Internacional

Do objetivo de “desnazificar” a Ucrânia às explosões em todo o país. O que se sabe da “invasão total” que deu início à guerra

Um homem à porta da sua casa, destruída por bombardeamentos em Chuguiv, no leste da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022 FOTO Aris Messinis/AFP/Getty Images
Um homem à porta da sua casa, destruída por bombardeamentos em Chuguiv, no leste da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022 FOTO Aris Messinis/AFP/Getty Images

Às primeiras horas da madrugada, Putin deixava os últimos avisos: a invasão ia mesmo acontecer. Em todo o território ucraniano foram relatados avanços militares, explosões e mísseis falhados. Todos os sinais apontam para que os alvos sejam também civis

Era madrugada em Portugal quando Putin dava as últimas declarações para justificar a invasão total da Ucrânia, que se seguiria. Enquanto decorria a reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, o Presidente russo garantia que os confrontos entre forças ucranianas e russas eram mesmo “inevitáveis”, e que a Rússia realizaria uma “operação militar especial” no país vizinho. O jornal russo “Novaya Gazeta” assegura, no entanto, que a mensagem do chefe de Estado russo já estava gravada desde segunda-feira. A criação do ficheiro em vídeo data das 07h00 de 21 de fevereiro, três dias antes de Putin anunciar o início da operação militar em solo ucraniano.

Quais os motivos com que Putin justifica a guerra?

Os confrontos entre forças ucranianas e russas são “inevitáveis” e “apenas questão de tempo”, a operação militar russa visa “proteger as pessoas” e as circunstâncias “exigem uma ação decisiva da Rússia”. Foi assim que Putin justificou a investida militar total em território ucraniano. O Presidente russo considerou que a expansão da NATO e a utilização por ela do território da Ucrânia são inaceitáveis, e pediu às forças ucranianas que abandonassem as armas e voltassem para casa. Nessa altura, já a CNN noticiava explosões nos arredores de Kiev.

“Em caso de interferência estrangeira, a Rússia agirá imediatamente“, prosseguiu Putin. Apontou o dedo à Ucrânia: a responsabilidade pelo derramamento de sangue será do regime ucraniano e o objetivo da ação militar é “desmilitarizar e desnazificar” o país, que diz não querer ocupar. “Os vossos pais e avós não lutaram para que vocês pudessem ajudar os neonazis”, afirmou, dirigindo-se à população ucraniana.

Das explosões ao ataque ao aeroporto

Correspondentes de órgãos de informação internacionais, como a BBC e a CNN, deram testemunho, durante a madrugada, de explosões em várias cidades da Ucrânia, incluindo Kiev, Kharkiv, Kramatorsk, Dnipro, Mariupol, Odessa e Zaporizhzhia. Também rebentaram mísseis durante um ataque a uma base de caças ucranianos.

Dos arredores da capital ucraniana — onde soaram sirenes, alertando para a possibilidade de ataque aéreo — surgiu o registo de ataques com foguetes a caças ucranianos estacionados numa base. A incursão russa começava pelo Donbas (leste), pela Bielorrússia (norte), a caminho de Senkivka, e pela Crimeia (sul). Um dos avanços significativos da ofensiva russa foi o desembarque em Odessa, cidade nas margens do Mar Negro. Nas primeiras horas todos os registos confirmavam: trata-se de uma invasão total, com explosões por todo o país.

Ouviram-se rebentamentos a leste de Kiev, na direção do aeroporto. Em Kharkiv, segunda maior cidade do país, a noroeste, os repórteres da CNN reportaram várias explosões. Em Kramatorsk, a cerca de 100 km de Donetsk, ouviram-se dois estrondos. Residentes de Dnipro falavam da ocorrência de “algumas explosões”. Na parte leste de Mariupol, moradores contam à CNN que ouviram explosões, mas sem confirmação independente. Em Odessa, dois estrondos foram relatados pelos jornalistas da CNN, com 20 minutos de diferença entre eles. As explosões que ocorreram e os mísseis encontrados em várias cidades da Ucrânia fortalecem a hipótese de os alvos serem também civis.

À hora de publicação deste texto, o número de mortes reportado por uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia fixava-se em oito, além de 11 feridos. A agência Reuters avançava que formações militares russas começavam a galgar terreno em Chernihiv, Kharkiv e Luhansk. Moscovo assegura que as forças ucranianas não ofereceram resistência na fronteira e diz ter “suprimido” as defesas aéreas ucranianas. Nos últimos instantes, chegaram aos órgãos de comunicação internacionais e às redes sociais as primeiras imagens de ataque ao aeroporto ucraniano de Ivano-Frankivsk.

A resposta da Ucrânia

O Presidente ucraniano já admitiu que a Rússsia levou a cabo ataques com mísseis a infraestruturas e a postos de guarda da fronteira. Volodymyr Zelensky decidiu decretar a lei marcial em todo o território. Depois de falar ao telefone com Joe Biden, apelou à calma e pediu que os cidadãos ucranianos ficassem em casa.

O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, defendeu que “o mundo pode e deve travar Putin” e que “o tempo para agir é agora”. Para o governante, não resta dúvida: a Rússia “lançou uma invasão em larga escala da Ucrânia”, e “cidades pacíficas” do país “estão sob ataque”. O responsável ucraniano caracteriza como “guerra de agressão” a ingerência militar russa, mas garante: a Ucrânia “defender-se-á e vencerá”.

Mais incisiva foi a mensagem do vice-ministro do Interior da Ucrânia. “A partir deste dia, há uma nova realidade geopolítica no mundo”, acrescentou Anton Gerashchenko: “Ou a Ucrânia e o mundo vão parar o novo Hitler agora ou haverá uma III Guerra Mundial”.

Censura internacional: das palavras às sanções à “escala total”

O Presidente ucraniano garantira, ao fim de rondas de consultas e conversas com líderes mundiais: “O mundo está connosco. Continuo as negociações com os líderes”. De uma e de outra forma, as principais figuras da política internacional foram demonstrando esse apoio. Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, condenou o ataque “imprudente”da Rússia, e disse que esta “é uma grave violação do direito internacional”, que coloca em risco “numerosas vidas de civis”.

O primeiro-ministro britânico verbalizou que Putin “escolheu o caminho do derramamento de sangue”, e admitiu-se “chocado pelo horríveis acontecimentos”. Putin “escolheu o caminho do derramamento de sangue e da destruição ao lançar este ataque não provocado sobre a Ucrânia”, o que mereceu uma garantia por parte de Boris Johnson: o Reino Unido e os aliados vão responder de forma decisiva.

O Kremlin será responsabilizado, afirmou também Ursula von der Leyen, que condenou “fortemente” o ataque “injustificado” à Ucrânia. “Nestas horas sombrias”, escreveu a presidente da Comissão Europeia, “os nossos pensamentos estão com a Ucrânia e as mulheres, homens e crianças inocentes enquanto encaram este ataque não provocado e temem pelas suas vidas”. O Kremlin “será responsabilizado”, prometeu.

Biden não foi menos contido nas palavras, e asseverou: “A Rússia é a única responsável pela morte e destruição que este ataque trará”.O Presidente norte-americano acusou Putin de ter escolhido uma guerra premeditada que implicará uma perda catastrófica de vidas e sofrimento humano. Numa declaração sobre a ofensiva russa em território ucraniano, o Presidente assegurou que “os Estados Unidos e seus aliados e parceiros responderão de forma unida e decisiva”.

O líder norte-americano revelou que vai reunir-se com os parceiros do G7 durante a manhã desta quinta-feira, antes de fazer uma intervenção pública destinada a anunciar “consequências adicionais que os Estados Unidos e os nossos aliados e parceiros imporão à Rússia por este ato desnecessário de agressão” contra a Ucrânia, a paz global e a segurança.

Emmanuel Macron condenou “firmemente” a invasão e exortou a Rússia a parar com as investidas militares na Ucrânia. Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou-se na mesma linha, condenando a “violação flagrante da lei internacional”, e confirmando a reunião urgente do Conselho Superior de Defesa Nacional, “para apreciar a situação e apreciar a proposta que venha do Governo e que possa respeitar a decisões que envolvam as forças armadas portuguesas”.

O Governo da Ucrânia já pediu mais sanções e apoio militar e financeiro, e tudo indica que sanções à “escala total” vão avançar. Segundo um alto funcionário da administração Biden, citado pela CNN, nos planos estão decisões que visam os dois maiores bancos russos e outras empresas do sector financeiro, bem como controlos sobre as exportações que permitam cortar o acesso à tecnologia ocidental. Mais membros do círculo próximo de Putin e respetivos familiares também estão na mira das novas sanções.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate