EUA

Recluso, família das vítimas e guardas prisionais pediram misericórdia, mas governador e justiça decidiram executar pena de morte

Recluso, família das vítimas e guardas prisionais pediram misericórdia, mas governador e justiça decidiram executar pena de morte
Jerry Cabluck

Brian Dorsey, de 52 anos, foi executado na terça-feira, por um duplo homicídio cometido em 2007, em que matou com tiros de caçadeira a prima e o marido, que o acolheram por uma noite quando era toxicodependente. A autoridade republicana do estado do Missouri, nos EUA, reclamou justiça pelas vítimas, apesar do raro apoio ao perdão por parte de mais de 70 antigos e atuais funcionários da prisão onde passara os últimos anos

Recluso, família das vítimas e guardas prisionais pediram misericórdia, mas governador e justiça decidiram executar pena de morte

Hélio Carvalho

Jornalista

Apesar de um grito de ajuda à última da hora, Brian Dorsey foi executado na terça-feira pelo estado do Missouri, nos EUA. A decisão de avançar com a execução foi anunciada na segunda-feira pelo governador do estado, Mike Parson, que decidiu ignorar os apelos do recluso, dos seus advogados, de membros da família e até de mais de 70 funcionários da prisão, que argumentaram que Dorsey fez tudo para merecer não morrer.

“O conceito de ‘correções’ implica que queremos que as pessoas encarceradas mudem o seu comportamento. Executar Dorsey irá desonrar o trabalho árduo que ele teve para cumprir esse objetivo”, escreveu Timothy Lancaster, um antigo funcionário no estabelecimento prisional, numa coluna de opinião no Kansas City Star, publicada no dia anterior à execução.

Brian Dorsey, de 52 anos, foi condenado por duplo homicídio em 2007, por matar Ben e Sarah Bonnie. Em dezembro de 2006, quando era toxicodependente, pediu ajuda à prima e ao marido, que o acolheram em casa. Nessa noite, Dorsey, num ataque que foi descrito como influenciado pelo consumo de drogas, matou ambos enquanto dormiam, com uma caçadeira, e declarou-se culpado pelo crime.

Pedidos de perdão a condenados à morte são comuns, mas raramente envolvem um apoio tão forte pelas forças de segurança. Além de Lancaster, mais de 70 antigos e atuais funcionários do estabelecimento prisional descreveram Dorsey como um recluso respeitoso, que conquistou a confiança dos guardas e que até se tornou o barbeiro para os funcionários do local.

Alguns familiares das vítimas pediram que o recluso fosse mesmo executado, mas uma boa parte da mesma família, incluindo alguns membros que partilham um grau de parentesco tanto com os Bonnies como com Dorsey, apoiaram o pedido de clemência.

“O apoio sem precedentes ao Brian e a prova irrefutável da sua redenção são precisamente as circunstâncias para as quais a clemência foi criada. Permitir que o Brian seja executado, apesar da sua honestidade, é devastador”, vincou Megan Crane, advogada de Dorsey, num comunicado citado pelo “New York Times”.

Na segunda-feira, Mike Parson, o governador republicano do estado, que já trabalhou como xerife, argumentou que “a dor que Dorsey trouxe aos outros nunca será retificada” e que “executar a sentença irá trazer justiça”, confirmando que iria recusar os pedidos para que anulasse a sentença de morte.

Em casos de execuções como este, também não é atípico que os tribunais travem o processo à última da hora. Desde que foi conhecida a sentença que Dorsey e a sua defesa têm apresentado vários recursos na justiça, dando conta tanto das circunstâncias especiais em que o crime ocorreu, como do processo de recuperação e “redenção” através do sistema prisional.

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos recusou os apelos e Dorsey foi morto por injeção letal às 18h11 locais (0h18 em Lisboa).

Nas suas últimas palavras, o homem voltou a pedir “profundas desculpas” à sua família e aos familiares de Sarah e de Ben. “As palavras não conseguem carregar o peso da minha culpa e vergonha. Ainda vos amo. Nunca quis magoar ninguém. Perdoem-me por magoá-los a eles e a vocês”.

No seu último apelo, Brian Dorsey também contou que, no primeiro julgamento, foi mal aconselhado pelos advogados atribuídos pelo Estado. Alegou que estes fizeram o mínimo exigível por motivos económicos e que não exploraram o caso de modo a evitar que fosse condenado à morte – aliás, o condenado aceitou um acordo de assunção de culpa, apesar de os seus advogados não terem conseguido que isso afastasse a pena capital.

Ben Bonnie, um mecânico de 28 anos, e Sarah Bonnie, uma assistente de saúde de 25, tinham uma filha de quatro anos, que estava em casa no dia do crime e que escapou sem qualquer ferimento. No dia em que foi conhecida a sentença, os procuradores falaram de abuso sexual por Dorsey a Sarah Bonnie, mas os seus advogados na altura desconheciam completamente a acusação.

O Missouri é um dos 27 estados norte-americanos onde a pena de morte está prevista pela lei e, como um dos mais conservadores do país, é também dos que mais executa. Segundo os dados do “New York Times”, o Missouri já levou a cabo 97 execuções desde 1976, ficando atrás apenas do Texas, Oklahoma, Virgínia e Flórida.

Parson ainda não bloqueou qualquer execução desde que tomou posse em 2018 e a morte de Dorsey foi a primeira de 2024.

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