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“Bolsonaro permitiu que as pessoas fossem horrorosas, começaram a odiar pobres, pretos, artistas, gays. Lula inclui, Bolsonaro exclui”

“Bolsonaro permitiu que as pessoas fossem horrorosas, começaram a odiar pobres, pretos, artistas, gays. Lula inclui, Bolsonaro exclui”
TIAGO MIRANDA

Ao longo desta semana, o Expresso publica vários retratos de brasileiros a residir em Portugal, para saber o que pensam sobre o Brasil de hoje, como encaram estas eleições presidenciais e em quem pensam votar. Mónica Figueiredo veio para Portugal para escapar do governo de Bolsonaro. Reformou-se do jornalismo e dedicou-se às artes plásticas. Deixa o seu testemunho na primeira pessoa

MÓNICA FIGUEIREDO, 65 ANOS

JORNALISTA E ARTISTA PLÁSTICA

Vim para Portugal há quatro anos porque o Bolsonaro ganhou. Não ia aguentar ficar por lá. Iria morrer. Não tinha diálogo com as pessoas que o apoiavam. Já tinha vontade de viver em Portugal e essa eleição apressou essa minha vinda. O segundo semestre de 2018 foi um pesadelo porque junto com Bolsonaro saíram do armário um monte de Bolsonaristas que não sabia que existiam. Pessoas que estavam ao meu lado e que, afinal, o apoiavam e pensavam daquele jeito. Bolsonaro revelou o lado pior de muita gente. Bolsonaro permitiu que as pessoas fossem horrorosas. Começaram a falar que odiavam pobres, pretos, artistas, gay. Bolsonaro faz isso até hoje.

Recordo uma menina gay que foi morar no nosso prédio com a sua namorada. Ela era o máximo, de cabelo rosa e suas tatuagens. Na manhã do dia que o Bolsonaro ganhou, tinha riscado no carro dela “FORA SAPATÃO!”

Sou filha de artistas, não sou gay, mas não sou casada e criei a minha filha sozinha. Não faço parte daquela família hipócrita que Bolsonaro inventou. Porque na verdade ele já está no décimo milionésimo casamento. É um cristão dito evangélico que mente na cara dura. Em nome do quê? Do ‘status quo’? E as pessoas começaram a achar o Bolsonaro ‘legal’ [porreiro]. É muito assustador.

No lugar onde eu trabalhava, uma revista sobre parentalidade em que fui diretora editorial, todos viraram Bolsonaro. Não esperava. Fiquei em estado de choque ao saber que estava rodeada dessas pessoas. Senti-me discriminada. Vi mais Bolsonaristas a sair do armário do que gays a minha vida inteira.

O maior mal que Bolsonaro fez é que a ignorância virou atributo. Se um cretino disser que acha que a terra é plana, está ok. Porque ele acha. A educação deixou de interessar. A cultura e a arte deixou de interessar.

No dia em que Bolsonaro venceu, fui para a janela a achar que ia acontecer uma revolta, que as pessoas iam estar a bater panela. Mas na zona em que eu morava em São Paulo, Higienópolis, um bairro rico, havia uma festa de comemoração. Como se fosse a final da copa do mundo.

Não sou Petista, sou de esquerda, e na anterior eleição votei no Ciro [Gomes]. Mas foi evidente a manobra feita para o Lula ser preso. O Brasil e o mundo viram o monstro do Bolsonaro a ser criado na sessão do ‘impeachment’ da Dilma, e recordo que ele dedicou o seu voto a um torturador. Algo inconstitucional e Bolsonaro não saiu preso dali. Foi o ovo da serpente. E nunca mais teve limites. Destruiu tudo que a gente tinha de mais legal [de melhor].

Aqui em Lisboa dediquei-me a fazer arte com bordados e panos. Chamo-lhes panos inúteis. Sou uma artista plástica que em vez de usar tela e tinta, usa linhas e panos. Faz-me bem à cabeça estar a criar. Os meus bordados estão sempre relacionados com o texto, a palavra. Bordei em tempos a letra da canção “Brasil”, de Cazuza, que era meu amigo: “Grande pátria desimportante, em nenhum instante eu vou te trair”.

Para o momento que o Brasil vive tenho outras frases bordadas. Como o “Não precisa nem dizer”. Não precisa nem dizer que o Bolsonaro tem de ir embora. Não precisa nem dizer que a gente precisa voltar ao Brasil que a gente é. Não precisa nem dizer que o Brasil não é um lugar de ódio. Bolsonaro só fomentou o ódio, a raiva.

Durante a pandemia e as tantas mortes no Brasil por Covid, o cara dizia que não era coveiro. Como é que se pode admitir um Presidente falar que não é coveiro? Imitar e debochar de gente a morrer.

E é uma grande ‘merde’ é o Bolsonaro ainda ter 30% de eleitores do seu lado. Se Deus quiser, Bolsonaro vai sair, mas mesmo Lula vencendo, existem milhões de pessoas que vão continuar a ser bolsonaristas. E isso é muito louco. Vamos ter que lidar com essas pessoas que entram num bar, que perguntam se há alguém que vote no Lula, e quem responde “eu”, toma um tiro. Isso aconteceu no Brasil esta semana. Estas pessoas vão continuar por aí.

Nem vou entrar na conversa da corrupção, porque há muito o Brasil virou uma loucura em relação a isso. O Bolsonaro é corrupto. Ponto.

A conversa sobre corrupção não tem fim no Brasil. É preciso um debate sobre isso. Se houve corrupção no governo do Lula? Sim. Qual a diferença entre Lula e Bolsonaro. Lula deixou a polícia trabalhar, todo o mundo foi preso. Ele não impediu ninguém. Vive em democracia. A lembrança do Lula na Presidência é de inclusão. Na cabeça de muita gente, já está inocentado. Foi para a prisão, ficou lá 500 dias, sem descobrirem provas.

Enquanto que Bolsonaro colocou tudo sobre si em sigilo. Até os telefonemas da mulher dele. Bolsonaro não é político, não é de direita, é miliciano. Não vive e não acredita em democracia. Com Bolsonaro o Brasil virou uma terra sem lei, em que as pessoas mentem calmamente com cara de pau. Ninguém tem compromisso com a verdade.

Lula é uma pessoa que é gente, com defeitos e qualidades, que é tolerante, não é extremista, tem valores sociais e fez um governo maravilhoso para o Brasil. E tem vontade de o fazer de novo.

Importa dizer que o Brasil tem uma dívida com ele mesmo há 200 anos, desde que a gente fez o 7 de Setembro para a instauração da república. Quem venceu a República foi uma elite de merda que continua ainda a mandar no Brasil. Quem foi indemnizado pela escravidão no Brasil? Os escravos? Não. Foram os fazendeiros. Essa História crónica do pobre contra o rico no Brasil vem de base. É a história do Brasil. Desigual, colonial. E o Bolsonaro deixou essa elite assumir que não gosta de pobre. O ministro dele da economia fala calmamente que “não é para o filho do porteiro ir para a faculdade.”

A grande diferença entre os candidatos presidenciais, é que o Bolsonaro diz que não dá nada que seja [apoio] social. Fillet mignon? “Não vai ter”. Disney para empregada? “Não vai ter”. Enquanto que o Lula diz: “Picanha para todo o mundo no churrasco!”; “Cota para entrar na faculdade”; “Plano social para quem precisa!”; “Minha casa, minha vida”. Lula inclui as pessoas. Bolsonaro exclui. Fala mal das mulheres, dos gays, dos pretos, dos pobres. Fala para a sua bolha. E se lhe fazem uma pergunta que ele não gosta, vira as costas e vai embora. Não vive em democracia. Não dá para comparar.

Em Portugal não há miséria. No Brasil existem 30 milhões de pessoas que comem osso. Os supermercados passaram a ter a cara de pau de vender osso, quando viram que as pessoas estavam a catar osso no lixo. E vendem casca de queijo. Acham que um país que vende casca de queijo e osso é um país sério? Em vez de dar aos pobres?

A verdadeira mudança acontecerá quando o povo brasileiro aprender a votar num congresso diverso, que realmente o represente. Quando se olha para a foto de um congresso só existe homem branco, gordo, macilento, com cara de nojento. É importante que passem a incluir índios, pretos, gays, mulheres, trans, que representa a sociedade brasileira. É preciso haver mais diversidade na política e no poder. Porque senão não se representa quem o Brasil é. E a diversidade é a grande maravilha do Brasil. Mas no Brasil ainda se vota sem pensar. A essa maturidade e a essa educação ainda não se chegou.

O sentimento é de medo, os tempos são perigosos, mas de muita esperança. Coragem não é não ter medo, é ir com medo mesmo. Votando em Lula. O Brasil é maior do que Bolsonaro e seus seguidores. Muito maior. Como escreveu Cazuza, “meu partido é o coração partido”


Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: BMendonca@expresso.impresa.pt

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