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A Austrália foi a votos e afastou o governo no poder há nove anos: porque é que esta eleição é importante para o mundo inteiro?

Anthony Albanese à chegada à sede de campanha na noite eleitoral
Anthony Albanese à chegada à sede de campanha na noite eleitoral
WENDELL TEODORO

Eleitores votaram numa viragem à esquerda. Governo eleito será determinante para a política climática adoptada no maior emissor mundial de gases com efeito de estufa por consumo de carvão - mas tudo depende ainda do partido que escolher para formar uma maioria. Só falta um deputado

A Austrália foi este sábado às urnas para eleger um novo governo, numa eleição vista como fundamental para definir a abordagem do país à crise climática, num país onde a política climática influenciou a queda de três primeiros-ministros em apenas uma década.

Os eleitores afastaram o atual governo que estava no poder desde 2013. O primeiro-ministro Scott Morrison admitiu a derrota assim que foram conhecidos os resultados preliminares. Os resultados oficiais confirmaram uma pesada derrota: o partido conseguiu 50 assentos, menos 26 do que nas eleições anteriores.

Inversamente, a oposição conquistou mais sete mandatos. Com 75 deputados, o Partido Trabalhista fica a um dos necessários para a maioria absoluta. O líder Anthony Albanese demonstrou-se confiante de que conseguirá governar com um bancada minoritária, mas os parceiros que escolher poderão ter um papel fundamental no futuro da Austrália (e do mundo).

Política ambiental foi tema quente na corrida eleitoral

Nos últimos anos, o subcontinente enfrentou seca extrema, incêndios florestais sem precedentes, anos sucessivos de cheias recorde e seis eventos de branqueamento em massa na Grande Barreira de Coral. Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o país está extremamente vulnerável às alterações climáticas e avança para um futuro repleto de desastres naturais.

No entanto, o país continua profundamente dependente de carvão e é um grande fornecedor global de combustíveis fósseis. Segundo uma análise divulgada em 2021 durante a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), a Austrália tem o maior volume de emissões per capita de carvão a nível mundial. É cinco vezes maior do que a média global e 40% maior do que qualquer outro grande consumidor de energia a carvão. Apesar de ter apenas 0,3% da população mundial, o país é responsável por 1% das emissões mundiais. Se forem consideradas as emissões resultantes das exportações, o país torna-se responsável por 3,6% das emissões globais.

De acordo com a BBC, os estudos de opinião indicam que a maioria dos eleitores defende uma ação climática mais robusta. Nas últimas semanas foram vários os protestos climáticos nas várias cidades australianas. No entanto, existem algumas cidades mineiras em círculos eleitorais inconstantes que são fundamentais para vencer as eleições.

Manifestação pelo clima em Sydney, a 6 de maio de 2022
Don Arnold

Metas pouco ambiciosas do governo cessante significariam um aumento de 3ºC se fossem adoptadas por outros governos

O governo que agora cessa funções foi fortemente criticado devido à inatividade no campo das ações climáticas. Em outubro de 2021, o tema gerou especial polémica quando anunciaram a meta de redução de emissões de curto prazo (que ficou em metade do que o IPCC considera necessário para o mundo conseguir limitar o aquecimento a 1,5°C e muito criticada por se basear em tecnologias que ainda não existem).

No ano passado, em antecipação da COP26 e após anos de campanha interna dentro da própria coligação, o governo de Scott Morrison (Partido Liberal) conseguiu estabelecer o compromisso do país reduzir as emissões para 0% em 2050. No entanto, o seu vice-primeiro-ministro Barnaby Joyce (Partido Nacional) é publicamente contra esta medida, tendo afirmado publicamente que os australianos de áreas rurais vão ter de "pegar numa espingarda e começar a abater o seu gado" para cumprir estas metas.

Já do lado da oposição que agora poderá formar governo, o Partido Trabalhista quer estabelecer uma redução de emissões de 43% até 2030, um plano mais ambicioso do que os 26% pretendidos pelo governo cessante. Com esta meta seria possível limitar o aquecimento global a cerca de 1,6ºC. Ainda que aquém das recomendações do IPCC, colocaria a Austrália em linha com os seus principais parceiros (Canadá, Coreia do Sul e Japão), defende o líder trabalhista, Anthony Albanese.

Ao abrigo desta coligação, atividades com elevadas emissões - como o setor mineiro - continuariam protegidos. Por sua vez, os trabalhistas prometem não deixar estes setores numa posição de desvantagem face a competidores internacionais. O partido não prometeu fechar minas e chegou mesmo a assumir que não irá opor-se a novas explorações, se estas fizerem sentido comercial. Em alternativa, propõe tornar os carros elétricos mais baratos e melhorar as opções de armazenamento nas energias renováveis.

Dos dois lados, a esperança é que o mercado consiga fasear o uso de carvão sem intervenção estatal direta, uma estratégia considerada arriscada pelos especialistas.

Scott Morrison durante discurso de concessão de derrota
Asanka Ratnayake

Sem maioria absoluta, escolha dos parceiros governativos poderá ditar ambição da nova política climática

Historicamente, o país alterna entre a coligação Liberal-Nacional e o Partido Trabalhista. Contudo, estas eleições marcam apenas a terceira vez que a maioria absoluta dos 151 assentos parlamentares não foi alcançada (só tinha acontecido anteriormente em 1940 e 2010).

No entanto, tal como noutros países, o eleitorado tem-se dispersado.

Nestas eleições, uma fatia muito significativa dos votos ficou com os candidatos de alto-perfil apelidados "teal independents" ( "independentes azul-esverdeado", numa referência que os coloca algures entre o Partido Nacional e Trabalhista), que de três passaram agora a ocupar dez lugares no Parlamento. Uma parceria com este grupo de liberais - na sua maioria mulheres financiadas essencialmente por pequenos doadores - poderia significar renegociar a meta de emissões de 2030 para 50%.

Em alternativa, o Partido Trabalhista poderá virar-se para os partidos mais pequenos como parceiros governativos.

No boletim de voto existiam várias opções com posicionamentos diametralmente opostos nesta matéria. Enquanto os Verdes consideram que alcançar as emissões zero seria uma sentença de morte e defendem um corte de 75% até 2030 e a neutralidade carbónica cinco anos depois, o partido populista de extrema-direita One Nation Party promove-se como o único partido que questiona as alterações climáticas e quer eliminar as metas já estabelecidas.

No fim das contas, apenas a Aliança Central e o Katter's Australian Party conseguiram manter um mandato cada, enquanto os Verdes perderam o seu único deputado. Os dois partidos eleitos defendem a manutenção das metas estabelecidas pelo governo cessante.

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