Três ex-dirigentes da ETA chamados a depor pelo assassínio do vereador Miguel Ángel Blanco há 25 anos
O etarra Mikel Antza à entrada para um julgamento em San Sebastián
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Membros da chefia do grupo terrorista são acusados de não terem travado assassínio do político de 29 anos, em 1997. Crime gerou onda de repúdio do terrorismo em toda Espanha
Três antigos dirigentes do extinto grupo terrorista basco ETA terão de prestar declarações perante a Audiência Nacional (AN) espanhola, o tribunal que julga crimes de terrorismo. São investigados por suspeita de envolvimento no assassínio, há 25 anos, do vereador Miguel Ángel Blanco, do Partido Popular (PP, direita), então no poder.
Num processo instaurado pela associação Dignidade e Justiça, o magistrado Manuel García Castellón, da AN, aceitou chamar três de quatro etarras que a Guarda Civil considera responsáveis pelo sequestro e morte do político em 1997. São José Javier Arizcuren Ruiz (por alcunha, Kantauri); Miguel Albisu Iriarte (conhecido como Mikel Antza); e María Soledad Iparraguire (Anboto). Há outro implicado, Ignacio de Gracia Arregui (Iñaki de Rentería), mas os seus atos já prescreveram.
O assassínio de Blanco, com um tiro na nuca após dois dias raptado, indignou Espanha e é visto como um ponto de viragem no repúdio social ao terrorismo. Ao longo de décadas a ETA matou mais de 800 pessoas, quase todas já no período democrático da história de Espanha.
Podiam ter evitado o assassínio
O procurador que acompanha o caso, Vicente González Mota, pediu à justiça francesa autorização para julgar Kantauri, pois foi entregue às autoridades espanholas pelo país vizinho. O juiz García Castellón considera que os três suspeitos participaram “tanto na planificação e tomada de decisões como no resultado” do sequestro de Blanco, mesmo sem terem sido os seus autores materiais.
O magistrado — que foi instrutor do caso há 25 anos — refere no seu acórdão, citado por “El Mundo”, que “dada a posição dominante que ostentava o órgão executivo da organização terrorista, com capacidade real durante as mais de 48 horas que durou o sequestro para poder travá-lo”, deduz que não o fizeram porque desejavam o desenlace verificado: a morte do vereador.
O funeral de Miguel Ángel Blanco, em Ermua, comoveu Espanha e o mundo
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Abatido aos 29 anos
Blanco, vereador na sua Ermua natal, viveu 29 anos. Foi raptado a 10 de julho de 1997, quando ia visitar um cliente da consultora para a qual trabalhava. O grupo ameaçou matá-lo caso o Governo de José María Aznar não transferisse todos os etarras presos para cadeias no País Basco (a política de Madrid era dispersá-los, para dificultar coordenação de ações).
Apesar de manifestações multitudinárias em que centenas de milhares de pessoas exigiram a libertação de Blanco, em cidades como Bilbau, San Sebastián, Vitória, Madrid, Barcelona ou Saragoça, a ETA cumpriu a ameaça: 50 minutos depois do prazo fixado, o vereador foi assassinado. Foi encontrado nos arredores de San Sebastián, de mãos atadas e ainda com vida, mas morreu no hospital na madrugada seguinte.
A repulsa que este crime gerou na sociedade espanhola foi fatal para a ETA, embora esta tivesse continuado a matar por mais 14 anos, deixando o terrorismo (a que chamava “ação armada”) em 2011 e dissolvendo-se por fim em 2018. Fala-se de um “espírito de Ermua”, que propiciou a união dos democratas contra o terrorismo.
Detenção de Soledad Iparragirre Genetxea (Anboto), dirigente da ETA, em 2004
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Os alegados assassinos de Blanco foram capturados e julgados a partir de 2006: Francisco Javier García Gaztelu (Txapote) e a sua namorada, Irantzu Gallastegi (Amaia). O sequestrador José Luis Geresta Mujica suicidou-se em 1999.
O juiz que chamou os três suspeitos de autoria moral a depor baseou a decisão em cartas de Kantauri, que dirigia os comandos ilegais da ETA, e em documentos apreendidos sobre a sua organização interna e financiamento. “A vítima desta ação, na qualidade de membro do citado partido político, tornara-se um alvo preferencial da ETA”, escreve García Castellón. Não crê que os executores de Blanco pudessem ter agido por si, sem “ordens concretas e específicas emanadas da principal estrutura diretiva da ETA”.
Apesar das muitas oportunidades que tiveram para evitar a morte de Blanco, os acusados “não realizaram nenhum ato para pôr fim ao sequestro” e “em nenhum momento tentaram evitar ou impedir, como podiam ter feito, o assassínio”.