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Kevin McCarthy e o reforço da voz conservadora na Câmara dos Representantes. O que é que o novo speaker teve de oferecer para ser eleito?

Kevin McCarthy e o reforço da voz conservadora na Câmara dos Representantes. O que é que o novo speaker teve de oferecer para ser eleito?
David McNew

Ser presidente da Câmara dos Representantes é deter uma das posições mais poderosas na política dos Estados Unidos. Sem ele, o Congresso paralisa e a atividade legislativa congela. Desde 1859 que não eram precisas tantas rondas de votos para eleger alguém para este cargo. Com Kevin McCarthy finalmente eleito, a ala mais conservadora do Partido Republicano passa a ter mais peso

Kevin McCarthy e o reforço da voz conservadora na Câmara dos Representantes. O que é que o novo speaker teve de oferecer para ser eleito?

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Concessões de última hora, olhares furiosos, ameaças, ânimos exaltados e uma dose considerável de bajulação. Kevin McCarthy conseguiu fazer-se eleger presidente da Câmara dos Representantes após 15 rondas de negociação, no mesmo dia e lugar em que, há dois anos, um grupo de fanáticos apoiantes de Trump se manifestavam contra a certificação de Joe Biden como Presidente dos Estados Unidos.

Kevin McCarthy, deputado republicano pela Califórnia, foi eleito já depois da meia noite, após quatro dias de debate e três noites de negociações. É uma provação pessoal, mas é também uma fotografia de um partido fragmentado e polarizado.

Muitas das exigências dos que negaram até ao último momento a sua eleição foram atendidas e a Câmara dos Representantes será agora um sítio diferente - incluindo para McCarthy, que tem a espada de Dâmocles por cima da sua cabeça depois de ter concordado com a aprovação de uma moção que facilita a remoção do presidente da Câmara, ou seja, que facilita a sua remoção do cargo pelo qual tão arduamente lutou estes dias todos.

Matt Gaetz, um dos republicanos que mais dificuldades impuseram à eleição de Kevin McCarthy fala com outros membros do partido
Anadolu Agency

Os republicanos “rebeldes” conseguiram que a “moção para deixar o posto”, que sempre existiu, mas para a qual eram precisos os votos de cinco deputados, passe agora a necessitar apenas de um para ser acionada. Isto vai possivelmente tornar a colaboração com os democratas muito mais difícil, uma vez que um único republicano descontente com a forma como a Câmara dos Representantes está a ser gerida pode destronar o “speaker”.

Mas as concessões à ala mais radical são amplas. A partir de agora passa a existir um conservador deste grupo rebelde com assento no Comité das Regras da Câmara, que essencialmente define as regras do jogo no plenário. A comissão determina quando um projeto de lei é votado, por quanto tempo será debatido, e até se pode ser alterado ou não. Se tiverem cada vez mais representação, os conservadores serão capazes de moldar o tipo de legislação que a Câmara produz antes que ela tome forma - e aniquilar à nascença a que não lhes agrade.

Uma outra promessa de McCarthy foi a de…voltar atrás no tempo, à altura em que a discussão de cada lei realmente envolvia todos os deputados num debate bipartidário.

De forma resumida, o processo legislativo dos Estados Unidos, o que é ensinado nas escolas, tem três passos: um legislador propõe uma lei, é designado um comité para análise e revisão, o projeto é levado ao plenário do Congresso para aprovação ou não. Na realidade, as coisas não se passam bem assim nos dias de hoje - os maiores projetos legislativos são negociados a portas fechadas e aprovados num curto prazo, com pouco debate. McCarthy prometeu tornar a aprovação de projetos de lei um processo mais participativo, o que é um objetivo nobre na teoria, mas co os sulcos tão vincados entre partidos é difícil que um debate possa ser construtivo. No plenário, qualquer pedaço de legislação torpedeado por alguns políticos menos moderados.

Os assuntos mais urgentes para os membros do grupo que McCarthy teve de convencer para conseguir ser eleito vão ter preponderância na próxima sessão legislativa, e esse era o objetivo de toda a campanha, que não foi nunca contra a sua eleição, mas contra a eleição de alguém que não prometesse aos “trumpistas” o lugar saliente que eles acham que têm de ter.

O peso desta mudança vai ser em breve observável já que os republicanos acreditam que o peso da dívida do Estado está a atingir níveis insustentáveis - mas continua a subir, e terá de continuar a subir para manter a máquina estatal a funcionar.

McCarthy teve de se comprometer com restrições fiscais tangíveis, como cortar gastos para os níveis de 2022, exigir que qualquer aumento no valor da dívida que o governo emite fosse vinculado a cortes orçamentais para equilibrar a balança. Com o controlo da Câmara dos Representantes, os republicanos podem aprovar os limites orçamentais que entenderem e o novo Presidente está efetivamente a alinhar com aqueles que raramente aceitam debates bipartidários sobre estas matérias. Os apoios à Ucrânia entram nesta pasta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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