O ministro da Saúde francês, Aurélien Rousseau, demitiu-se esta quarta-feira na sequência da aprovação pelo Parlamento de uma nova lei sobre imigração. A norma, que tem sido alvo de intenso debate, reforça a capacidade de deportar estrangeiros considerados indesejáveis.
O projeto de lei, que já fora aprovado pela câmara alta (Senado), foi aprovado de madrugada na câmara baixa (Assembleia Nacional), com 349 votos a favor e 186 contra. Reforça a capacidade de deportar estrangeiros considerados indesejáveis e tem sido muito criticado por organizações de defesa dos direitos humanos, devido à possibilidade de separar famílias migrantes.
A demissão foi anunciada pelo porta-voz do Governo francês, Olivier Véran, adiantando que Rousseau será substituído interinamente pela atual secretária de Estado das profissões de saúde, Agnès Firmin Le Bodo. “Não há nenhum movimento de revolta ministerial”, garantiu Véran, durante o briefing do Conselho de Ministros, em que Rousseau já não participou.
O ministro apresentou a sua carta de renúncia ao secretário-geral do Eliseu, Alexis Kohler, e comunicou a decisão, por telefone, à primeira-ministra Élisabeth Borne, de quem foi anteriormente chefe de gabinete. Rousseau já comunicara no verão a sua oposição à versão do projeto de lei sobre imigração, que foi consideravelmente endurecida numa cedência à extrema-direita. A chefe do Executivo defende que certas medidas adotadas são inconstitucionais e que o texto “tem de evoluir”. Reconhece, ainda assim, que há na lei “disposições úteis e eficientes”.
Outros ministros desfavoráveis ao projeto, como Clément Beaune (Transportes) ou Sylvie Retailleau (Ensino Superior), foram recebidos na noite de terça-feira no Hotel Matignon, residência oficial da primeira-ministra, avança a imprensa francesa.
Caem proteções aos imigrantes
A nova lei permite às autoridades emitir ordem para o migrante deixar o território francês, mesmo se enquadre numa categoria protegida pela lei existente. Estas abrangem situações pessoais e familiares, como pessoas que chegaram a França antes dos 13 anos, com residência de longa duração em França ou cônjuges ou pais de um cidadão francês.
A lei permitirá que as autoridades desconsiderem essas proteções se o comportamento do estrangeiro for considerado “ameaça grave à ordem pública”, apesar de o texto não explicar o que se entende por “ameaça grave” e “ordem pública”.
A presidência francesa anunciou que Emmanuel Macron vai remeter o projeto de lei para o Conselho Constitucional, órgão responsável por fiscalizar a aplicação da Constituição em França.
Os conselheiros terão de “decidir sobre a conformidade de toda ou parte desta lei com a nossa Constituição”, especificou o porta-voz Véran. O titular do Interior, Gérald Darmanin, diz que vão permitir ao Governo “maior firmeza contra os infratores estrangeiros”.
O projeto, que ainda terá de ser oficialmente transformado em lei, foi criticado pela organização Human Rights Watch (HRW). “As autoridades francesas voltam a tentar apresentar um conjunto de medidas erradas sobre imigração”, afirmou na altura a investigadora sénior para a Europa da entidade, Eva Cossé. “Dividir as famílias e diminuir os direitos dos requerentes de asilo não é a resposta às preocupações de segurança do país.”
Coro de críticas
A votação aconteceu depois de deputados da maioria centrista de Macron e do partido conservador Os Republicanos terem alcançado um compromisso para permitir que o texto avançasse no complexo processo legislativo. As medidas foram apresentadas pelo Executivo em fevereiro, mas, em março, o debate foi adiado devido à falta de apoio no parlamento.
O Defensor dos Direitos Francês (que tem funções semelhantes ao provedor da Justiça em Portugal) também criticou o projeto de lei, referindo que as alterações planeadas vão “deteriorar a proteção dos direitos fundamentais dos estrangeiros”.
Também a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) criticou as disposições, afirmando que o enfraquecimento das proteções relativas à expulsão de estrangeiros, em particular pais de franceses, poderá entrar em conflito com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de que França faz parte, e que protege a vida familiar e o princípio da não-separação.
A nova lei também reintroduz uma disposição controversa contra o “separatismo”, que foi censurada pelo Conselho Constitucional, a mais alta autoridade constitucional de França, com base na imprecisão. A disposição, alterada na sequência dessa crítica, pode ser reinstaurada, permitindo que as autoridades retirem ou recusem a renovação de autorizações de residência a pessoas que não cumpram “os princípios da República”, medida que “parece ter como alvo muçulmanos suspeitos de ‘separatismo’“, referiu a HRW.
Por outro lado, adianta a organização, a lei irá enfraquecer as salvaguardas processuais para migrantes e requerentes de asilo, nomeadamente diminuindo de três para um o número de juízes especialistas que apreciam os recursos de asilo e reduzindo os prazos. Embora a proposta proíba colocar migrantes menores de 16 anos em centros de detenção, autoriza a detenção de milhares de menores e crianças em territórios ultramarinos franceses.
O ministro do Interior sinalizou que o Governo pretendia acrescentar outra disposição ao projeto de lei para facilitar a deportação de estrangeiros com suspeitas de ligações a “ideologia radical”, citando o alegado assassino de um professor numa escola de França em outubro, que foi indiciado por assassínio terrorista.