Internacional

Legislativas em França. Reportagem com franco-portugueses que lutam por lugar na Assembleia Nacional francesa

Legislativas em França. Reportagem com franco-portugueses que lutam por lugar na Assembleia Nacional francesa
Jean-Marc Barrere

A coligação de Macron luta por manter uma maioria absoluta. A esquerda, que se uniu, sonha conseguir tirá-la. O Expresso acompanhou a luta dos dois campos em iniciativas de campanha de candidatos de origem portuguesa. As eleições legislativas francesas acontecem em duas voltas, a 12 e 19 de Junho

Reportagem de Guilherme Monteiro em Paris

"Podem contar com o meu voto, a atual maioria está a fazer um bom trabalho". O elogio é de um engenheiro aeroespacial, no Val d'Oise, nos arredores de Paris.

Servem de consolo a Dominique da Silva, deputado pelo partido de Macron (Renascimento), que, de porta em porta, tenta mobilizar o eleitorado para ser reeleito para um segundo mandato.

A coligação de esquerda (Nova Aliança Popular Ecologista e Social, NUPES) veio complicar as contas e abre a possibilidade a uma perda de maioria absoluta para a coligação de partidos que apoia o presidente francês (Juntos), mas o candidato desdramatiza. "Eu considero que não há esse risco".

que o sistema eleitoral a duas voltas acaba por favorecer a união em torno do presidente, ao conter, através do voto útil, na segunda volta, as "forças de oposição mais radicais" que o deputado de Macron antecipa, ainda assim, que deverão crescer.

Certo para o franco-português, apoiante de Macron desde a primeira hora, é que a responsabilidade do o país estar dividido em três grandes blocos políticos - o centro do presidente, o que se formou em torno do partido da esquerda radical e o da extrema-direita - não se deve à ação política do atual chefe de Estado.

Embora reconheça alguns erros ao longo do último mandato, como a gestão dos coletes amarelos, Dominique da Silva aponta outros fatores. "é natural que se criem espaços mais radicais", quando os partidos tradicionais estão "frágeis" e Macron conquista o "centro, ao trabalhar com traços de esquerda e direita".

Há 5 anos, vindo do partido socialista, Macron nomeara o conservador édouard Philippe como primeiro-ministro para conquistar a direita. Fez, depois, algumas reformas, como a que endureceu o acesso ao subsídio de desemprego. E tentou ainda avançar com o aumento da idade de acesso à pensão de reforma, mas a pandemia de covid-19 veio acabar por adiar os planos.

Agora, face à união de Melénchon, Macron tenta agradar mais ao eleitorado à esquerda.

Um dos primeiros grandes sinais do mandato foi a nomeação de Elisabeth Borne como primeira-ministra, que vem do campo socialista.

Mas há quem espere mudanças de fundo. "é precisa outra maioria na assembleia nacional" dizia ao Expresso, uma idosa francesa, num mercado local, em Pontault-Combault, uma vila junto da capital francesa, onde cerca de 25% da população é de origem portuguesa. "Eu tenho uma pensão de reforma pequena, os preços sobem demasiado, de forma mesmo inadmissível", lamentou. "é necessário que isto mude", insistia, ao mesmo tempo que Pascal Novais, candidato a deputado pela coligação de esquerda no Sena e Marne, arredores de Paris, lhe entregava um panfleto a apelar ao voto este domingo.

O franco-português, engenheiro de profissão e com origens em Miranda do Douro, está envolvido no partido de esquerda radical (França Insubmissa) desde 2018. Quer agora entrar na Assembleia Nacional com o objetivo de contribuir para que os franceses "através do trabalho tenham capacidade de viver". Critica as políticas do presidente para auxiliar os mais desfavorecidos neste período de forte inflação, em que foram decididas medidas como a distribuição de cheques de 100 euros a quem ganha menos de 2 mil euros brutos.

Pascal Novais exige antes o aumento dos valores mínimos das pensões e dos salários para 1500 euros. "é necessário que o trabalho pague", diz.

Dominique da Silva, que já foi proprietário de uma pequena empresa, discorda, no imediato, do aumento do salário mínimo dado que "num país que tem cerca de 7% de desempregados", tal, explica, "levaria a que mais franceses tivessem dificuldades para encontrar um emprego". Lembra que governar pode ser, por vezes, "impopular", mas que "os resultados acabam por tornar as políticas populares".

Espera, por isso, que os franceses "que têm cada vez maior esperança de vida" percebam a necessidade de se reformarem mais tarde por uma questão da "sustentabilidade do sistema de pensões.

A coligação NUPES de Pascal Novais que quer, pelo contrário baixar a idade da reforma para os 60 anos, discorda. "O dinheiro existe!", indigna-se, lembrando, que desde pequeno, sendo filho de emigrantes, viu portugueses trabalharem em profissões duras, como a construção civil, "que não possibilitam estender idade da reforma até aos 65 anos".


Conscientes do quão aliciantes podem ser as propostas da esquerda, os membros do partido presidencial apostam em descredibilizar o programa de Jean-Luc Melénchon. O candidato franco-português, Dominique da Silva, diz que se as medidas que defende o líder do partido de esquerda radical fossem aplicadas seria "extremamente ruinoso para a França", visto que "aumentaria a despesa em 200 mil milhões de euros por ano". E lembra que a dívida publica do país é já elevada, cerca de 113% do PIB, no final do ano passado.

A união de esquerda aproveita o argumento para atacar: "apesar das lições de moral", diz Melénchon, foi durante o mandato de Macron que a "dívida pública atingiu o valor mais alto e o défice da balança comercial o nível mais elevado".

Mudar o prisma ou o risco de uma crise que tornaria França ingovernável

Pascal Novais sublinha que, embora o programa de esquerda seja economicamente viável, é também necessário mudar o "prisma". Primeiro "o humano, depois tratar da economia".

é, por isso, que o candidato da NUPES apoia também a desobediência aos tratados europeus. Considera que a atual União Europeia é uma organização economicamente liberal, focada apenas no aspeto financeiro. Entende, por exemplo, ser necessário rasgar os acordos de comércio livre e abandonar o pacto de estabilidade - atualmente suspenso devido à crise económica ligada à covid-19 - que obriga o estados-membros a ter um défice abaixo dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma divida publica inferior ou igual a 60% do PIB.

"é um verdadeiro perigo para a pacificação das nossas relações", critica Dominique da Silva. O candidato de Macron entende que "quando os países estão unidos, respeitam os acordos assinados", que, considera, "podem ser reconsiderados e trabalhados em conjunto", mas não "passar por cima e instalar uma preferência francesa".

As sondagens mostram que uma maioria absoluta de deputados de esquerda na assembleia nacional está, no entanto, longe de ser possível.

Acontece que o sistema a duas voltas favorece coligações e a união de vários partidos em torno de Melenchon - com intenções de voto na ordem dos 25% a 30% - torna também mais difícil a eleição de parlamentares por parte da frente presidencial. Ou seja, Macron arrisca-se a perder uma maioria favorável na Assembleia Nacional.

Para voltar a mobilizar o eleitorado e captar os moderados de esquerda, analisam vários analistas, os apoiantes de Macron têm, assim, acenado, como fez o ministro Olivier Veran, "com a possibilidade de uma crise institucional que tornaria França ingovernável".

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