o exercício da presidência", considera.

Burnay salienta que o primeiro-ministro húngaro nunca presidirá a qualquer reunião, porque ao nível dos chefes de Estado e de Governo as reuniões são sempre presididas pelo presidente do Conselho Europeu, o recém-eleito António Costa.

Além disso, apontam os analistas, há uma 'máquina' por trás que garante a uniformidade das presidências -- compostas por trios: neste caso, Espanha, Bélgica e Hungria.

"Felizmente, a estrutura administrativa da UE entrará em ação para garantir a moderação dos pontos de vista e das decisões", diz Kanani, que ressalva que "apesar das preocupações de muitos Estados-membros relativamente ao efeito Orbán, historicamente a União Europeia sempre privilegiou o consenso".

Por outro lado, o segundo semestre do ano será essencialmente dedicado à instalação do novo Parlamento Europeu e à escolha dos novos comissários europeus, após as eleições de junho.

"A disponibilidade do Parlamento para negociações com o Conselho é, por isso, reduzida. Não se espera que seja um semestre muito legislativo, o que reduz o impacto desta presidência. No máximo, a Hungria pode não avançar dossiês", admite Burnay.

A presidência húngara poderá também ter impacto na política externa dos 27, tendo em conta as conhecidas afinidades de Orbán com o Presidente russo, Vladimir Putin, com o líder israelita Benjamin Netanyahu, e com o candidato republicano norte-americano Donald Trump, e uma vez que cabe à presidência rotativa o agendamento dos temas.

"As objeções da Hungria são um potencial obstáculo à tomada de decisões", refere Burnay, recordando que a presidência belga quis iniciar as negociações de adesão com a Ucrânia a poucos dias do fim do seu mandato.

Uma decisão que Ricardo Borges de Castro aplaude, notando que "a Hungria esteve aberta para que isso acontecesse".

O Friends of Europe acredita que o dirigente húngaro "terá dificuldade em reduzir o pacote financeiro para a Ucrânia, mas pode aproveitar a oportunidade de haver Estados-membros descontentes, incluindo a Eslováquia, para bloquear ou diluir o apoio financeiro plurianual à Ucrânia".

Sobre o conflito no Médio Oriente, o responsável do EPC aponta a grande divisão entre os 27, enquanto Burnay admite que se trata de uma matéria que "tem tudo para criar conflitualidade entre os Estados-membros e nenhuma possibilidade de chegar a bom porto se for um tema puxado por uma parte pouco disponível para o compromisso".

Num cenário de eventual reeleição de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas em novembro, Henrique Burnay afirma que o primeiro-ministro húngaro "pode usar a sua condição de país com a presidência rotativa para dar um sinal de apoio a Trump".

"O que, não comprometendo a UE, seria motivo de tensão e desacordo interno", comenta.

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