Mind the Vote #18. A implosão do Partido do Brexit de Nigel Farage
Quatro eurodeputados demitiram-se do Partido do Brexit para apoiar os conservadores de Boris Johnson. Temem que a divisão do eleitorado eurocético faça descarrilar o processo de saída da UE. Entretanto, a crise do antissemitismo no Partido Trabalhista vai custando apoios a Jeremy Corbyn
E se um político da direita eurocética britânica nos lembrar Álvaro Cunhal? Isso é… o que se passou esta quinta-feira. “Mesmo que tenham de tapar o nariz, votem no Partido Conservador nas próximas eleições”, recomendou, esta quinta-feira, o eurodeputado John Longworth, eleito pelo Partido do Brexit e ontem afastado por ter declarado apoio a Boris Johnson nas legislativas de 12 de dezembro. Impossível não recordar as palavras do chefe histórico do Partido Comunista Português, que em 1986 apoiou o arquirrival socialista Mário Soares na segunda volta das presidenciais, contra Freitas do Amaral: “Se for preciso tapem a cara [de Soares] com uma mão e votem com a outra”.
Longworth falava numa conferência de imprensa com três colegas, eleitos na mesma lista que ele para o Parlamento Europeu, em maio, e que abandonam agora o Partido do Brexit. É um passo adiante num processo de desmoronamento da formação de Nigel Farage, meses após a vitória nas europeias.
Primeiro Farage disse que o Partido do Brexit ia apresentar candidatos em todo o país. Depois abdicou de concorrer em 317 dos 650 círculos (os que eram ocupados por deputados conservadores), para evitar uma divisão do voto eurocético que favoreceria a eleição de trabalhistas, liberais ou nacionalistas escoceses e galeses (todos a favor de novo referendo ao Brexit). Em seguida, alguns dos candidatos do Partido do Brexit acharam que isso não bastava e desistiram da corrida, contra a vontade do líder. Hoje, quatro dos 29 eurodeputados do partido aconselham Farage a “engula o seu orgulho” e declararam apoio a Boris Johnson.
John Longworth, Annunziata Rees-Mogg, Lance Forman e Lucy Harris, todos eurodeputados do Partido do Brexit, consideram que o acordo conseguido pelo líder conservador em Bruxelas é “o único jogo em cima da mesa”. Farage tem defendido um Brexit sem acordo e acusado o primeiro-ministro de promover uma versão inautêntica da saída da UE. Longworth assume que o acordo de Johnson “não é perfeito”, mas “tem potencial para se tornar ótimo” e que “é definitivamente Brexit, ao contrário do acordo anterior [de Theresa May]”.
“É um ponto de viragem na História. Com um marxista antissemita à porta de casa, temos de canalizar a bravura noutra direção”, acrescentou Harris, referindo-se ao líder trabalhista Jeremy Corbyn. Os que agora saem do Partido do Brexit pensam que tudo o que não for concentrar votos nos conservadores contribuirá para um Parlamento sem maioria, em que uma ‘geringonça’ europeísta poderá afastar Johnson do poder e sabotar a saída da UE. Forman disse mesmo, sobre Farage: “Poderia ser um dos maiores estadistas caso dissesse: ‘Temos de concluir o Brexit, votem Boris Johnson’”.
O politólogo Simon Usherwood, perito em assuntos europeus na Universidade de Surrey e fonte frequentemente consultada pelo Expresso, publicou na sua rede social Twitter a sua análise ao que se passa no Partido do Brexit. Vale a pena ler a sequência.
Farage ficou furioso com os rebeldes, a quem acusou de não perceberem que a sua decisão de não apresentar candidatos em 317 circunscrições “salvou o Partido Conservador de perdas em grande escala para os Liberais Democratas no sul e sudoeste de Inglaterra” e que o Partido do Brexit está a “esmagar o voto eurocético nos redutos tradicionais do Partido Trabalhista, tornando muito mais fácil os conservadores ganharem muitos desses lugares”. O líder despeitado procurou descredibilizar os seus agora ex-companheiros: “Uma das eurodeputadas [Rees-Mogg] é irmã de um ministro, outra tem um companheiro que trabalha no gabinete desse ministro [Harris] e outro ainda [Forman] é amigo pessoal de Boris Johnson e Michael Gove [ministro-adjunto].” Quanto à questão de fundo, insiste: “O acordo de Boris Johnson, sem emendas, é inaceitável e é claro que mantenho essa visão”.
Os quatro que saem garantem que não foram contactados pelos conservadores e muito menos esperam qualquer recompensa. “É claro para mim que o Partido do Brexit está a dividir o voto eurocético”, explicou Annunziata Rees-Mogg. Tal pode abrir alas a uma “coligação pela permanência [na UE] que fará tudo para não honrar o referendo do Brexit”. Conclui a ex-militante: “Acho inacreditável, mas trágico, que o Partido do Brexit, com tanta gente maravilhosa e dedicada a uma causa, tenha passado a ser o partido que põe o Brexit em risco”. O partido tem perdido apoios em todas as sondagens. Se em junho lhe atribuíam 25% das intenções de voto, agora não passa dos 3%.
FOTO DO DIA
Divertido enquadramento nesta imagem da visita de Jeremy Corbyn a uma escola de Peterborough, em Inglaterra, com a candidata trabalhista local, Lisa Forbes. À esquerda Pinóquio, à direita o Monstro de ‘A Bela e o Monstro’. Qualquer das duas personagens da Disney podia ser a encarnação do que Corbyn e o primeiro-ministro conservador, Boris Johnson, têm dito um do outro
Joe Giddens - PA Images
A FRASE
“Penso que essa situação é extremamente remota [...] mas a verdadeira possibilidade de saída sem acordo é se não houver maioria parlamentar”, respondeu o ministro das Finanças numa entrevista em que se recusou várias vezes a descartar um cenário de saída da União Europeia sem acordo. O conservador Sajid Javid também defendeu que é possível negociar em onze meses (até ao final do período de transição do Brexit) um acordo comercial semelhante ao que a UE tem atualmente com o Canadá. Mas esse demorou dez anos a ver a luz do dia.
UMA HISTÓRIA FORA DO RADAR
São já oito as pessoas que, tendo representado o Partido Trabalhista no Parlamento do Reino Unido, aconselham o povo a não votar nesta força política. Em causa estão o antissemitismo que grassa no partido e que sentem ser tolerado pela direção de Jeremy Corbyn e as divergências políticas com o líder. Esta quinta-feira foi a vez de Joan Ryan (em declarações captadas pela Sky News), eleita por Enfield North entre 1997 e 2010 e, depois, em 2015. Em fevereiro último saiu do partido e aderiu ao Grupo Independente pela Mudança, repudiando Corbyn “e a clique estalinista que o rodeia” e acusando-os de “chefiarem uma cultura de antissemitismo e ódio por Israel”.
Ryan, que não se recandidata, não explicou em quem iria votar, mas não excluiu apoiar os conservadores. Junta-se a uma lista que inclui ex-parlamentares que apoiam agora Boris Johnson — Ian Austin, Tom Harris, Ivan Lewis (este, apesar de ser recandidato como independente), John Woodcock, Gisela Stuart e Kate Hoey (que votará nos unionistas, pois está recenseada na Irlanda do Norte) — e outros que rejeitam simplesmente votar em Corbyn: Michael McCann e Ryan. “Ainda não me decidi”, disse esta última quanto a um possível apoio a Johnson. Apoiante da permanência do Reino Unido na UE, explicou que se apenas estivesse em causa o Brexit, teria ficado no Partido Trabalhista. “Mas não faço isso com o racismo, é um absoluto moral”, acrescentou.
NAFTALINA ELEITORAL
Os britânicos têm o hábito de votar à quinta-feira, mas nem sempre foi assim. A concentração do ato eleitoral num só dia data de 1918. No século XVIII as eleições duravam uma semana ou mais, devido à necessidade de os eleitores se deslocarem de zonas longínquas para exercerem o seu direito. Sem televisão nem redes sociais, não era sequer preciso que todo o país votasse em simultâneo, além de que a verificação da inscrição dos eleitores no censo eleitoral e, mais tarde, a contagem e recontagem dos votos eram processos bem mais morosos. Quanto mais renhida a disputa, maior a probabilidade de a coisa se prolongar. Em 1784, por exemplo, a eleição do deputado por Westminster – sede do poder no Reino Unido e então representada por dois deputados, um deles o líder dos whigs (liberais), Charles James Fox – estendeu-se de 1 de abril a 17 de maio. Foi reeleito, tendo ido para a Câmara dos Comuns com o conservador Samuel Hood.
SONDAGEM DO DIA
Os candidatos independentes estão mais populares do que nunca, indica um estudo de opinião do instituto Savanta ComRes para o jornal “The Daily Telegraph”. São já 6% os britânicos que tencionam votar em candidatos que não pertencem a nenhum dos seis maiores partidos nas legislativas do próximo dia 12. Em primeiro lugar, destacado, continua a surgir o Partido Conservador.
Há mais eleitores a apoiar candidatos independentes do que os que preveem votar no Partido Nacional Escocês (4%), no Partido do Brexit (3%) ou no Partido Verde (2%). A este sinal de cansaço com as forças políticas tradicionais, acresce que, a uma semana da votação, mais de um quinto dos inquiridos (21%) admite vir a mudar de opinião até lá. É o caso de 28% dos que planeiam dar o seu voto aos Liberais Democratas, 19% dos que se inclinam agora para o Partido Trabalhista e 10% dos que apontam o Partido Conservador.
SAÍDO DO MANIFESTO
Boris Johnson foi apertado, esta quinta-feira, a respeito do aumento da carga fiscal no Reino Unido, previsto no seu programa eleitoral (o qual prevê baixas no IRS mas excluiu um corte no IRC). Ao todo, calculam os jornais britânicos, o balanço entre reduções e aumentos de impostos dá mais 125 milhões de libras ao fisco. O primeiro-ministro não esclareceu a editora de política da BBC, Laura Kuenssberg, que apontou este valor durante um seu ato de campanha. “Não sei de que fala... vamos cortar impostos sobre as empresas, vamos cortar as contribuições para a segurança social de toda a gente que as paga”, retorquiu o líder conservador.