Ásia

Representante de Taiwan em Portugal defende delegação portuguesa na ilha

Diplomata Chang Tsu-che, representante de Taiwan em Portugal
Diplomata Chang Tsu-che, representante de Taiwan em Portugal
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Realçando a importância das eleições de 13 de janeiro em Taiwan para a democracia no mundo, Chang Tsu-che fala de oportunidades recíprocas entre a sua ilha e o país que lhe chamava Formosa

O representante de Taiwan em Portugal assegura que a ilha tem “mantido a democracia, apesar da ameaça da China”, Pequim interveio na campanha para as eleições presidenciais e parlamentares deste sábado com discurso semelhante ao do principal partido da oposição, o Kuomintang (KMT, nacionalista], afirma o diplomata Chang Tsu-che, em entrevista à agência Lusa.

“Para nós é muito estranho quando a China diz que as eleições são uma escolha entre paz e guerra, e o KMT parece ter o mesmo tom da China: votar no partido do poder [Partido Democrático Progressista, DPP, pró-independência] é votar na guerra e votar no KMT é votar na paz”, explica Chang. Face ao tom semelhante entre Pequim e oposição, “gera-se o receio de que caso o KMT retome o poder, tome uma posição mais pró-China”, prossegue o diplomata.

As eleições são disputadas, sobretudo, entre William Lai, atual vice-presidente e candidato do DPP, e Hou Yu-ij, do KMT, favorável a uma aproximação a Pequim. Lai é visto pelo regime comunista chinês como separatista e advertiu os eleitores da ilha que uma vitória sua empurraria o território “para a beira da guerra”. Na corrida está ainda Ko Wen-je, do Partido do Povo de Taiwan (TPP), que se apresenta como alternativa aos partidos que têm dominado a política da ilha.

A ida às urnas em Taiwan já motivou tomadas de posição e respostas de Pequim e Washington, além de ampla cobertura mediática internacional. Chang nota que “toda a gente conhece a importância da democracia nesta eleição” e recordou que nas primeiras presidenciais, em 1996, “a China lançou mísseis para ameaçar, porque considerava que um Presidente mais poderoso não seria pró-China, mas mais pró-independência”.

“Exemplo da Ásia e até no mundo”

Chang observa que em 1987 passou a ser possível a criação de outros partidos, além do único até então permitido, e foi fundada a fábrica de semicondutores TSMC, pelo que o “desenvolvimento económico sempre acompanhou a democratização”, tornando Taiwan “um exemplo da Ásia e até no mundo”. O representante em Lisboa sublinha que é consensual no território manter o status quo: nem a China invade a ilha nem esta se declara independente, embora funcione como tal.

Frisa a importância da “defesa natural” que é o estreito de Taiwan e louva “o apoio de alguns países ocidentais, com os mesmos valores de Taiwan, sobretudo os americanos, que deixaram de ser aliado diplomático em 1979, mas continuam a apoiar a nossa defesa”. Quinta-feira, a China apelou aos Estados Unidos para não “se intrometerem” nas eleições taiwanesas e disse opor-se “firmemente” aos laços entre Taipé e Washington, que entretanto anunciou o envio de uma delegação à ilha após a votação.

“Existe apenas uma China no mundo e Taiwan é parte inalienável da China”, frisou Mao Ning, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, em conferência de imprensa. Quarta-feira, um funcionário americano alertou Pequim contra qualquer ato “provocador” após estas eleições cruciais. Em resposta, Mao disse que “a China expressa profunda insatisfação e firme oposição aos comentários imprudentes dos Estados Unidos sobre as eleições na região de Taiwan”.

Chang destaca a atenção com que países vizinhos acompanham as eleições, referindo o Japão, antigo colonizador da ilha e rival da China. “O Japão sabe muito bem que Taiwan não é o único alvo de expansão da China. Se a China comunista conseguir apoderar-se de Taiwan. Quem se segue? É o Japão”

Precedentes ocidentais

O embaixador informal de Taiwan (não tem tal título porque Portugal não reconhece a soberania da ilha, cujo nome oficial é República da China) gostaria de ver reciprocada a existência de representação diplomática. Uma delegação portuguesa em Taipé impulsionaria negócios e intercâmbios bilaterais, aproveitando oportunidades no turismo e ligações aéreas, defende. Reino Unido, Alemanha, França, Espanha e Itália, os países europeus com mais relações comerciais com o território, têm uma representação ou escritório em Taipé.

“Um acordo bilateral entre duas representações pode facilitar mais negócios”, porque os empresários precisam de um sistema de proteção, além de resposta a questões sobre impostos e taxas duplicados.

“Se uma companhia internacional quer expandir o negócio [para Portugal] e percebe que tem de passar meses para conseguir uma carta de condução e tem a questão de impostos e outras, vai para um país mais amigável”. Lembra um episódio recente em que um restaurante de luxo de Taiwan, perante a ausência de uma certidão para fechar o acordo de exportação com um fornecedor de carne português, acabou por fazer o negócio com Espanha.

O diplomata sublinha as semelhanças entre Portugal e Taiwan, ambos com forte emigração que partilham valores democráticos e em relação a direitos humanos. “Apoiamos também a Ucrânia”, sublinhou. “Não podemos fazer muito porque não temos relação diplomática, mas se tivermos um canal, podemos fazer muitas coisas”, referiu Chang, notando a vantagem de alguém em Taipé que pudesse autenticar documentos e agilizar processos, em vez de se ter de passar por Macau.

Para o responsável, Portugal também deveria apostar em promover-se ao nível do turismo no território, porque dos 24 milhões de taiwaneses, 17 milhões viajaram pelo mundo e “pouca gente chega” às fronteiras portuguesas. Menciona a possibilidade de encaixe de receitas também através de um voo que ligue Portugal, Taipé e Macau.

Recordando a ligação de Taiwan com Portugal desde o século XVI, quando os navegadores nacionais que por ali passaram decidiram chamar ao território Formosa, Chang argumenta ser altura de os portugueses redescobrirem a ilha.

Confusão entre taiwaneses e chineses

O registo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) compreende apenas 58 taiwaneses residentes em território português, mas o representante da ilha em Portugal estima haver 100 a 200 concidadãos, por vezes “confundidos” pelas entidades com chineses.

“Há muitas instituições portuguesas que fazem confusão e mesmo quando é um taiwanês a fazer o registo, escrevem ‘China’“, revelou Chang. A semelhança de nomes oficiais entre República da China (Taiwan) e República Popular da China propicia o erro.

O responsável garante haver muito trabalho pela frente para dar a conhecer Taiwan, missão do Centro Económico e Cultural de Taipei em Portugal, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Ao não haver “fronteira direta”, é “difícil contabilizar quantas pessoas entraram em Portugal”, mesmo turistas. Certa é a tendência de aumento da emigração de taiwaneses para Portugal, sublinhou.

A primeira geração que chegou dedicava-se, sobretudo, à restauração. Hoje, os jovens ou a segunda geração “estão a procurar negócios em diversos sectores”. A diáspora taiwanesa, de quase dois milhões, não vota à distância devido à “logística, segurança e porque não há relações diplomáticas em todo o lado”, mas Chang nota como os “aviões estão cheios”, por exemplo, entre os Estados Unidos e a ilha para votarem.

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