Terrorismo de extrema-direita: Parlamento do Reino Unido pede mais meios para serviços secretos combaterem ameaça
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Os serviços de informações britânicos - MI5 - deixaram de fazer distinção entre o terrorismo islâmico e o terrorismo de extrema-direita, adotando uma "abordagem agnóstica" na identificação de potenciais ameaças. A informação é avançada por um relatório parlamentar, que avisa: a pandemia deu força a grupos xenófobos e racistas. Terrorismo de extrema-direita está a crescer em todo o mundo ocidental
Para identificar e combater o terrorismo de extrema-direita, os serviços de informações do Reino Unido – o MI5 – começaram a utilizar as mesmas ferramentas que são usadas contra a ameaça do terror islâmico. Além disso, tanto o MI5 como o MI6 (o serviço de informações para o estrangeiro, similar à norte-americana CIA) têm vindo a aumentar a cooperação internacional para lidar com este tipo de ameaças.
“O MI5 assumiu a responsabilidade de lidar com o terrorismo de extrema direita sem ter os recursos adequados para o fazer (...) Esta situação é insustentável. O MI5 tem de receber mais financiamento para lidar com este tipo de casos sem que outras áreas do seu trabalho sofram”, lê-se no documento, que insta ainda os serviços de informações a pedirem apoio a entidades como a Behavioural Science Unit (BSU, unidade de ciência comportamental) para lidar com casos de potencial terrorismo de extrema-direita.
O relatório parlamentar identifica os muçulmanos como o principal alvo deste tipo de terrorismo. Esta islamofobia foi amplificada pelas recentes crises migratórias e pela proliferação da “teoria da grande substituição”, que defende estar em curso uma substituição demográfica da Europa: tem sido utilizada por André Ventura, mas é uma conspiração sem qualquer adesão à realidade.
O comité britânico também aponta judeus, negros, asiáticos e outras minorias étnicas como vítimas desta discriminação, lembrando que o racismo e o antissemitismo são peças “chave” das narrativas do neonazismo e da supremacia branca.
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O relatório surge poucas semanas depois de quatro homens serem condenados por um tribunal de Sheffield a mais de 30 anos de prisão. O grupo estava acusado de defender o uso de violência racista, e de publicar propaganda de extrema-direita num fórum online. Nas casas dos quatro homens foram encontradas armas de fogo, assim como químicos e outros materiais necessários para construir bombas.
Mais recentemente, na semana passada, o Tribunal de Magistrados de Westminster, em Londres, condenou outro homem pela posse de documentos com instruções para cometer um acto terrorista e por divulgar mensagens de ódio na internet.
Apesar de celebrar a introdução de uma “abordagem agnóstica” na hora de lidar com ameaças terroristas, não distinguindo entre extrema-direita e islamismo, o grupo de deputados britânicos sublinha: “O Governo precisa de uma nova abordagem para combater o financiamento do terrorismo de extrema direita”, que é “bastante diferente” do financiamento islâmico. “Embora pareça que o financiamento do terrorismo de extrema-direita ainda está num nível bastante baixo, isso pode mudar rapidamente no futuro”, avisam os deputados.
Um dos principais desafios é a internet e a atividade online levada a cabo por estas pessoas. “A principal coisa que me mantém acordado à noite é a proliferação do [meio] online e a sua capacidade para radicalizar as pessoas”, disse ao comité parlamentar o chefe da unidade de contraterrorismo da polícia britânica, que trabalha lado a lado com os serviços de informações.
Por sua vez, o diretor do MI5 apontou que a principal dificuldade é determinar se a atividade extremista realizada online – comentários racistas ou xenófobos, por exemplo – pode transformar-se em atividades terroristas no mundo real. “Muitas vezes monitorizamos algo que se passa apenas online, potencialmente durante anos, mas não é preciso muito para um indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos mudarem de direção e praticarem algum ato violento”, disse Ken McCallum aos deputados.
Cooperação internacional e infiltração nas forças armadas e polícia
Futuras melhorias no lado ‘digital’ têm de ser acompanhadas por uma monitorização completa de indivíduos que viajam para o estrangeiro para desenvolver relações com radicais de extrema-direita noutros países. Este fenómeno é cada vez mais conhecido das autoridades europeias, mas o Reino Unido ainda não tem um método para monitorizar estes casos.
“Há uma forte possibilidade de estes combatentes retornados terem ficado ainda mais radicalizados e desenvolverem ligações com outras pessoas que partilham a ideologia da extrema-direita”, diz o relatório, que se congratula por o Brexit não ter afetado a cooperação entre as forças de segurança britânicas e os seus colegas europeus e pede acordos para que isso não aconteça no futuro.
Outro dos problemas identificados é a infiltração de cidadãos racistas ou xenófobos nas forças de segurança britânicas. Parece haver um problema no processo de veto a candidatos a agentes da polícia. A internet é um catalisador crucial para a ameaça do terrorismo de extrema-direita, por isso a atividade online [dos candidatos a polícias] deve ser escrutinada de perto (...)”, sublinha o relatório.
O mesmo se passa nas Forças Armadas: o serviço militar é “muitas vezes” uma porta de entrada para cidadãos radicalizados, e muitos grupos de extrema-direita recrutam dentro das forças armadas – um fenómeno que aliás acontece noutros países da Europa, como a Alemanha. “O facto de as Forças Armadas não darem qualquer orientação clara ao seu pessoal sobre pertencerem a uma organização – sobretudo se for extremista – parece ser uma anomalia. Pode ser argumentado que esta é uma abordagem arriscada, dado as funções sensíveis de muitas destas pessoas.”
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