“Deixar a economia de joelhos” e “paralisar o país”: mais de um milhão de pessoas protestam contra a reforma das pensões em França
PHILIPPE LOPEZ
O país parou pela sexta vez desde o início do ano. As autoridades estimam a presença de até 1,4 milhões de pessoas a nível nacional. Escolas, refinarias, recolha de lixo, comboios e voos entre os sectores afetados
Continua a contestação social em França devido à polémica lei que prevê um aumento da idade da reforma para os 64 anos, mais dois anos do que estabelece a legislação atualmente em vigor. Professores, maquinistas de comboios, trabalhadores de refinarias e do lixo foram algumas das profissões que fizeram greve esta terça-feira, saindo à rua para protestar contra a medida do executivo da primeira-ministra Élisabeth Borne, sob a presidência de Emmanuel Macron.
Esta é a sexta paralisação geral motivada pelas alterações legislativas ao sistema de pensões, sendo que a proposta está a ser debatida esta semana pelo Senado, a câmara alta do Parlamento, depois de duas semanas sem consenso na Assembleia Nacional. Ao centro, Macron quer a lei aprovada com a ajuda da direita parlamentar – e sem ser necessário recorrer a um mecanismo ao dispor do executivo que consiste em dar luz verde à legislação apenas no Senado, sem votação na câmara baixa. Seria uma vitória legislativa, mas uma derrota nas ruas.
Segundo fontes policiais, há entre 60 a 90 mil manifestantes nas ruas da capital francesa – “mas à medida que vamos andando com a multidão o número parece estar a aumentar”, notou a repórter da France 24 ao início da tarde. A nível nacional, as autoridades esperavam entre 1,1 a 1,4 milhões de pessoas em 250 pontos diferentes do país.
“A adesão é grande, talvez até maior que no protesto de 31 de janeiro”, apontou a equipa em reportagem nas ruas de Paris. Mais de 1,27 milhões de pessoas saíram às ruas a nível nacional nesse dia, um número superior ao da primeira manifestação de 19 de janeiro.
JEFF PACHOUD
Os trabalhadores em greve geral estão a “bloquear” a saída de combustível de todas as oito refinarias do país, indicou à agência France Presse o sindicato do sector (CGT-Chimie). No sector da educação, os sindicatos estimam que 60% dos professores não tenham ido trabalhar esta terça-feira – apesar do ministério da Educação colocar essa percentagem na ordem dos 30%. As companhias aéreas reduziram os seus voos a partir dos aeroportos de Charles de Gaulle e de Orly – os maiores aeroportos da capital – entre 20% a 30%, seguindo um pedido da autoridade de aviação civil francesa.
Depois de várias semanas de protestos que não levaram o Governo a ceder, os cidadãos parecem querer “deixar a economia de joelhos e levar o país a um impasse”, adianta a France 24. Uma das preocupações populares é a desigualdade de género nas pensões: em média, a reforma das mulheres é 40% mais baixa do que a dos homens, devido ao facto de serem extremamente mais afetadas pela falta de equilíbrio entre a vida profissional e familiar.
Macron com popularidade em baixa e o contra-argumento da esquerda
Segundo uma sondagem publicada em janeiro pelo Instituto Francês de Opinião Pública (IFOP), cerca de 68% do eleitorado está contra a reforma apresentada pelo Governo – que, por outro lado, garante que é a única forma de assegurar a sustentabilidade da segurança social e da economia francesa.
CLEMENT MAHOUDEAU
Além disso, o executivo quer apertar os critérios para a obtenção de uma pensão completa, e limitar algumas das benesses plasmadas nas carreiras dos funcionários públicos (incluindo, por exemplo, os trabalhadores do metro de Paris).
“Manter as coisas como estão na próxima década significa um défice acumulado de 150 mil milhões de euros [no sistema de pensões] e uma queda na qualidade de vida dos pensionistas”, garantiu o ministro do trabalho, Olivier Dussopt, este fim-de-semana. Comparação: este montante é quase quatro vezes superior ao dinheiro que França perde em impostos desviados por grandes empresas para paraísos fiscais todos os anos, segundo a organização Tax Justice Network.
A Nova União Popular Ecologista e Social – NUPES, a aliança de esquerda liderada por Jean-Luc Melénchon e que agrega partidos como a França Insubmissa, Partido Socialista francês ou os Verdes – argumenta que a solução para o défice das pensões deveria passar por taxar os “super-lucros”. Aliás, um relatório da Oxfam indica que um imposto adicional na ordem dos 2% sobre os ativos dos bilionários franceses seria suficiente para sanar as contas da segurança social.
Macron, ex-banqueiro da Goldman Sachs, tomou duas decisões polémicas poucos meses depois de tomar posse em 2017: aboliu um imposto especial sobre a riqueza, e flexibilizou as leis laborais para ser mais fácil contratar e despedir funcionários. O Presidente também tentou implementar a reforma das pensões no seu primeiro mandato, mas acabou por ceder.
Trouxe o tema para a campanha da reeleição, em abril, garantindo que as reformas seriam essenciais para diminuir o desemprego (atualmente nos 7%), apoiar empresas e aumentar a produtividade da economia – um discurso também utilizado por Marine Le Pen, a candidata de extrema-direita que acabou por ser derrotada nas presidenciais (à tangente). Atualmente, os franceses trabalham uma média de 37 horas semanais, mais duas horas que os alemães e com uma produtividade quase similar.
“Para Macron, recuar agora seria uma abdicação. Se ele recuar, não poderia levar a cabo mais reformas. Seria o fim do seu mandato”, garantiu à Associated France Press (AFP) Bruno Retailleau, líder do partido de centro-direita “Os Republicanos” no Senado francês, e que apoia a proposta do Governo.
Os cidadãos não concordam com as medidas e os números mostram isso: a popularidade de Macron atingiu em fevereiro mínimos históricos dos últimos três anos. Apenas 32% dos franceses estão satisfeitos com o trabalho do presidente, uma queda de dois pontos percentuais em relação a janeiro.
“O Presidente não pode continuar surdo. Há hoje um gigantesco movimento social que vai exigir uma resposta política”, avisou na segunda-feira Laurent Berger, líder da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), que agrega mais de 1100 sindicatos e quase 870 mil trabalhadores.