Publicaram “The Divider” este ano, um livro sobre a presidência de Donald Trump - mas também sobre o que poderá vir a ser uma segunda presidência. Vieram a Portugal a convite da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e, em entrevista ao Expresso, deixam alguns conselhos sobre como lidar com a direita radical, ou como evitar erros que foram notórios nos EUA.
Em Portugal há oito partidos representados no Parlamento. Um deles é um partido da direita radical, populista, já o terceiro maior. Que erros cometeu o Partido Republicano (ou mesmo o Partido Democrata) nos EUA, que os partidos moderados deviam evitar aqui?
Susan Glasser (S.G.) Bem, diria que os politicos do sistema subestimaram o apelo de Trump, que não perceberam como os eleitores estavam ansiosos por alguém como Trump. Pensavam que era uma piada, não o levavam a sério. Ele era “o tipo da televisão”, que fez um ‘reality show’.
André Ventura também estava na televisão, a falar do Benfica, que é uma das nossas principais equipas de futebol. E de justiça.
Perter Baker (P.B.) Sim, e eu penso que não o levaram a sério. E há uma razão para pensar isso, porque ele falou em candidatar-se durante anos, mas nunca o tinha feito. E também não perceberam que ele se ligaria aos seus eleitores. E pode-se argumentar que eles criaram isso ao longo dos anos, cultivando o sentimento anti-Washington, anti-sistema, anti-instituições. E quando, de repente, lhe surgiu a ideia, eles não estavam prontos para lidar com isso. A Susan disse isto: os Democratas são obviamente anti-Trump, não é essa a questão. A questão vai ser sempre se sempre os republicanos querem ou não que o Trump seja o seu partido. Ele vai continuar a ser forte enquanto os republicanos o tornarem mais forte, permitirem que ele seja mais forte. E até agora continuam a estar nessa mesma posição.
S.G. Penso que o que é relevante, não só nos Estados Unidos é que… no filme do Godzilla nunca são as pessoas que eliminam o monstro, certo? Os humanos nunca o fazem. É sempre o outro monstro, certo? De onde é que isto vem na sociedade portuguesa, ou na Hungria de Órban? De onde é que estas coisas aparecem em todas as sociedades? A América já teve demagogos de direita antes: tivemos Joe McCarthy, mas ele não era o presidente dos Estados Unidos. Portanto, isto já existia na nossa sociedade. A questão é se conseguimos cortá-lo antes que se torne numa ameaça real. E é aí que eu penso que os republicanos falharam. Será que eles falhavam em compreender qual era o seu interesse de grupo porque se sobrepôs o interesse individual de 16 candidatos diferentes que concorriam à Casa Branca? Terá sido essa ambição individual do Partido Republicano que os levou a não se organizarem para travar Donal Trump quando o poderiam ter feito? A outra hipótese é que eles no Partido Republicano não o fariam porque queriam vencer. Poderiam ter dito que ele não era um nomeado aceitável. E tinham a maioria do seu partido, controlavam a convenção. Podiam dizer que não, que o partido não pode ter alguém que seja um mentiroso, que seja corrupto, que seja racista, mas escolheram não o fazer. Sim, penso que é preciso articular claramente quais são os valores do partido político. O vosso sistema politico é um sistema parlamentar, certo? Portanto é muito mais difícil, obviamente esse partido [o Chega] não vai ganhar uma maioria tão cedo. Então a questão é esta: será que outros partidos estão dispostos a fazer parte de uma coligação com esse grupo?
Na verdade, o líder do principal partido da oposição disse pela primeira vez de forma bastante clara que não o fará, mas levou nove meses de liderança até o dizer.
S.G. Penso que isso é o mais importante. Porque vejam, Israel neste momento, onde Netanyahu voltou ao poder fazendo um acordo com partidos extremistas com os quais, no passado, ele disse que não faria acordos, certo? Ao contrário, por exemplo, da Alemanha, onde nos lembramos que Merkel disse, bem, que nunca iria fazer uma coligação com a AFD, certo? E que mostrou estar até disposta a trabalhar com pessoas que são muito mais de esquerda para não fazer uma coligação com eles, certo? Têm de ser muito claros quanto a isso.
Uma última pergunta, se me permitem. É sobre os meios de comunicação social. Quando Trump recebeu a acusação, todas as televisões por cabo estiveram em directo todo o dia. Um artigo no The New York Times contava como um político que na realidade não é o presidente pode estar em todo o lado nos media e não sabemos realmente o que o Presidente fez nesse dia. E algumas fontes na Casa Branca disseram, nessa sua peça, Peter, que na Casa Branca previam que isso acontecesse várias vezes durante este ano. Mas o que eu gostaria de lhe perguntar é se esta ainda é uma questão discutida no New York Times. Vocês falam sobre isso? Ou na New Yorker, Susan? Será esta ainda uma pergunta em aberto? Como lidar com Donald Trump?
P.B. É, sim. É uma grande questão. E precisamos de falar sobre ela. Quando ele saiu da Presidência houve uma inclinação no Times e noutros jornais para não lhe dar uma enorme cobertura só por ele dizer coisas escandalosas. Só porque ele diz algo ultrajante, devemos recompensar isso com uma história no jornal? A questão aí é que, por vezes, se não o levamos a sério, então não estamos a levar a sério algo que devíamos estar a levar a sério. Por exemplo, quando ele disse a frase “deveríamos acabar com a Constituição”, ela não recebeu muita atenção. E eu penso que essa deveria ter sido a história principal da primeira página. Uma pessoa que foi o Presidente dos Estados Unidos e que quer voltar a ser Presidente e diz que devíamos pôr fim à Constituição, sem outra finalidade que não fosse a de o levar de volta ao poder! Deveríamos levar isto a sério. E por isso há este enigma. Não queremos, por um lado, fazer o jogo dele, dando-lhe atenção imerecida; por outro lado, devíamos prestar atenção ao que ele diz. Ele pode voltar a ser presidente.
Será que as pessoas foram longe demais com a cobertura da acusação? Podemos argumentar sobre isso, certamente. E o argumento na Casa Branca é este: “Tudo bem, se o outro quiser passar o tempo a ser acusado na televisão, estamos felizes por sermos aqueles que estão a trabalhar na política de alterações climáticas, na política de cuidados de saúde e na taxa de inflação e tudo isso. Esperam que isso seja um contraste que funcione a seu favor. Mas trata-se de uma circunstância invulgar. Nunca vimos isto na história americana, onde um ex-presidente numa era moderna tem mais atenção do que o actual presidente. E mais uma vez, não é por coisas boas. Não é como se Biden estivesse a dizer: “Hey, tenho de sair e ser acusado para poder chamar a atenção”. Não é o tipo de atenção que normalmente se desejaria. Mas Trump chama toda a atenção. Não importa se é boa ou má. Uma vez disse, em frente a um assistente, que toda a atenção é boa desde que não lhe chamem pedófilo. Por isso, não lhe chamaram pedófilo.
S.G. Acho que tem razão, muita da cobertura minuto a minuto foi uma parvoíce na televisão: ele saiu do elevador, ele está a caminhar em direcção ao átrio, ele está a apanhá-lo, a porta abriu-se, o carro conseguiu chegar à West Side Highway. Isso foi um absurdo. Havia muito poucas notícias na própria acusação, apenas o que o procurador distrital iria divulgar nos daria mais informações sobre as acusações. Portanto, era realmente de um pedaço de papel de que estávamos à espera e quaisquer fotografias de Trump que surgissem. As fotografias eram interessantes, certamente que valia a pena ver, mas tudo o resto era apenas muito blá, blá, blá. E esse é o tipo de cobertura que penso que faz com que as pessoas se sintam enjoadas.
Mas, a favor do ponto do Peter, face ao país dividido em que vivemos agora, o New York Times ou a CNN ou a New Yorker não escreverem tanto sobre Donald Trump durante dois anos não interessou aos seus apoiantes. E esse é o problema, certo? Deu às pessoas o falso sentido “oh, agora está tudo bem”, como se ele tivesse desaparecido. E infelizmente já não é assim que o nosso ambiente mediático funciona. Penso que isso levou as pessoas a um certo mal-entendido sobre o que estava a acontecer politicamente no Partido Republicano ao longo dos últimos anos.
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