Regressamos à atualização diária sobre a campanha eleitoral no Reino Unido, em véspera de um debate que será só entre Jeremy Corbyn e Boris Johnson, para a total exasperação de pelo menos outros dois partidos: os nacionalistas escoceses (SNP) e os Liberais Democratas, que consideram ter o direito a debater com os dois candidatos ao top job da Nação - isto porque aquilo de ser rei é uma questão de laços de sangue e não de votos da plebe.
Diga-se, sobre este assunto, que os laços de sangue - como se verificou durante o fim de semana após a confrangedora entrevista do príncipe Andrew na BBC sobre as suas alegadas ligações à rede de prostituição de menores estabelecida pelo já falecido Jeffrey Epstein - também acabam por envergonhar-nos e são muito mais difíceis de dissolver do que parlamentos ou alianças eleitorais.
Adiante, porque esta segunda-feira foi um desfiar de discursos e medidas na área da Economia. Corbyn, Johnson e a líder dos liberais, Jo Swinson, foram pedir a benção à madrinha, que é como quem diz que foram discursar perante a todo-poderosa Confederação das Indústrias Britânicas (CBI), a maior patronal do país, que marca a temperatura da popularidade de cada político junto do tecido empresarial.
Mesmo discursando em terreno que lhe é tendencialmente favorável, Boris Johnson, primeiro-ministro e líder do Partido Conservador, aproveitou para revelar que afinal não vai diminuir os impostos sobre as grandes empresas, como antes prometera, mas direcionar esse dinheiro para coisas “mais urgentes”, como o Serviço Nacional de Saúde. De repente, os trabalhistas viram-se usurpados de uma das suas principais armas retóricas. Afinal, os conservadores já não são, pelo menos para efeitos de perceção pública imediata, os insensíveis que vão aliviar a carga fiscal dos seus comparsas negligenciado os serviços públicos.
A medida é para avançar mas fica, por ora, “parada indefinidamente”, disse Johnson. A taxa de IRC está nos 19% e planeava-se que descesse para 18% em abril de 2020. “Antes de se atirarem ao palco em protesto, quero só dizer que esta medida significa mais 6000 milhões de libras [7000 milhões de euros] para podermos ajudar os britânicos em várias áreas”, afirmou o governante, depois de anunciar que já não ia anunciar o que tinha prometido há uns meses.
Nas perguntas aos líderes, Johnson teve de responder sobretudo a questões sobre o Brexit. Quando terminar o período de transição pós-Brexit, em janeiro de 2021, haverá um acordo abrangente que sirva à indústria britânica? “Não vejo qualquer impedimento, já começámos essas negociações e estão a correr de forma muito célere”, respondeu. Mas há quem continue com dúvidas sobre o pós-Brexit, mesmo depois de um acordo assinado com Bruxelas.
Pensemos na questão da redução da imigração, principal leitmotif de toda a tragicomédia do Brexit. Quem pode garantir que, quando o Reino Unido tentar negociar acordos comerciais bilaterais com países europeus ou mesmo com países fora do espaço europeu, esses não exigem em troca um número de vistos britânicos para os seus trabalhadores?
A diretora do CBI, Carolyn Fairbairn, respondeu ao discurso de Johnson deixando bem claro qual o único tipo de Brexit que as empresas estão preparadas para aceitar: “É urgente conseguirmos o tipo certo de Brexit e isso quer dizer manter uma relação com a UE que permita negociações sem barreiras, sistemas de regulamentação alfandegária muito próximos e apoio permanente ao nosso sector dos serviços”, disse em comunicado. Como quem diz: por estes lados defendemos um soft, soft Brexit.
Corbyn também falou e não quis ser acantonado, nem por Johnson nem pela comunicação social, entre os “marxistas que odeiam a riqueza”, onde tantas vezes os conservadores colocam o líder trabalhista. Como não é a primeira vez que discursa sobre coisas como nacionalização de sectores estratégicos ou aumento de impostos para as maiores empresas, sentiu-se na obrigação de vir dizer que “o ‘Labour’ não é antimercado”. “Não somos antimercado quando reclamamos contra baixos salários, não somos antimercado quando dizemos que as maiores empresas têm de pagar impostos, tal como as mais pequenas, não somos antimercado quando queremos prosperidade em todas as zonas do país - e não apenas nos centros financeiros da City de Londres”, respondeu o líder trabalhista.
Fairbairn criticou o que conhece dos planos trabalhistas, mas não poupou os eurocéticos radicais. Depois das intervenções de Johnson e Corbyn, a líder da patronal deixou claro que o extremismo ideológico de ambos os campos está a prejudicar a economia: “De um lado temos uma parte da direita e a sua preferência por uma saída sem acordo, inflamada por um desejo de desregulamentar totalmente a economia do Reino Unido; do outro temos os trabalhistas com o maior programa de nacionalizações que o país já viu, com grande custo para quem paga impostos e muito poucas certezas de que isso signifique melhorias nos serviços”.
Swinson lançou a forte cartada da permanência na UE, tão forte que está a açambarcar quase todo o discurso liberal (e que corre o risco de torná-los de novo irrelevantes se não conseguirem desenvolver um programa que interesse ao público não devido a, mas apesar do Brexit). Na CBI, Swinson disse que os ‘lib dems’ são o “partido natural dos comerciantes”, acrescentando: “Com os conservadores no bolso de Nigel Farage [líder do Partido do Brexit] e Corbyn preso na década de 1970, somos os únicos que podem defender-vos, porque cremos que qualquer forma de Brexit, seja dura ou menos dura, azul ou vermelha, vai prejudicar o emprego, os negócios e os nossos serviços públicos”.
Foto do dia
A frase
“É um conluio. Os representantes dos conservadores e dos trabalhistas vão estar no debate, mas o partido que lidera a Escócia não vai estar representado”, Ian Blackford, líder parlamentar do Partido Nacional Escocês (SNP), a terceira maior bancada na legislatura que terminou.
Uma história fora do radar
Aquela que se passa entre Boris Johnson e Jennifer Arcuri e de que ele não quer que se fale. Numa entrevista à ITV, domingo de manhã, a empresária e ex-modelo norte-americana foi extremamente dura com o primeiro-ministro, com quem teve uma relação “profunda” que já toda a imprensa assume ter sido de cariz amoroso (nem ele nem ela o negam). O problema é que há suspeitas de que Johnson possa ter oferecido a Arcuri, quando ocupava o lugar de mayor de Londres, lugares privilegiados em viagens de empresários britânicos a países estrangeiros e facilidades de acesso a financiamento para concretização das suas ideias empresariais.
O caso está a ser investigado mas, entretanto, Arcuri tem sido bombardeada com perguntas e artigos críticos na imprensa britânica. Queixa-se de ter sido abandonada pelo primeiro-ministro nesta luta. Negando qualquer favoritismo nos tempos de Johnson à frente da Câmara de Londres, Arcuri disse que o político não atende os seus telefonemas, que se sente “bloqueada” e que ele a tratou como “um gremlin”. “Já que tenho de lidar com todo este fogo da imprensa, a coisa certa a fazer era atender o telefone, falar uns minutos comigo”, comentou. E ainda revelou uma mensagem que tem no telemóvel, enviada a Johnson e para a qual não obteve resposta. “É este o preço da lealdade? Ter o telefone desligado na minha cara, ser ignorada e bloqueada? Porque esperas que permaneça em silêncio se nem falas comigo?”
Naftalina eleitoral
É mais uma revisão dos últimos capítulos do que uma curiosidade. A participação em eleições é normalmente alta no Reino Unido e as eleições gerais de 2017 marcaram o quarto ato eleitoral consecutivo em que esse dado cresceu. Há números preocupantes em relação ao registo de novos eleitores, que no Reino Unido não é automático. Por exemplo, segundo a Comissão Eleitoral, apenas uma em cada três pessoas com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos está registada para votar.
Em 2001, a participação caiu para 59,4%, o seu nível mais baixo desde 1918 e 12% menos do que em 1997. Embora a participação tenha voltado a aumentar em 2005-2010, ficou abaixo do nível de 1997 (72%). A maior participação registada nos últimos cem anos aconteceu nas eleições de 1950, quando 83,9% da população registada exerceu o seu direito de voto.
Sondagem do dia
Uma boa percentagem dos eleitores que votaram “Brexit” no referendo de 2016 considera que o desmembramento do Reino Unido é um preço “aceitável” a pagar pela saída. Numa sondagem de empresa de pesquisas YouGov, quase 41% dos inquiridos assumem esta posição, enquanto 18% disseram que não, não é aceitável destruir a União para sair da UE. Os restantes não sabem ou não respondem. A YouGov também quis saber junto de todos os eleitores, remainers e leavers, se o Brexit torna mais provável um segundo referendo à independência da Escócia e 40% consideram que sim.
Saído do manifesto
Manifestos talvez só quinta-feira mas há quase duas semanas que andam a pingar medidas de todos os lados. O Partido Trabalhista apresentou, segunda-feira, novo ponto do seu “manifesto verde”. A ideia é criar 80 mil estágios/formações por ano para que os trabalhadores que queiram ser parte da economia verde possam aprender novas competências. O plano passa não só por ajudar quem trabalha em sectores poluentes que possam vir a desaparecer gradualmente a reconverter os seus conhecimentos como por ajudar cidadãos a criar os seus próprios empregos e empresas numa lógica de investimento mais sustentável.
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