Defensores de Trump ou apenas pessoas bondosas que querem ver “os dois lados” e acham excessivo e injusto o modo como se retrata Trump. A questão é se há “outro lado” e se há “outro Trump” para descrever. Mas nada como questionar as acusações, em 5 pontos
1 - Teremos estado a ver os media errados?
“Não se consegue ter uma visão equilibrada do mandato de Trump a consumir os media ‘mainstream’. São demasiado anti-trumpistas. É só um lado. Acaba por ser injusto e desequilibrado”. Ao longo destes quatro anos ouviu-se esta “acusação”. Agora com mais frequência. Fica-se enviesado, dizem. E que media são esses? O New York Times, o Washington Post e a CNN, basicamente. Estão “radicalizados”? Talvez. Ou melhor, editorialmente a sua opção está tomada e exposta no sentido de considerarem um imperativo nacional a não reeleição deste presidente nas próximas eleições – “dado ser a maior ameaça à democracia americana desde a II Guerra”, para citar as primeiras linhas do editorial board do NYTimes da semana passada. Mas, pode-se abrir a página da FoxNews, que repercute o que é a sua emissão televisiva, e o que vê? Uma alegada (e desconstruída) conspiração com mails do filho de Biden e a Ucrânia que há dias ocupa grande parte das obsessões dos pundits (Tucker Carlson/Laura Ingraham e Sean Hannity basicamente) que têm alimentado horas e horas de debates e noticiários e dão munição aos comícios de Trump para poder chamar criminoso ao ex-vice-presidente. Acontece que já se sabe o circuito e origem dessa informação: os mails (uns falsos, uns verdadeiros, não se sabe, mas sem as conexões criminosas que querem dar a entender) foram criados/fornecidos por agentes de desinformação russos, lançados por Steve Bannon (ex-conselheiro) e Rudolph Giuliani (ex-advogado de Trump) e escrito num artigo a contragosto por redatores do New York Post de Rupert Murdoch e dono da Fox News. Estação que está a inundar o espaço mediático dos seus alucinados ativistas trumpeiros com isto. E que políticos republicanos replicam nas entrevistas. Mais as redes sociais, claro. A costumeira estratégia de desviar a atenção do pipeline de propaganda. O Twitter decidiu inicialmente bloquear a história por ser falsa mas ainda deu mais fogo à teoria da conspiração. É procurar investigadores independentes de media. Sim, existem. Trump irá introduzir fora de agenda esta história como tema no debate com Biden.
Outra notícia em destaque no site da FoxNews tem base num retweet da campanha de Trump que alega que numa entrevista a governadora democrata do Michigan, que – detalhe- há dias se “safou” a ser raptada e executada por uma milícia extremista, terá aparecido no ecrã, algures na imagem na entrevista, com os números 86/45 sendo que 86 quer dizer matar, logo matar o 45º presidente ou seja Trump. Mais doido que isto não sei. Sobre a pandemia há um gráfico lateral de pequenas dimensões com números. Há dias fizeram eco de outra loucura de Trump e que era que a Seal Team Six não tinha morto Bin Laden mas um duplo (apenas para diminuir Obama). Eis a questão: não se trata de tentar balançar lendo uns e outros. Veja-se este dia da FoxNews: funciona em circuito fechado com os retweets de conspirações municiada por Trump e sua campanha (dos quais alegam não ter responsabilidade do conteúdo por serem retweets), vivem de polémica que têm como fontes Bannon ou Giuliani que usam documentos que surgiram sabe-se lá de onde (de fontes russas de desinformação) mais que não seja para que não se fale da pandemia. A FoxNews está em campanha e guerrilha bem diferente do “tendenciosismo” da CNN. Ler o NYtimes não é a mesma coisa de ler o Breibhart, que é um site de ativismo radical de extrema-direita e que nos leva a um mundo paralelo. Ou as quase 200 estações locais do Sinclair Group que estão em missão. Então que “outro lado” é esse? Não serve para ficar informado. Serve para abrir um portal para uma realidade alternativa. Ou ver o que alimenta o espaço desse lado da barricada. Mas é desonestidade pura e não um espelho do mundo real fora da compreensão das elites e do politicamente correto – argumento de quem acha que sabe interpretar o “fenómeno Trump” e as suas raízes numa superioridade analítica acima da supérflua superioridade de uma alegada esquerda anti-trump. Treta. O mundo de Trump é, como disse Kellyanne Conway, a fiel conselheira, o mundo de “factos alternativos”. O real é outra coisa. E é do real que os media deviam tratar.
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