Eslováquia pode ser a nova dor de cabeça da UE e da NATO: cinco perguntas e respostas para entender a situação no país
Robert Fico reage ao anúncio dos resultados do partido que lidera, o Smer, nas eleições deste sábado
RADOVAN STOKLASA
Os resultados das eleições deste sábado podem levar a uma mudança radical das opções de política externa deste membro da União Europeia e da NATO, que tanto tem contribuído para o apoio à Ucrânia. O populista Robert Fico pode chegar ao cargo de primeiro-ministro à frente de uma coligação que, por si, terá o coração em Moscovo – e promete não enviar “nem mais um lote de munições” para a Ucrânia
“De uma penada, a Eslováquia pode tornar-se o mais recente aliado da Rússia”, titula um texto de opinião publicado no site do jornal “The Guardian”, que arranca com a frase “A Eslováquia tem muito mais importância do que a Europa admite”. O Smer-SSD (Direção) obteve 22,9% dos votos nas eleições deste sábado. É um partido de esquerda populista liderado por Robert Fico, que confirmou a dianteira nos escrutínios apesar de as sondagens à boca das urnas indicarem vantagem para o seu opositor, o liberal centrista Eslováquia Progressista, que obteve 18% dos votos. Durante a campanha eleitoral, o Smer defendeu o fim do apoio da Eslováquia à Ucrânia e a sua oposição à entrada daquele país na NATO.
Membro de ambos estes blocos, a Eslováquia faz deste modo uma aproximação a Moscovo, alinhando com os enfants terribles da União, a Hungria e a Polónia. A crítica de Fico virou-se também contra as sanções ocidentais à Rússia e contra os direitos LGBTQ+. O partido pró-europeu Hlas-SD (Voz), que bem poderá decidir quem formará o próximo governo, obteve o terceiro lugar, com 14,7% dos votos. Peter Pellegrini, o líder esquerdista do Hlas (integrante do Partido Socialista Europeu) e ex-vice de Fico no Smer, manteve abertas todas as opções para futuras coligações, ainda que tenha afirmado não ser uma “ótima ideia haver dois ex-primeiros-ministros” num único governo.
O candidato a primeiro-ministro Robert Fico, 59 anos, formado em Direito, prometeu que a Eslováquia, um dos grandes doadores da Ucrânia tendo em conta a percentagem do PIB, não enviará “nem mais um lote de munições” para Kiev e defendeu desenvolver melhores relações com a Rússia. Para registo oficial ficou também a afirmação de Fico de que não autorizaria a detenção do Presidente russo, Vladimir Putin, em território da Eslováquia, tal como o exige o mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional.
O país de 5,5 milhões de habitantes, criado em 1993 após a divisão da Checoslováquia, tem sido um firme apoiante da Ucrânia desde a invasão russa de fevereiro de 2021, doando armas e abrindo as fronteiras a refugiados em fuga da guerra.
Fico foi primeiro-ministro entre 2006 e 2010 e depois de 2012 a 2018, ano em que interrompeu o seu terceiro mandato. Demitiu-se após uma vaga de enormes protestos nas ruas, na sequência do assassínio do jornalista Ján Kuciak (e da sua mulher), que investigava casos de fraude fiscal de empresários com ligações a políticos. Na altura, Kuciak investigava uma história com ligação a Fico, subsídios europeus e a máfia italiana – o primeiro-ministro demissionário chegou a acusar o bilionário e filantropo George Soros (alvo predileto do líder da Hungria, Viktor Orbán) de estar por trás das manifestações. A nível interno, Robert Fico fulminava o Ocidente, mas continuava a ter o cuidado de não contrariar o status quo internacional.
Cartaz de campanha em que se pode ler "Pelo povo, pela Eslováquia"
MARTIN DIVISEK/EPA
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QUEM SÃO OS ALIADOS DO PM AGORA ELEITO?
O jornal “The Guardian” lembra que, poucos anos após a dissolução da Checolosváquia, em 1993, o novo Estado independente já constituía uma preocupação para o Ocidente. Quando outros ex-Estados comunistas abraçavam a democracia liberal com entusiasmo, a então secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, chamava-lhe “o buraco negro” da região e a adesão da Eslováquia à NATO foi adiada até 2004. Entendeu-se na altura que o país tinha firmado a sua identidade e uma série de alianças. Isto manteve-se até ao ano de 2006, quando Fico foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez.
Atualmente, Robert Fico abraça as pretensões iliberais de governos como o da Hungria e da Polónia e, sendo um player de peso na Eslováquia, defende políticas que estão hoje de novo na moda, lembrando a linha fortificada que separava o Ocidente do ex-bloco soviético. “É um sinal de como as políticas se tornaram confusas e do quanto a fé nas democracias liberais tem sido desfeita aqui no coração da Europa”, lê-se no artigo do “The Guardian”.
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O QUE SIGNIFICA ESTA VITÓRIA PARA A UNIÃO EUROPEIA E PARA A NATO?
Apesar de Robert Fico sacudir o rótulo de “político pró-Rússia”, o atual resultado eleitoral vai ser celebrado em Moscovo e vai provocar alarme em Bruxelas e em Washington. Os anúncios feitos durante a campanha eleitoral provocaram preocupação entre os membros da União Europeia e da NATO e levaram o Smer a ganhar popularidade nas redes sociais entre os eslovacos que, tradicionalmente, mantêm sentimentos afáveis na direção de Moscovo.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, assumiu no Fórum de Doha, em agosto passado, uma das visões que são certamente partilhadas por Robert Fico: “Olhando para a realidade, os números, o contexto, o facto de a NATO não estar preparada para enviar tropas, é óbvio que não há vitória no campo de batalha para os pobres ucranianos. É a minha posição”, disse, defendendo um entendimento diplomático entre Moscovo e Washington como a única saída para a guerra.
A perda do apoio à Ucrânia por parte da Eslováquia é uma dor de cabeça para o Ocidente no que toca a quotas de armamento, munições e apoio a refugiados, apra além do simbólico aumento da oposição aos princípios nucleares que a União Europeia e os seus aliados defendem.
Peter Pellegrini, o líder do segundo partido mais votado, o Hlas, manteve todas as opções de coligação em aberto dizendo que “a distribuição dos assentos confirma o Hlas como um partido sem o qual nenhuma governo normal em funções pode ser formado”. Pode ser que Fico alinhe com o Hlas, que se separou do Smer em 2020, e com a extrema-direita do Partido Nacional da Eslováquia, que obteve pela primeira vez 5% dos votos. As previsões dizem que o novo Parlamento poderá vir a ser constituído por dez partidos com âmbitos ideológicos que vão dos libertários à extrema-direita. Prevê-se com certeza um processo longo e complicado para a formação da coligação final.