Eleições americanas 2024

Bill Clinton junta-se à campanha de Harris para convencer eleitores negros em zonas rurais da Geórgia

Bill Clinton em romaria de peixe frito em zona rural da Geórgia
Bill Clinton em romaria de peixe frito em zona rural da Geórgia
Julia Beverly/Getty Images

Uma das estratégias da campanha democrata até às presidenciais de novembro é aumentar a presença em áreas rurais e tradicionalmente conservadoras da Geórgia, um dos estados mais renhidos desta eleição. A presença de Clinton coincidiu com o início do voto antecipado na região

Bill Clinton junta-se à campanha de Harris para convencer eleitores negros em zonas rurais da Geórgia

Hélio Carvalho

Jornalista

Uma campanha presidencial nos Estados Unidos depende por vezes do ‘fator nostalgia’, dos ex-Presidentes dos respetivos partidos que aparecem, não apenas para dar um ar da sua graça, mas para tentar emprestar a sua fórmula vencedora aos candidatos. A menos de um mês das eleições, com todas as sondagens a apontarem para mais uma votação extremamente renhida no estado da Geórgia, o Partido Democrata utilizou finalmente um dos seus ‘jokers’, um trunfo guardado especificamente para as zonas mais pobres do país: o 42.º Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.

No domingo, Clinton evitou o grande centro de Atlanta e viajou pelas zonas rurais da Geórgia, a uma igreja batista afro-americana em Albany e a uma pequena romaria de peixe frito em Fort Valley, para promover a candidatura de Kamala Harris e convencer o eleitorado fora das zonas urbanas. O histórico Presidente democrata discursou num serviço da Igreja Batista Mount Zion, em Albany, onde pediu um país “unido” e lamentou a polarização e a desinformação que se espalharam pelos EUA.

“Unir as pessoas e construir, reparar as divergências, essas são as coisas que funcionam. Culpar, dividir, menosprezar - dão muitos votos em altura de eleições, mas não funcionam”, disse Clinton em Albany, uma localidade importante para o movimento dos direitos civis dos anos 60, citado pela Associated Press.

O ex-Presidente acrescentou que “esta eleição e o futuro do país serão sobre o que as pessoas, indecisas em votar, vão fazer durante as próximas três semanas”. “É a coisa mais doida que já vi”, comentou.

À tarde, o antigo líder norte-americano foi ao condado de Peach County, a Fort Valley, a cerca de duas horas a sul de Atlanta. De boné na cabeça e pin na camisa, desafiou os pescadores a voltar a votar no Partido Democrata, vincando que “eles [republicanos] terão uma colina muito difícil de subir” se os democratas vencerem na Flórida.

Clinton foi ainda à sede de campanha de Kamala Harris em Albany, onde confirmou que ele próprio pediu à campanha para o mandar para as áreas rurais da região, onde se sente mais confortável para discursar.

Segundo o New York Times, a estratégia democrata de ir às zonas mais isoladas e agrícolas do território tem sido replicada pelos estados mais renhidos desta eleição: em vez de atacar apenas os grandes centros urbanos, onde já é a favorita, a campanha de Harris quer tentar virar os subúrbios do Sul, onde os valores conservadores mandam e onde o Partido Republicano teve sempre uma presença mais forte.

A verdade é que há poucos nomes capazes de aplicarem essa estratégia como Bill Clinton, cuja chegada ao poder está intrinsecamente ligada às dificuldades da classe rural norte-americana. O seu sotaque sulista do Arkansas, onde foi governador, a abordagem de temas mais corriqueiros e leves, o conhecimento profundo da exploração agrícola de cada população e o currículo económico dos anos 90 são pontos óbvios a favor. E Clinton apontou também as semelhanças com Tim Walz, o candidato a vice-presidente e “número 2” de Kamala Harris, afirmando que “não doía nada ter alguém no escritório do vice-presidente que acompanha o preço do milho, dos cereais e da soja”.

Mas o figura de Clinton é útil para Kamala Harris pelo potencial que tem junto do eleitorado afro-americano, crucial para conquistar a Geórgia. Em 1992, Clinton, com a sua imagem de homem de origens simples e pobres, de classe trabalhadora do Sul subdesenvolvido, cativou tanto eleitores negros (que simpatizaram com a sua luta e gostaram do seu à vontade nas comunidades) como eleitores brancos conservadores (que se reviram na sua origem). Como Presidente, nomeou quatro secretários negros, defendeu a introdução de quotas para comunidades afro-americanas e o seu mandato coincidiu com um aumento do poder de compra das minorias étnicas nos EUA, contribuindo ainda mais para a sua popularidade junto dos eleitores negros.

Até Bill Clinton aparecer, fazer campanha em estados conservadores como a Geórgia ou a Carolina do Sul, onde a considerável população afro-americana continua com muitas dificuldades em votar, era visto quase como uma perda de tempo para os democratas. A relação entre Clinton e o eleitorado afro-americano foi tão forte que, em 1998, a escritora Toni Morrison escreveu na revista “New Yorker” que Bill Clinton tinha sido “o primeiro Presidente negro”. A história acabou por esquecer que Morrison, laureada com o Prémio Nobel da Literatura, usou a expressão, não como um elogio, mas para associar o processo de exoneração contra Clinton, e a forma como foi tratado por meios conservadores, à discriminação de pessoas negras na imprensa e na política.

Sobram agora dúvidas sobre se Clinton ainda tem essa capacidade de mover o eleitorado negro - a Associated Press apontou que uma boa parte já não se lembra dos mandatos do antigo Presidente e da sua importância para as minorias étnicas nos EUA. A visita aconteceu poucos dias antes do início do voto antecipado na Geórgia, que começa na terça-feira. Esta segunda-feira, Clinton vai continuar a viajar pelos subúrbios do estado da Geórgia, evitando a área metropolitana de Atlanta; depois, é esperado que lidere uma mini-campanha de autocarro pela Carolina do Norte, dando mais uma vez prioridade às zonas rurais.

A Geórgia será um dos estados que vai merecer mais atenção na noite das eleições presidenciais, a 5 de novembro. Em 2020, Joe Biden conquistou os 16 votos eleitorais do estado por uma diferença de apenas 11 mil votos (em 5 milhões de eleitores). A região foi a única do Sul a votar a favor do Partido Democrata. Segundo as últimas sondagens, agregadas pelo New York Times e pelo site FiveThirtyEight, Donald Trump mantém uma magra vantagem na Geórgia sobre Kamala Harris, com uma diferença de 1,1% em relação à vice-presidente.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hcarvalho@expresso.impresa.pt

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