O resultado do sufrágio deste domingo “surpreendeu pela pequena margem de diferença que separa Lula de Bolsonaro”, disse ao Expresso a investigadora do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais), Carmen Fonseca: “O apuramento dos votos indica que o bolsonarismo está presente na sociedade brasileira", e que resistiu à má gestão da pandemia, à erosão de quatro anos de governação e ao estilo truculento do Presidente incumbente.
Quando muitos analistas e eleitores acreditavam que o voto silencioso iria favorecer Lula, esse voto silencioso ou indeciso beneficiou Bolsonaro. Recorde-se que as últimas sondagens (na semana passada), atríbuíam 35% das intenções de voto ao incumbente. Bolsonaro obteve 43%”, o que equivale a mais de 51 milhões de votos, explica a investigadora do IPRI.
Sufrágio ‘legitima’ queixas de Bolsonaro
A “expetativa em torno desta primeira volta das eleições era alta”, diz Carmen Fonseca. Foram várias as manchetes de jornais e os cenários sobre uma eventual eleição de Lula da Silva no primeiro turno, que os apoiantes de Bolsonaro comentaram dizendo que os media e as sondagens estavam contra ele. Os oito pontos percentuais que separam os 35% das sondagens, dos 43% conquistados pelo Presidente incumbente vão ser um dos argumentos usados por Bolsonaro na campanha para a segunda volta.
As eleições brasileiras deste domingo foram uma festa para os ex-ministros de Jair Bolsonaro: Dos 17 que se candidataram a lugares elegíveis, nove foram eleitos deputados federais ou senadores, dois deles têm chances de ser eleitos governadores estaduais na segunda volta das eleições a 30 de outubro - Tarcísio de Freitas, ex-ministro das Infraestruturas de Bolsonaro, disputa o governo estadual de São Paulo com Fernando Haddad do PT, e o polémico Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e da Cidadania, disputa o governo estadual do Rio Grande do Sul com Eduardo Leite do PSDB.
O ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Braga Netto, pode ser o próximo vice-presidente se Jair Bolsonaro conseguir captar novos apoios, e ser reeleito Presidente.
Brasil (ainda) mais polarizado do que em 2018
Lula bateu um recorde e é agora o candidato mais votado de sempre na primeira volta das eleições presidenciais no Brasil (mais de 57 milhões de votos). Se compararmos com o que aconteceu em 2018, Lula da Silva obteve mais 25,6 milhões do que o petista Fernando Haddad, em 2018.
Mas a polarização também aumentou, porque o Presidente incumbente teve “mais votos, em números absolutos” do que os conquistados em 2018, em 22 dos 27 estados do Brasil: “Ao todo, o candidato à reeleição teve 1,79 milhão de votos válidos a mais do que o contabilizado há quatro anos”, lê-se na imprensa brasileira.
Voto apaga vítimas da covid-19
O general Eduardo Pazuello foi o segundo deputado federal eleito com mais votos pelo estado do Rio de Janeiro. Foi também o homem que Jair Bolsonaro escolheu para suceder ao médico Nelson Teich no cargo de ministro da Saúde, no pico da pandemia da covid-19, entre março de 2020 e março de 2021.
Pazuello era o responsável pela pasta da Saúde nos dias em que o Brasil batia recordes de mortes pela covid-19, mas parece que muitos cariocas esqueceram o caos nas urgências, as vítimas, e as imagens trágicas da falta de oxigénio nos hospitais de Manaus e dos estados da Amazónia: “É como se a gestão da pandemia não tivesse contado para esta votação”, comenta Carmen Fonseca.
Previsões só na noite de 30 de outubro
“Os resultados eleitorais deram razão a Bolsonaro nas críticas que faz à imprensa. Creio, no entanto, que o atual Presidente capitalizou o máximo dos seus apoios neste turno, e que continua a ter uma taxa de rejeição elevada”, disse ao Expresso fonte política de Brasília: “Mesmo que Ciro Gomes e Simone Tebet não venham a expressar o seu o apoio a nenhum dos dois candidatos, tudo leva a crer que esse eleitorado votará Lula” no segundo turno das presidenciais.
A investigadora Carmen Fonseca não tem tantas certezas sobre o comportamento do eleitorado de Ciro Gomes (3%) e Simone Tebet (4%): “Simone Tebet é uma candidata do centro direita. É muito cedo para fazer previsões sobre as escolhas do seu eleitorado na segunda volta”, explica. Haverá brasileiros de centro direita que vêem em Lula o garante da democracia, haverá outros que preferem não votar, e haverá os que preferem Bolsonaro por rejeição a Lula.
Recorde-se que o médico e ex-governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, abandonou o PSDB em 2021, ao fim de 33 anos de militância. "Em 2022 é candidato é candidato a vice-presidente de Lula da Silva”, diz Carmen Fonseca, para lembrar que o leque de eleitores que apoia Lula “é uma frente ampla de esquerda e centro-esquerda”.
Quatro certezas garantidas
1. Um dos dois - Lula ou Bolsonaro - será o 39º Presidente do Brasil.
2. Simone Tebet vai candidatar-se à presidência do Senado e é um ativo para as presidenciais de 2026.
3. O PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), corre o risco de perder representação nas eleições de 2022. Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul entre 2019 e 2022, não conseguiu ser reeleito na primeira volta. Vai novamente a votos no segundo turno, e o seu opositor é Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e da Cidadania. Uma eventual não reeleição de Leite será um duro golpe no PSDB, partido que nem sequer conseguiu passar à segunda volta no estado de São Paulo.
4. Contra as piores expetativas, a democracia é a grande vencedora da primeira volta das eleições brasileiras de 2022. Não houve episódios de violência no dia do sufrágio.
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