África

Ataques em moçambique e à liberdade de imprensa em Angola: o que diz o relatório anual da HRW

Famílias forçadas a deixar Cabo Delgado, em Moçambique, para fugir à violência jiadista
Famílias forçadas a deixar Cabo Delgado, em Moçambique, para fugir à violência jiadista
ALFREDO ZUNIGA/GETTY IMAGES

No relatório anual da ONG Human Rights Watch recorda-se que a melhoria das condições de segurança no em Moçambique, segundo os dados do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, permitiu o regresso de 420.000 deslocados internos para as suas zonas de origem. Já em Angola persistiram abusos das forças policiais, detenções arbitrárias e ataques à liberdade de imprensa

A Human Rights Watch (HRW) considera que a situação de segurança no norte de Moçambique, palco de ataques rebeldes desde 2016, "melhorou significativamente", mas aponta abusos aos militares no relatório anual sobre direitos humanos divulgado hoje.

"A situação de segurança no norte de Moçambique melhorou significativamente, com muitas pessoas deslocadas que regressam às suas áreas de origem nos distritos mais afetados pelo conflito com o grupo armado ligado ao Estado Islâmico", lê-se no relatório anual da HRW.

No relatório recorda-se que as autoridades anunciaram o assassínio do alegado líder do grupo terrorista que opera em Cabo Delgado, norte de Moçambique, em agosto passado, mas que o mesmo "continua a operar nos distritos de Macomia e Mocímboa da Praia".

"Membros da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique [SAMIM] foram implicados na mutilação e outros maus-tratos aos mortos em Cabo Delgado", afirma igualmente a HRW.

No documento recorda-se que a melhoria das condições de segurança no terreno, segundo os dados do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, permitiu o regresso de 420.000 deslocados internos para as suas zonas de origem, mas alerta que "muitos mais permaneceram deslocados devido à violência contínua".

"Acesso às necessidades básicas, incluindo comida, água, abrigo, cuidados de saúde e educação continuaram a ser um desafio para muitos repatriados que foram confrontados com uma destruição massiva nas suas áreas de origem", aponta.

A HRW critica ainda o comportamento dos militares em Cabo Delgado, recordando que "membros da SAMIM foram implicados em abusos durante as suas operações" na província do norte de Moçambique.

"Em janeiro, apareceu um vídeo nas redes sociais mostrando soldados sul-africanos, que fazem parte das forças SAMIM, disparando sobre cadáveres numa pilha de escombros em chamas. O Direito Internacional Humanitário proíbe a mutilação e outros maus-tratos aos mortos. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) condenou os atos e anunciou uma investigação, mas ainda não forneceu nenhuma atualização sobre a investigação", recorda.

A organização descreve igualmente que o Governo autorizou as operações de uma milícia para combater os grupos insurgentes, "composta em grande parte de soldados desmobilizados", que opera "sem supervisão, responsabilidade ou mandato legal".

No relatório foca-se ainda a violência relacionada com as eleições autárquicas de 11 de outubro passado, que foram "marcadas pela violência e por graves irregularidades, levando os tribunais distritais a ordenar uma repetição da votação ou uma recontagem dos votos em muitos municípios".

"Após as eleições, a polícia entrou em confronto com membros do partido da oposição em todo o país", afirma a HRW, sublinhando o recurso da polícia à "força excessiva" e lançamento de gás lacrimogéneo "contra multidões de oposição de apoiantes do partido Renamo [maior partido da oposição]".

"As forças de segurança do Estado continuaram a usar força letal e medidas arbitrárias, prisão e detenção para limitar o direito das pessoas ao protesto pacífico em todo o país", aponta a HRW, recordando a intervenção policial durante o funeral do 'rapper' Azagaia, em março, com várias detenções, não só em Maputo.

Também refere que no último ano a "liberdade de reunião e associação pacífica" esteve "sob pressão" em Moçambique e recorda que o executivo submeteu à aprovação parlamentar um projeto de lei sobre organizações sem fins lucrativos, "que permitiria uma interferência excessiva do Governo nas ONG, incluindo autoridade para encerrar uma organização", alegando que a legislação pretendia combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.

No relatório conclui-se também que os raptos continuam a afetar Moçambique e que a polícia "não consegue investigar os casos", com relatos de "cumplicidade" de agentes, advogados, magistrados "e outras figuras do poder judiciário", o que "cria fragilidades na investigação".

Liberdade de imprensa em Angola sob ameaça

A Human Rights Watch denunciou também abusos das forças policiais, detenções arbitrárias e ataques à liberdade de imprensa em Angola em 2023.

"As forças de segurança angolanas estiveram implicadas em abusos graves dos direitos humanos, incluindo uso de força excessiva desnecessária contra manifestantes pacíficos, intimidação e detenção arbitrária de ativistas", lê-se no relatório.

Entre os casos denunciados, estão taxistas detidos durante um protesto contra as restrições da covid-19, execuções extrajudiciais e a morte de taxistas numa manifestação contra a subida dos preços dos combustíveis.

A HRW criticou ainda a detenção de vários ativistas ligados a movimentos cívicos, bem como impedimentos à realização de manifestações.

Desalojamentos e demolições forçadas são outras das preocupações da ONG, que destaca ainda as "leis draconianas" usadas pelas autoridades para reprimir e intimidar os jornalistas, bem como abusos das forças policiais contra migrantes e vendedores ambulantes.

A organização destacou ainda a forma pacífica como decorreram as eleições, em que o atual Presidente, João Lourenço, renovou o seu mandato, apesar "das graves restrições à liberdade de expressão e de reunião" e acesso limitado à informação devido à censura nos órgãos estatais e privados controlados por pessoas ligadas ao partido do poder - Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

No que diz respeito às desigualdades de género, que se mantêm em Angola, a HRW realçou, no entanto, que o país registou progressos significativos quanto ao número de mulheres em cargos ministeriais e posições de relevo após as eleições, incluindo no cargo de vice-presidente de Angola e presidente da Assembleia Nacional, sendo mulheres a controlar 10 dos 28 ministérios.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate