Massacre no Texas: o maior ataque a uma escola americana na última década pode reabrir a discussão sobre o controlo de venda de armas?
Brandon Bell
Os Estados Unidos já registaram 212 ataques em massa com armas de fogo só este ano, depois de um aumento de 51% no ano passado. De desastre em desastre, o país continua à procura de consenso para travar a violência: 42% da população acredita que mais legislação não iria diminuir o número de massacres
“Nos últimos dez dias tivemos negros idosos mortos num supermercado em Buffallo; asiáticos mortos numa igreja no sul da Califórnia, e agora temos crianças assassinadas na escola. Quando é que vamos fazer alguma coisa?! Estou cansado de vir aqui apresentar as minhas condolências às famílias devastadas. Desculpem. Estou cansado dos momentos de silêncio. Já chega.”
Estas palavras indignadas foram ditas esta terça-feira por Steve Kerr, treinador dos Golden State Warriors, durante uma conferência de imprensa em que se recusou a falar de basquetebol, tal era a tragédia que tinha acabado de acontecer no Texas: um homem de 18 anos matou a tiro 21 pessoas numa escola primária, incluindo 19 crianças e dois professores.
O atirador foi abatido pela polícia ao fugir do local. As autoridades acreditam que terá agido sozinho, mas ainda não são conhecidas as motivações do ataque. Sabe-se, no entanto, que comprou duas armas no dia do seu aniversário. Em casa, momentos antes de se deslocar para a escola, disparou contra a avó, que está em estado crítico.
É o ataque numa escola mais mortífero da última década, sublinharam as autoridades locais, mas está longe de ser o único. Só este ano, os Estados Unidos já registaram 212 ataques em massa com armas de fogo – ou seja, ataques em que pelo menos quatro pessoas foram atingidas ou mortas, não incluindo o atacante, segundo critérios da organização Gun Violence Archive.
Há cerca de duas semanas, um homem com motivações racistas abriu fogo num supermercado em Buffalo, Nova York, tendo matado dez pessoas. Poucos dias depois deste ataque, o FBI revelou que o número de massacres com armas de fogo aumentou 51% no ano passado. Foram registados 61 incidentes em 30 estados norte-americanos: 103 pessoas morreram e 140 ficaram feridas.
O ano mais sangrento, segundo o FBI, foi 2017, quando 143 pessoas perderam a vida e 591 ficaram feridas em apenas 31 acidentes. Em outubro desse ano, um homem matou 60 pessoas num hotel em Las Vegas, ferindo 411.
Vários responsáveis políticos já falaram entretanto sobre o que aconteceu no Texas, com Joe Biden a pedir coragem para enfrentar o lobby das armas nos EUA. “Enquanto nação, temos de ter coragem para agir e perceber que políticas públicas sensatas [são necessárias] para garantir que algo como isto nunca mais volta a acontecer”, concordou Kamala Harris, vice-presidente.
Número de mortes em ataques com armas de fogo em 2022, nos Estados Unidos. Fonte: Gun Violence Archive
Estes apelos não são novos. “Estamos reféns de 50 senadores em Washington”, lamentou o treinador Steve Kerr, apontando que 90% dos norte-americanos, independentemente da cor partidária, são a favor da verificação obrigatória de antecedentes para toda a gente que deseja adquirir uma arma de fogo.
Esta percentagem surge em alguns estudos de opinião, mas ainda não se refletiu no poder legislativo. Em 2013, uma lei que previa justamente isso – verificação de antecedentes criminais e mentais em lojas físicas e online – foi chumbada no Senado dos EUA com 46 votos contra, incluindo cinco democratas. A lei foi votada apenas quatro meses depois do massacre da escola Sandy Hook, no Connecticut, que matou 20 crianças e seis adultos.
Gabriele Giffords, uma ex-congressista que tinha sido alvejada na cabeça em 2011 durante um ataque que vitimou seis pessoas no Arizona, ficou furiosa com o chumbo. Joe Biden, então vice-presidente de Barack Obama, garantiu-lhe que a decisão iria enfurecer a população dos EUA, pressionando os legisladores a tomar medidas. Mas isso não aconteceu. Desde o ataque na escola Sandy Hook, em menos de dez anos, o Gun Violence Archive já registou 3500 massacres com armas de fogo nos EUA.
Desde então, a alteração legislativa para introduzir verificação obrigatória de antecedentes no momento de adquirir uma arma voltou a estar na agenda da política norte-americana. Em 2019, por exemplo, três senadores garantiram que estavam “prontos para retomar o trabalho bipartidário” sobre o tema, e que estavam perto de chegar a acordo com o então Presidente Donald Trump.
Trump chegou a dizer que era favorável a um maior controlo de antecedentes criminais e mentais, mas segundo o "Washington Post” mudou de opinião depois de falar com o líder da National Rifle Association, a maior organização lobista pró-armas dos EUA, que lhe terá lembrado que se apoiasse a medida iria perder a sua base de apoio republicana.
Assim, de desastre em desastre, os EUA ainda não encontraram um consenso para começar a travar a violência que assola o país há décadas: segundo uma sondagem feita pelo Pew Research Center em 2021, 42% dos norte-americanos acreditam que mais legislação não iria diminuir o número de massacres com armas de fogo, e 9% consideram que mais leis iriam até fazer aumentar o número de incidentes. Há mais votantes do Partido Republicano a querer dar armas aos professores (66%) do que a defender a criação de uma base de dados nacional de vendas de armas (43%).
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