“Não cresci nos Estados Unidos. Na verdade, cresci em Portugal." Foram estas as palavras que Paul Selva, general da Força Aérea e vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, utilizou para tentar travar Donald Trump, lembrando também ao Presidente norte-americano que desfiles eram manifestações de um país mergulhado em ditadura. "Portugal era uma ditadura e os desfiles serviam para mostrar às pessoas que tinham armas. E, neste país, não fazemos isso. Não é quem nós somos." Selva tinha crescido na Terceira, nos Açores, onde o seu pai esteve colocado na Base das Lajes.
Mesmo depois do discurso inflamado, Trump não compreendia. "Então, não gosta da ideia?", questionava. "Não, é o que os ditadores fazem", retorquiu Paul Selva. O fascínio de Donald Trump por manifestações de grandeza encontrou inspiração em França, conta a publicação "New Yorker".
No verão de 2017, depois de apenas meio ano na Casa Branca, Donald Trump viajou para Paris para as comemorações do Dia da Bastilha organizadas por Emmanuel Macron, recentemente eleito Presidente de França. Macron tinha organizado um evento para comemorar o centésimo aniversário da entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial. Velhos carros de combate desfilaram pelos Campos Elísios, enquanto os caças rugiam no céu. O evento, ajustado à medida dos desejos de grandiosidade de Trump, deixou o chefe de Estado norte-americano encantado. O general francês encarregado do desfile dirigiu-se a alguns elementos da corporativa norte-americana e disse: “Vocês vão fazer isto no próximo ano."
Donald Trump regressou a Washington determinado a fazer com que os seus generais organizassem o maior e mais grandioso desfile militar de todos os tempos para assinalar o 4 de julho. Para sua perplexidade, os generais reagiram com insatisfação. "Prefiro engolir ácido", disse o secretário de Defesa à data, James Mattis. Numa campanha para dissuadir Trump, as autoridades apontaram que o desfile custaria milhões de dólares e obstruiria as ruas da capital.
No entanto, as divergências entre o antigo Presidente norte-americano e os seus funcionários também se prendiam com uma questão de valores, de como viam os Estados Unidos da América. Quando Trump contou ao seu novo chefe de gabinete, John Kelly – como Mattis, um general aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais – qual era a sua visão para o Dia da Independência, resolveu articular as suas preocupações: "Eu não quero nenhum homem ferido no desfile. Não me parece boa ideia." Trump referia-se às várias formações de veteranos lesionados no desfile do Dia da Bastilha, entre os quais se encontravam soldados, que se deslocavam em cadeiras de rodas por terem perdido os membros inferiores em batalha.
John Kelly não conseguia acreditar no que estava a ouvir. “Esses são os heróis”, disse a Trump. "Eu não os quero", repetiu Trump. “Não me parece boa ideia."
O assunto surgiu novamente durante um briefing na Sala Oval, que contou com a presença de Trump, John Kelly e Paul Selva. Kelly ironizou sobre a falta de expressividade do desfile. “Bem, o general Selva vai encarregar-se de organizar o desfile de 4 de julho”, disse, dirigindo-se ao Presidente dos EUA. Trump não compreendeu o sarcasmo de John Kelly. “Então, o que achou do desfile?”, perguntou o chefe de Estado norte-americano a Paul Selva. Nessa ocasião, em vez de dizer o que o líder queria ouvir, o general resolveu ser direto. A iniciativa não era adequada para um regime democrático como deve ser o dos EUA.
Os quatro anos da presidência de Donald Trump foram caracterizados por um elevado grau de instabilidade: desde os acessos de raiva às declarações hostis deixadas no Twitter durante a noite e às demissões repentinas. A harmonia de Trump com os seus generais também foi breve e, em declarações à "New Yorker", o ex-Presidente confirmou o quanto o relacionamento azedou ao longo do tempo. “Eram pessoas sem talento, e, quando percebi isso, não confiei neles, confiei nos verdadeiros generais e almirantes dentro do sistema."
Um dos casos contados pela publicação norte-americana mostra como os generais seguiam regras e padrões específicos, e orientavam-se pela sua experiência, em detrimento de uma lealdade cega. Numa ocasião, o antigo Presidente norte-americano gritou para John Kelly: "Seus malditos generais, por que não são como os [generais] alemães?”. O alto responsável norte-americano questionou: afinal a que generais se referia Trump? “Os generais alemães na Segunda Guerra Mundial”, respondeu o líder norte-americano.
"Sabe que eles tentaram matar Hitler três vezes e quase conseguiram?", atirou John Kelly.
Donald Trump não tinha conhecimento disso. “Não, não, não, eles eram totalmente leais”, respondeu. De acordo com a sua versão da História, os generais do Terceiro Reich tinham sido subservientes a Hitler, e este era o modelo que o Presidente norte-americano queria para as suas Forças Armadas.
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