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Corrida eleitoral entre Lula e Bolsonaro vai ser acirrada: migração de voto antissistema explica a força do atual presidente

Corrida eleitoral entre Lula e Bolsonaro vai ser acirrada: migração de voto antissistema explica a força do atual presidente
ADRIANO MACHADO/Reuters

António Manuel Teixeira Mendes, especialista em pesquisas eleitorais, avalia que os institutos de pesquisa precisam de assumir que falharam nas sondagens da primeira volta e devem estudar se é necessário rever as suas metodologias. Centro político esvaziado, voto religioso em alta, migração de votos de última hora são características do quadro eleitoral atual no Brasil

A eleição presidencial brasileira chegará ao final em disputa acirradíssima, prevê o sociólogo António Manuel Teixeira Mendes, especialista em pesquisas eleitorais. Mendes avalia que os institutos de pesquisa precisam de assumir que falharam nas sondagens da primeira volta e devem estudar se é necessário rever as suas metodologias. Centro político esvaziado, voto religioso em alta, migração de votos de última hora são características do quadro eleitoral atual no Brasil, afirma Teixeira Mendes.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro, do Partido Liberal, terminou a primeira volta da disputa eleitoral mais forte do que as pesquisas previam. Bolsonaro obteve 43% dos votos e enfrentará Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, na segunda volta, prevista para 30 de outubro. O petista terminou à frente na primeira votação com 48% dos votos. As pesquisas mostravam Lula, em média, com 12 pontos percentuais de vantagem sobre Bolsonaro, mas a diferença real limitou-se a quatro pontos percentuais.

A migração de votos de última hora é uma das razões para a melhor performance de Bolsonaro na avaliação de Teixeira Mendes. Não só migração de votos dos candidatos no terceiro e quarto lugares (Simone Tebet e Ciro Gomes), mas também de eleitores que desistiram de anular o voto para apoiar Bolsonaro. Teixeira Mendes diz que a taxa de 4,4% de votos em branco ou nulos, a menor da história republicana, permite inferir que parte desses eleitores antissistema aderiu a Bolsonaro na reta final.

Antonio Manuel Teixeira Mendes, 64 anos, foi o primeiro diretor do Datafolha, um dos mais tradicionais institutos de pesquisa brasileiros. Durante mais de 30 anos dirigiu o Grupo Folha, ao qual o instituto pertence. De São Paulo, concedeu esta entrevista ao Expresso.

O que aconteceu na eleição brasileira?
Não adianta tapar o Sol com a peneira. Os institutos de pesquisa estiveram mal. Não conseguiram capturar os movimentos finais dos eleitores. Precisam de estudar, analisar se é preciso rever as metodologias. A ciência vive disso. Pesquisa pode errar. Se o intervalo de confiança é de 95%, tem 5% de chances de errar. Será que as amostras não mais refletem a representatividade do eleitorado? Porquê? Os pesquisadores não conseguem atingir alguns segmentos? Não conseguem obter respostas da parte dos entrevistados? Então os institutos precisam de repensar os seus métodos. Até à última eleição funcionou. Será que parou de funcionar? Tem de se investigar.

Qual a hipótese que coloca?
Houve um movimento de última hora que surpreendeu todo o mundo. Algo semelhante, por exemplo, ao que aconteceu na última eleição legislativa em Portugal, quando houve voto útil em favor dos socialistas em razão da possibilidade de perda do governo e certa punição aos partidos que desmontaram a geringonça.

Na reta final brasileira, houve um movimento de eleitores que votariam em branco ou anulariam o voto em direção a Bolsonaro. O voto branco ou o voto nulo é o não voto. É o cidadão que comparece porque o voto é obrigatório no Brasil. Então ele decide votar em branco ou anular. As pesquisas mostram que o perfil desse eleitor é contra o sistema. Ele é contra a representação política. É aquele que diz que político é tudo igual, corrupto. Esse eleitor tem um perfil antidemocrático. Ele quer negar a política, mas é obrigado a ir votar. Esse perfil antidemocrático faz com que se identifique mais com Bolsonaro. Parte desses eleitores, em vez de anular ou votar em branco, deixou que o antipetismo falasse mais forte. Em vez de anular, votaram no Bolsonaro.

A taxa de votos em branco e nulos desta eleição (4,4% dos votos) foi a menor taxa da história republicana. Nunca numa eleição houve uma taxa tão baixa nesse segmento. Caiu 50% em relação a pleitos anteriores. O que pode explicar essa queda? Porque motivo nessa eleição, particularmente, essa taxa foi tão baixa? Aparentemente, o movimento desse eleitor foi em direção à direita. É a minha hipótese. Uma parte da arrancada de Bolsonaro pode ser creditada a isso. Uma decisão de última hora de um eleitorado que optou por votar em Bolsonaro em vez de anular. Isso para evitar o Lula.

Também a queda nos votos de Simone Tebet e Ciro Gomes mostra que houve uma migração de eleitores desses candidatos para Bolsonaro. São peças que temos de ir juntando. As pesquisas indicaram a taxa de votos do Lula mais ou menos dentro do que aconteceu. Lula teve 48% dos votos, dentro da margem de erro das pesquisas, que apontaram o seu índice em torno de 50%. Já a votação do Bolsonaro foi mais alta do que o índice das pesquisas.

Como é que as pesquisas podem acertar o índice de um candidato e errar noutro?
As pesquisas não foram a fundo nos movimentos que estavam a acontecer no eleitorado. Falou-se muito na rejeição recorde de Bolsonaro para garantir que ele não passaria do patamar que as pesquisas identificavam. Só que a distância entre Lula e Bolsonaro, calculada entre 12 e 14 pontos, terminou em apenas quatro pontos percentuais.

As pesquisas, como sempre, foram instrumento de observação sobre quem adere a quem. Sobre como determinados grupos sociais tendem mais para um candidato do que para outro. As mulheres aderiram mais fortemente a Lula do que a Bolsonaro. Já os evangélicos manifestaram-se mais fortemente para Bolsonaro. Nisso, as pesquisas não falharam.

As grandes distorções das pesquisas foram em relação aos eleitores dos três maiores colégios: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Houve um movimento dos eleitores desses estados em favor de Bolsonaro que não foi captado pelas pesquisas. Como a eleição presidencial ofusca as eleições para governos estaduais e Congresso, há uma espécie de voto vinculado. Bolsonaro puxou votos para aliados no Congresso e nos governos. Como o movimento de Bolsonaro não foi captado na eleição presidencial, as pesquisas para governos estaduais e Senado falharam muito. Aqui o estrago foi grande. O desarranjo na pesquisa nacional, sem a deteção da onda pró-Bolsonaro, levou ao desarranjo nas pesquisas estaduais. Ali, errou-se muito.

O voto envergonhado em Bolsonaro também é uma componente da explicação?
Toda a campanha de Lula se baseou na ideia de que o lado dele era o da democracia, e o outro lado da ditadura. Uma parte do eleitorado do Bolsonaro é de extrema-direita, mas outra parte não. Pode ter havido uma retração desses eleitores menos extremistas, que poderiam sentir-se envergonhados do seu voto. Com esse ambiente de retração, pode ser que as pesquisas não tenham captado essa parcela envergonhada do voto. Uma parcela pequena, acredito.

Costumava dizer-se que a maior parte do eleitor brasileiro era de centro. Isso já não é válido?
Desde 2018, com a eleição de Bolsonaro, ficou claro que o grande partido de centro, centro-esquerda, o PSDB, sucumbiu. Criou-se esse vácuo político. Houve mudança também na direita. A direita tradicional deu espaço para a extrema-direita. O centro ficou totalmente esvaziado. Muitas pessoas não se incomodam mais de serem rotuladas como de direita. Depois da redemocratização, ser chamado de direitista era quase xingamento. Agora não é mais. A ideia de ser de direita foi absorvida. A base bolsonarista é formada pela classe média em que cresceu o antipetismo e pelas classes mais pobres, que aderiu à pauta de costumes, fortemente influenciada pela arregimentação política das igrejas evangélicas. A extrema-direita coloca todos os adversários como comunistas anticlericais. E tem funcionado.

Lula terminou o primeiro turno com seis milhões de votos a mais do que Bolsonaro, quatro pontos percentuais na taxa geral do eleitorado. Ainda é o favorito?
Ficou claro que o grande vitorioso do primeiro turno foi Bolsonaro. Criou-se a expectativa de que a eleição seria decidida no primeiro turno. E que, se não fosse, a vantagem de Lula no segundo turno seria tão ampla que este se tornaria apenas um referendo da vitória.

Muitos dos que eram contra o voto útil em favor de Lula diziam que era melhor ir para o segundo turno obtendo uma vitória com ampla margem do que vencer no primeiro turno com margem pequena. A realidade mostrou-se diferente.

Uma diferença de quatro pontos é plenamente possível de ser superada. Bolsonaro tem a máquina administrativa. Ele tem-na usado de maneira, se não ilegal, pelo menos imoral. Acabou de anunciar a antecipação do pagamento de auxílio para os mais pobres para a véspera do segundo turno. Nunca ninguém usou a máquina de maneira tão explícita. A tendência é a de Bolsonaro reduzir essa diferença. A eleição está totalmente aberta. Desenha-se como a eleição de 2014, com o placar apertadíssimo no final.

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