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No comício evangélico do candidato à Presidência do Brasil: O culto Lula

Lula da Silva em campanha para as eleições de outubro
Lula da Silva em campanha para as eleições de outubro
MIGUEL SCHINCARIOL/Getty Images

O núcleo duro da campanha de Luís Inácio Lula da Silva rumou à periferia do Rio de Janeiro para encontrar-se com os eleitores evangélicos, fortemente associados a Jair Bolsonaro. Com as mãos erguidas e os olhos em 2 de outubro, a máquina do PT cedeu aos ritos pentecostais

Às 9h30 da manhã de sexta-feira, o sol ardia forte em São Gonçalo. Para lá chegar, quem vai do Rio de Janeiro tem de atravessar a ponte Rio-Niterói e ainda ir além. O sentimento periférico é evidente.

No antigo Clube Tamoio, agora pretensiosamente redenominado como Centro Cultural Seven Music, a maquina do Partido dos Trabalhadores (PT) está montada para receber um evento fundamental na candidatura de Luís Inácio Lula da Silva às eleições Presidenciais de 2 de outubro: o encontro do ex-Presidente com os eleitores evangélicos, uma fatia relevante dos apoiantes de Jair Bolsonaro.

O local escolhido não é obra do acaso, São Gonçalo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, é o segundo maior colégio eleitoral do estado e conhecido por ter uma das maiores concentrações de fiéis das inúmeras igrejas evangélicas.

Com identificações penduradas ao pescoço, as pessoas vão chegando e sendo encaminhadas para as equipas de apoio, preparadas para prestar todos os esclarecimentos necessários. O ambiente é pacífico, não há tensão no ar.

As pulseiras de papel vão sendo distribuídas conforme as características de cada participante, no cumprimento de um código de que só alguns detêm a chave de compreensão. A pulseira da imprensa é rosa. Há amarelas, laranjas, vermelhas e até douradas. Conforme a cor da pulseira, os circuitos de circulação se abrem ou fecham, chega-se mais perto ou não do palco.

As camisas vermelhas coloram a audiência. A cor da pele é sobretudo parda. As mulheres dominam as presenças. Mas há de tudo um pouco, homens, crianças, brancos. Muitos vestem camisolas com frases religiosas como “livrai-me de todo o mal”, outras são mais concretas, como “Vacina, picanha, cerveja e Lula” ou “Lula, Brasil feliz de novo”. Destacam-se os que juntam o vermelho “petista” com a efígie de Jesus coroado de espinhos, em que a semelhança com Lula da Silva é evidente, não fosse o Cristo ser um pouco mais magro.

E se lá dentro do pavilhão, o público ia se arrumando ordeiramente, quem estava no interior do recinto não tinha noção de que lá fora já havia confronto entre um apoiante de Jair Bolsonaro e alguns dos participantes no comício.

Lula ainda não havia chegado ao evento quando a confusão se instalou. Segundo o site UOL, tudo começou quando, um automóvel coberto com imagens do Presidente da República passou na porta do Clube Tamoio, em meio aos defensores de Lula da Silvas. A situação foi considerada uma provocação e bastou alguém bater no carro para o motorista sair e o corpo a corpo começar, envolvendo forças policiais e de segurança do evento. Acabou com a intervenção da polícia federal, fortemente armada.

Às 10h00 o ambiente anima-se com a chegada do aguardado Lula da Silva. Acompanhado pelo candidato a vice-Presidente Geraldo Alckmin, pela mulher Janja, pelo candidato a governador do Rio de Janeiro Marcelo Freixo, pelo histórico “petista” Aluízio Mercadante e pela ex-governadora do Rio, candidata a deputada federal e fiel evangélica, Benedita da Silva, Lula sobe ao palco, dá adeus a audiência e volta recolher-se por trás dos cortinados.

Meia hora mais tarde, Lula regressa, com todos os candidatos e apoiantes. As palmas enchem o auditório, com cerca de sete mil pessoas presentes. Há quem chore, batem-se palmas, canta-se, erguem-se as mãos ao Senhor e a Lula. Sentado entre Janja e Alckmin, assiste ao desfile de oradores, muitos já bastante conhecidos das comunidades de São Gonçalo e das suas proximidades. A cada intervenção, o candidato a Presidente levanta-se para cumprimentar o orador.

As canções religiosas sucedem-se às falas - “Segura na mão de Deus e vai” -, animando a audiência, intercaladas com mensagens de ordem como “Lulinha tá aqui rapaziada! Ele é cristão também”. O contexto evangélico marca o comício, distinguindo-o da maior parte das ações de campanha. Um ecrã mostra a bandeira brasileira e por ali é o único verde e amarelo que se vê. Pelo altifalante pode ouvir-se a promessa: “Jesus prometeu e jamais te deixará.” E da população vem a resposta: “Quem quer Lula Presidente diga amém.” Ato contínuo, outra reza - “Olê, olá, olá, Lula, Lula….”

Canta-se o hino brasileiro, todos de pé e com aparente convicção. E o evento vai decorrendo, ora com ar de culto evangélico, ora com tiques de comício político. Um dos oradores foi o pastor Sérgio Duzilek, que afirmou que “o povo não aguenta mais quatro anos com esse Presidente da República que só faz enganar, ludibriar e governar para a elite”, reconhecendo ainda que Lula da Silva foi vítima de “injustiça do judiciário e de parcelas da igreja.” Para concluir: A igreja evangélica tem que pedir perdão ao Senhor.” Afirmação recebida com entusiasmo pela audiência, irmanada no meu culpa.

Louvor ao Senhor

Dois dos momentos mais emotivos foram a oração conduzida pela "fiel Priscila” e o louvor liderado pela “missionária Suelen Costa”. As vozes se ergueram e, de mãos dadas com o ex-Presidente, a jovem com um conservador vestido amarelo claro liderou um coro que levou o público a cantar tem coisa boa chegando, tem coisa boa acontecendo. Não importa o que você sofreu, o importante é que você sobreviveu”.

Quando Lula toma a palavra, o auditório estremece sob as palmas e os gritos. O político parece estar realmente emocionado, discorre sobre as suas intenções como candidato às eleições, com foco no emprego e na educação, mas o que fica do que vai dizendo, é a convicção com que promete: “Eu vou fazer o precisa ser feito nesse país.” E as pessoas respondem com vontade de acreditar mais uma vez: “Amem!”

Também Lula pareceu deixar-se contagiar pela sensação de emoção à flor da pele. Eu posso olhar na cara de cada mulher, de cada senhora aqui, de cada jovem e dizer: nunca houve na história do Brasil um presidente que tratasse a religião e as igrejas com a democracia que eu cuidei nesse país. Duvido. Duvido que alguém tenha cuidado e garantido a liberdade de criar igrejas, a liberdade de praticar a sua fé, nunca teve”, disse.

No fim do discurso de Lula, uma das pastoras regressa ao palco para abençoar o candidato presidencial. "Senhor, desfaz as obras contra a vida deste homem”, pediu, como se tentasse abrir o caminho a uma vitória eleitoral. Naquela altura, ainda não era de conhecimento geral que um apoiante de Lula havia sido assassinado por um defensor de Jair Bolsonaro, no Mato Grosso. O Brasil é um país continental e as distâncias são enormes e há que gerir a informação. Nestas presidenciais, cada decisão conta. Como os votos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: CAMartins@expresso.impresa.pt

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