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“Assassinar meteorologistas não vai parar furacões”: para os apoiantes de Trump, até os desastres são arma de arremesso política

Impacto do furacão Helene em Marshall, na Carolina do Norte
Impacto do furacão Helene em Marshall, na Carolina do Norte
Jabin Botsford/The Washington Post via Getty Images

O ex-Presidente dos EUA promoveu teorias da conspiração sobre os furacões “Helene” e “Milton”, que rapidamente passaram para ameaças contra profissionais de proteção civil e especialistas em alterações climáticas. As autoridades alertam que algumas teorias têm prejudicado o apoio no terreno e criado “medo” nos trabalhadores que arriscaram a vida para salvar pessoas nas áreas afetadas

“Assassinar meteorologistas não vai parar furacões”: para os apoiantes de Trump, até os desastres são arma de arremesso política

Hélio Carvalho

Jornalista

A forte polarização política dos últimos anos nos Estados Unidos da América, especialmente desde a ascensão de Donald Trump à Casa Branca, tem atingido todos os níveis da sociedade norte-americana. Há ameaças de morte pelos motivos mais banais, debates e dúvidas sobre factos científicos consolidados há décadas. Depois das passagens dos furacões “Helene” e “Milton”, nem os meteorologistas e a proteção civil estão a salvo da fúria dos extremistas.

Nas últimas semanas, vários dirigentes republicanos e apoiantes de Donald Trump procuraram politizar a passagem dos furacões pelo sudeste do país. Alguns acusaram a Administração Biden, sem fundamento, de limitar o apoio do Governo federal a estados liderados por conservadores. Outros, como a congressista Marjorie Taylor Greene, foram mais longe e questionaram ciência básica, ao sugerir que Joe Biden e o Partido Democrata controlaram a formação, o tamanho e o trajeto dos dois furacões.

Ao New York Times, vários meteorologistas e membros de equipas de proteção civil, que cobriram a passagem dos furacões ou que ajudaram as populações a sobreviver aos desastres, revelaram que têm sido alvo de um número crescente de ameaças de morte e assédio. Marshall Shepherd, diretor do programa de Ciências Atmosféricas da Universidade da Geórgia, lamenta a “palpável diferença no tom e na agressividade contra pessoas” na área da meteorologia, e aponta o dedo aos líderes políticos, com grande perfil mediático, que espalharam teorias da conspiração e desinformação sobre os fenómenos.

Shepherd, um ex-presidente da Sociedade Meteorológica Americana, notou ainda que o assédio a meteorologistas, por negacionistas climáticos ou figuras ultraconservadoras, não é novo. “A diferença é que vinham sempre de grupos ‘marginais’; agora, vemos que [as teorias] tornaram-se comuns", apontou.

Numa entrevista à CNN, antes da passagem do “Milton” pela Flórida - um furacão que chegou a ser de categoria 5 antes de chegar ao continente norte-americano -, uma jornalista repetiu alegações ouvidas na rua e perguntou se a tempestade era controlada por pessoas. E o especialista respondeu: “É impressionante que um jornalista tenha de me colocar essa pergunta.”

Outros meteorologistas ouvidos pelo New York Times falam de situações semelhantes e alertam que esta politização do clima e da ciência, levada a cabo pelos republicanos, cria riscos para a credibilidade das previsões e dos avisos dos especialistas durante fenómenos climatéricos extremos (especialmente num país tão afetado por tornados e furacões).

“Assassinar meteorologistas não vai parar furacões. Não acredito que tive de escrever isto”, afirmou Katie Nickolaou, uma especialista do Michigan, numa publicação na rede social X (antigo Twitter). Já Matthew Cappucci, um meteorologista do Washington Post, contou que recebeu centenas de comentários e mensagens, acusando-o de ‘esconder’ a verdade sobre o Governo e um qualquer controlo sobre furacões. “Parte de mim quis dizer: ‘Se não confias nos meus avisos, então fica onde estás. Fica aí e vê o que acontece’”, disse.

As autoridades e os trabalhadores de proteção civil falam de ameaças semelhantes. Na Geórgia e na Carolina do Norte, dois dos estados mais afetados pelo furacão “Helene” no final de setembro, líderes conservadores acusaram a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA, na sigla em inglês) de roubar doações destinadas à Ucrânia, de vender secretamente terrenos em zonas afetadas para minar lítio ou de esconder corpos debaixo de escombros.

As teorias foram espalhadas pelo próprio Donald Trump que, em comícios e na sua rede social, alegou que os fundos de emergência estavam a ser desviados para apoiar imigrantes. E, mesmo depois de governadores republicanos terem elogiado o apoio prestado por Joe Biden, continuou a acusar os democratas de não ajudarem zonas onde o governo local é liderado por conservadores.

Deanne Criswell, administrador da FEMA, explicou à ABC News que o aumento das ameaças e da desinformação nas redes sociais têm dificultado as operações no terreno e criaram “medo nos funcionários”. No domingo, a agência anunciou que ia fazer “ajustes operacionais” para proteger o seu staff e os sobreviventes das tempestades.

“Eu trabalho em desastres há 20 anos e não consigo lembrar-me de um desastre rodeado de tanta desinformação”, vincou ao The Times Samantha Montano, professora de gestão de emergências na Academia Marítima de Massachusetts.

O furacão “Helene”, de categoria 4, foi o pior fenómeno deste tipo a afetar os Estados Unidos desde o furacão "Maria", em 2017. Atingiu o sudeste dos EUA no final de setembro, em particular os estados da Flórida, Geórgia, Carolina do Norte e Carolina do Sul, bem como as Honduras, Cuba e as Ilhas Caimão, fazendo cerca de 250 mortos e milhares de desalojados.

Duas semanas depois, o furacão “Milton”, que foi catalogado pela Casa Branca e pelas autoridades como uma tempestade de proporções gigantes, capaz de causar milhares de mortes, acabou por perder força antes de chegar à Flórida como ‘apenas’ um furacão de categoria 3, causando 14 mortes e inundações pela região.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hcarvalho@expresso.impresa.pt

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