Depois de Joe Biden ter declarado que a invasão do Capitólio em Washington pelos apoiantes de Trump foi "um ataque sem precedentes à democracia" nos Estados Unidos, continuam a multiplicar-se as reações em todo o mundo aos atos violentos que geraram caos, fogo armado, pessoas mortas e feridas.
“Vergonha, mas não surpresa”, “quatro anos de política envenenada”, dizem ex-presidentes dos Estados Unidos
Para Barack Obama, ex-Presidente dos Estados Unidos, os atos de violência em Washington foram "uma vergonha", mas não "uma surpresa".
"A história recordará as violências no Capitólio, encorajadas por um Presidente que mentiu incansavelmente sobre o resultado de uma eleição, como um momento de desonra e de vergonha para o nosso país", disse Barack Obama, em comunicado.
"Mas não seríamos verdadeiros se considerássemos estes acontecimentos uma surpresa total", acrescentou Obama, denunciando o "violento 'crescendo'" dos últimos meses, alimentado pela recusa dos republicanos em "dizer a verdade".
O também antigo Presidente norte-americano, Bill Clinton, considerou os incidentes como um "ataque sem precedentes" contra as instituições do país "alimentado por mais de quatro anos de política envenenada". Neste processo, Bill Clinton acusa Donald Trump de ter "acendido o rastilho".
Outro ex-Presidente dos EUA, George W. Bush - e republicano - criticou os responsáveis do seu partido que alimentaram a "insurreição" no Capitólio que foi digna de uma "República das Bananas".
"Os resultados das eleições são contestados apenas em repúblicas das bananas e não na nossa república democrática", afirmou o antigo chefe de Estado.
Bush, que presidiu aos Estados Unidos entre 2001 e 2009, manifestou-se "chocado com o comportamento irresponsável" de alguns líderes políticos republicanos desde as eleições e pela "falta de respeito" demonstrada no Capitólio.
Também um fiel aliado de Donald Trump, o secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo condenou os atos violentos em Washington. "A invasão ao Capitólio é inaceitável. A ilegalidade e os tumultos - aqui ou em qualquer parte do mundo - são sempre inaceitáveis."
"Viajei por muitos países e apoio sempre o direito de cada ser humano a protestar pacificamente pelas suas crenças e causas, mas a violência, colocando em risco a segurança dos outros é intolerável", escreveu Mike Pompeo no Twitter.
Steven Mnuchin, secretário do Tesouro da administração Trump, considerou que a violência no Capitólio "é absolutamente inaceitável" e pediu "respeito pelo processo democrático".
"Chegou a hora de a nossa nação se unir e respeitar o processo democrático norte-americano", sublinhou o ministro republicano, que na altura dos incidentes estava em Israel e aguardava uma reunião com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.
O primeiro-ministro de Israel, também um forte aliado do presidente Trump, considerou o ataque ao Capitólio "um ato escandaloso que deve ser vigorosamente condenado" e frisou: "a democracia norte-americana sempre me inspirou", Netanyahu também deixou claro não ter "nenhuma dúvida de que a democracia norte-americana vai triunfar".
Líderes na Europa frisam o “grave atentado contra a democracia”
A chanceler alemã Angela Merkel diz estar "triste" e "zangada" com a invasão do Capitólio em Washington pelos apoiantes de Donald Trump, considerando que este tem a sua quota parte de responsabilidade. "Lamento profundamente que o Presidente Donald Trump não tenha admitido a sua derrota desde novembro", declarou Merkel.
Ursula von der Leyen, que deixa agora as funções de presidente da Comissão Europeia, usou o Twitter para dizer está "ansiosa por trabalhar com Joe Biden como o próximo Presidente dos Estados Unidos", e que acredita "na força das instituições americanas e da democracia, uma transição pacífica está no centro disso".
Para o Presidente francês, Emmanuel Macron, "o que aconteceu em Washington não é, sem dúvida alguma, próprio dos Estados Unidos". Falando junto a bandeiras da França, da União Europeia e dos Estados Unidos. num vídeo divulgado nas redes sociais, Macron frisou que "quando, numa das democracias mais antigas do mundo, apoiantes do Presidente cessante questionam com armas os resultados legítimos das eleições, estão a destruir uma ideia universal: 'um homem, um voto'".
Macron deixou o apelo: "Não vamos ceder perante a violência de poucos que querem questionar a democracia". E destacou ter "confiança na força da democracia norte-americana" assim como "amizade" para com o povo dos Estados Unidos, além da solidariedade "na luta comum para que as democracias saiam fortalecidas". O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, já tinha qualificado os incidentes em Washington como um "grave atentado contra a democracia".
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, condenou as "cenas vergonhosas" passadas no Capitólio e pediu uma transição "pacífica e ordeira" do poder para o Presidente eleito, Joe Biden.
Na Hungria, onde o primeiro-ministro Viktor Orbán, foi um dos poucos líderes da União Europeia a apoiar Donald Trump nas eleições norte-americanas, a ministra da Família, Katalin Novak, escreveu no Twitter que "as imagens chocantes do Capitólio devem ser mantidas em mente antes, durante e depois das eleições em todo o mundo".
Em Portugal, o PS destaca “o perigo do populismo de extrema-direita”
As vozes portuguesas também se fizeram ouvir nas reações de choque face ao que aconteceu no Capitólio. António Guterres, secretário-geral da ONU, salientou ter ficado "triste" e defendeu ser "importante que os políticos façam os seus apoiantes entenderem a necessidade de evitar a violência e respeitar os processos democráticos e o Estado de Direito".
O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, condenou a "bárbara invasão" do Capitólio, em Washington, e felicitou a democrata Nancy Pelosi pela reeleição a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.
Na carta enviada a Nancy Pelosi, Ferro Rodrigues destacou o "empenho pessoal" e de Portugal em estreitar o relacionamento com os Estados Unidos, dado tratarem-se de dois "povos amigos". E deixou expressa "a mais profunda condenação pela bárbara invasão perpetrada no Capitólio", que condicionou "o exercício do mandato dos representantes eleitos democraticamente pelo povo americano".
Para o PS, a invasão do Capitólio foi "um ato de terror" que procurou "ferir o coração da democracia norte-americana" e "usurpar" o processo democrático.
O secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, alertou ainda para "a força e o perigo do populismo e da extrema-direita".
"A violência que ocorreu nas imediações e no interior do Capitólio, num dia que deveria ter sido de normal e regular funcionamento da democracia com a validação dos resultados eleitorais pelos membros do Congresso, ilustra bem o poder, a força e o perigo do populismo e da extrema-direita, lembrando-nos que a democracia é uma construção diária que hoje, mais que nunca, deve ser preservada", frisou José Luís Carneiro.
O 'número dois' da direção socialista saudou ainda o facto de, "apesar das circunstâncias registadas", se ter feito "cumprir o Estado de Direito e a democracia", oficializando os resultados eleitorais e a vitória de Biden.
“A festa da democracia acabou”, diz a Rússia. Para o Irão é a prova “que a democracia ocidental é frágil”
Já no Irão, a visão é diferente. "O que nós vimos ontem nos Estados Unidos mostra em que ponto a democracia ocidental é vulnerável e frágil", declarou o Presidente iraniano Hassan Rohani na televisão oficial, criticando o "populismo" que levou os apoiantes de Trump a invadirem o Capitólio de forma violenta.
A China traçou um paralelo entre os acontecimentos em Washington e as manifestações pró-democracia em Hong Kong e disse que espera um "regresso à ordem" nos Estados Unidos. "Na altura, quando descreveram os manifestantes violentos em Hong Kong, que palavras usaram? Um "belo espetáculo'", criticou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China.
Na Rússia, a porta-voz da diplomacia, Maria Zakharova, disse que o sistema eleitoral dos EUA está "obsoleto" e o presidente da comissão de Negócios Estrangeiros do Senado russo, Konstantin Koastchev, postou no Facebook que a festa da democracia acabou, os Estados Unidos perderam o rumo".
Na América Latina, a primeira reação veio do Governo de Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela - cuja legitimidade é contestada por vários países -, condenando a "polarização política" e frisando que "aspira a que o povo norte-americano possa abrir um novo caminho rumo à estabilidade e à justiça social", segundo publicou nas redes sociais o ministro dos Negócios Estrangeiros venezuelano, Jorge Arreaza.
O Presidente da Argentina, Alberto Fernández, aliado de Maduro, repudiou "a grave violência e o atropelo ao Congresso" dos Estados Unidos. "Confiamos numa transição pacífica, que respeite a vontade popular, e expressamos o nosso mais firme apoio ao Presidente eleito, Joe Biden", publicou Fernández nas redes sociais.
O caos gerado pelos apoiantes Trump em Washington, lembrou cenas ocorridas na América Latina ao longo de décadas de instabilidade política, durante as quais foram criticados ou mesmo invadidos pelos Estados Unidos sob pretexto de defesa da democracia.
Para o analista político argentino Sergio Berensztein "se, até há pouco tempo, os Estados Unidos viam a necessidade de impor a democracia em outras latitudes, incluindo invasões", agora estão a dar "um péssimo exemplo".