O número de vítimas mortais das gigantescas inundações provocadas pela rotura de duas represas, aquando da passagem da tempestade Daniel pela costa leste da Líbia, atinge as 11.300 na cidade costeira de Derna, de acordo com o Crescente Vermelho líbio.
Mas os números são difíceis de fixar e podem mais do que duplicar, chegando às 25 mil considerando os arredores da cidade, segundo o presidente da câmara da mesma, Abdelmonem al-Ghaithi. O responsável anunciou a chegada ao local de equipas de salvamento vindas do Egito, Tunísia, Emirados Árabes Unidos, Turquia e o Catar, mas avisou serem necessárias "equipas especializadas na recuperação de corpos" e disse temer que, “uma epidemia possa alastrar na cidade devido ao grande número de corpos debaixo dos escombros e na água”.
Ao todo, previsões da ONU indicam que, ao todo, serão mais de 800 mil as pessoas afetadas pelo desastre.
"Os corpos estão espalhar-se pelas ruas, estão a dar à costa e enterrados debaixo de edifícios desmoronados e detritos. Em apenas duas horas, um dos meus colegas contou mais de 200 corpos na praia perto de Derna", disse Bilal Sablouh, o responsável regional do CICV para África, citado pelo “The Guardian" este sábado. Imagens captadas por drones que sobrevoaram a cidade dão conta de um cenário apocalíptico, no qual o mar se adentra nela por longos quilómetros, arrasando tudo à sua volta e arrastando famílias inteiras e deixando sem teto a maioria da população.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou este sábado que foram recuperados e identificados os corpos de 3.958 pessoas, assim como a chegada de 29 toneladas de material sanitário a Benghazi (leste do país).
Entretanto, a OMS e a Cruz Vermelha emitiram um comunicado a insistir para que os líbios deixem de enterrar os corpos em valas comuns. "Alguns podem enterrar rapidamente os corpos em valas comuns, numa tentativa de gerir a angústia e, por vezes, devido ao receio de que esses corpos representem uma ameaça para a saúde", afirma o comunicado.
Porém, "esta abordagem pode ser prejudicial para a população. Embora as autoridades locais e as comunidades possam estar sob imensa pressão para enterrar os mortos rapidamente, as consequências de uma má gestão dos mortos incluem um sofrimento mental duradouro para os membros da família, bem como problemas sociais e legais".
Por sua parte, organizações de ajuda humanitária como Islamic Relief e Médicos sem Fronteiras alertaram para a dureza dos próximos tempos: não só a propagação de doenças é iminente como o auxílio aos mais necessitados será cada vez mais complexo.
A ONU já fez um apelo de 71,4 milhões de dólares para o esforço de assistência à Líbia, avançou o “Lybia Herald”.
Catástrode num país dividido
Nada como um desastre natural para deixar a descoberto as falhas e deficiências inerentes a um Estado dividido entre leste e oeste. Tanto um lado como o outro, que vivem de costas voltadas, mostraram a incapacidade de gerir o auxílio imediato às populações, assim como o a acentuada degradação de importante estruturas públicas, como é o caso das barragens que agora terão de ser reconstruídas.
Numa conferência de imprensa realizada no porto de Derna, na sexta-feira, o procurador-geral da Líbia, Al-Sediq al-Sour, afirmou que abriu uma investigação sobre o colapso das barragens, construídas na década de 1970, assim como a gestão dos fundos de manutenção das mesmas. A investigação irá recair tanto sobre as autoridades locais quanto sobre os governos anteriores.
"Asseguro aos cidadãos que, seja quem for que tenha cometido erros ou negligência, os procuradores tomarão certamente medidas firmes, apresentarão um processo criminal contra ele e promoverão um julgamento", prometeu, citado pela Aljazeera.
As suas palavras iam ao encontro de Elham Saudi, dirigente da organização Advogados para a Justiça na Líbia, que exigiu “um inquérito internacional para investigar e responsabilizar os culpados, seja por negligência ou corrupção, por esta tragédia”.
“Uma coisa que aprendemos é que a elite política da Líbia é incapaz e não está disposta a responsabilizar-se a si própria. A impunidade não pode continuar a ser a norma na Líbia e sabemos certamente, com base na nossa investigação e no clamor público, que nós, líbios, não a toleraremos mais”, afirmou o responsável, citado pelo “Guardian”.
Este sábado, o editorial do diário espanhol “El País” recorda que a agência meteorológica da ONU já tinha sublinhado, na quinta-feira, que a população poderia ter sido evacuada a tempo caso algum dos dois governos da Líbia contasse com um serviço meteorológico funcional e eficaz.