Num debate combativo, mas sereno, Macron terá ganho aos pontos, que não por KO
Emmanuel Macron e Marine Le Pen debateram mais de duas horas e meia no pequeno ecrã
LUDOVIC MARIN/AFP/Getty Images
Era Marine Le Pen quem mais precisava de uma vitória clara no frente a frente televisivo. Não a terá conseguido, mas afastou o fantasma da derrota esmagadora no debate de há cinco anos. Para o eleitorado ficaram dois projetos nitidamente divergentes
Depois do debate presidencial desta quarta-feira à noite em França, o Presidente Emmanuel Macron aparece cada vez mais favorito para a reeleição, segundo as primeiras reações e as sondagens anteriores. A segunda volta das eleições realiza-se no próximo domingo, 24 de abril.
Ao longo de mais de duas horas e meia de frente a frente, o recandidato centrista e liberal esteve quase sempre ao ataque e deixou à defesa a adversária nacionalista Marine Le Pen, designadamente sobre temas como a imigração, o islamismo ou as questões económicos. A emissão passou em diversos canais televisivos franceses.
“Quero restituir aos franceses o seu dinheiro”, arrancou Le Pen, cuja campanha para a primeira volta se centrou no poder de compra, que franceses e europeus sentem encolher num contexto de forte inflação. Enquanto propunha baixar os impostos de forma “perene” — afastando-se de medidas provisórias adotadas pelo atual Governo —, o chefe de Estado esforçava-se por demonstrar o irrealismo das ideias da rival.
O mesmo se aplicou aos salários, com Macron a recordar a Le Pen que não é o Presidente que os gere. “E o senhor não gere os prémios”, reagiu Le Pen, face à proposta de Macron de benefícios fiscais às empresas que concedam prémios salariais.
Laços incómodos com o Kremlin
A candidata nacionalista optou por uma postura mais moderada do que a que escolheu para o debate de há cinco anos, em que a vitória de Macron foi consensual. Desta vez não foi esmagada, apesar de o duelo ter tido momentos de forte tensão, por exemplo quando foram evocadas as suas relações com Vladimir Putin. “Você depende do poder russo”, acusou Macron, por o partido de Le Pen ter obtido um empréstimo de um banco russo, que ainda está a pagar. A explicação da visada: “Nenhum banco francês quis emprestar-me dinheiro”.
Isto após a líder do Ajuntamento Nacional (RN) ter recusado a ideia de embargo europeu ao gás russo. Macron chamou-lhe ainda “uma das primeiras responsáveis políticas europeias, desde 2014, a reconhecer o resultado da anexação da Crimeia”.
Le Pen contra-atacou com as vezes em que o Presidente se reuniu com Putin depois dessa anexação. Mas Macron esgrimiu os votos dos eurodeputados do RN, em tudo contrários às juras de apoio à Ucrânia que a chefe do partido nacionalista repetiu.
Europa reforçada ou das nações?
A Europa é uma linha de fratura: onde Macron quer uma União “mais integrada”, Le Pen deseja alterar as coisas em prol de uma “aliança europeia de nações”. Deixou, contudo, de falar de saída da UE ou do euro. O Presidente crê que esse continua a ser o objetivo, agora “sem lhe dizer o nome”. E ironiza “se 80% do seu programa mudou, isso é boa notícia”.
Idade da reforma, alterações climáticas — com Macron a censurar a “cética climática” Le Pen e esta a chamar-lhe “hipócrita climático” e praticante de “ecologia punitiva” —, educação e estatuto dos professores foram outras questões em debate. E se ambos defendem um Estado laico, Macron teme que a retórica xenófoba de Le Pen conduza à “guerra civil”, ao criar uma equivalência falsa entre islão e terrorismo.
Le Pen teria de bater claramente o adversário para ter algumas hipóteses de vencer a eleição presidencial, mas não o conseguiu. Resistiu, transmitiu uma imagem mais suave do que a do primeiro debate entre ambos, há cinco anos, mas não conseguiu vencer o Presidente num confronto que decorreu de forma bastante tecnocrática. Chegou a ser aborrecido, por ter sido muito marcado por saldos, contas e números.
Combativo e sempre ao ataque, Macron foi imbatível neste domínio. Ao contrário do sucedido em debates do passado, não se verificou esta noite qualquer incidente de relevo, decisivo, durante o frente a frente. Por não ter sido cilindrada, Le Pen poderá obter, no próximo domingo, o melhor resultado de sempre da extrema-direita numa eleição presidencial em França.
A quatro dias da votação decisiva, só um “terramoto” imprevisível poderá impedir a reeleição de Macron (favorito nos estudos de opinião) para um mandato de mais cinco anos no Eliseu. Uma sondagem instantânea desta noite, junto dos telespetadores do canal BFMTV, indicou que Macron foi mais convincente do que Le Pen – com 59% a seu favor. Em termos de intenção de voto, as previsões da última semana (ainda antes do debate) dão a vitória a Macron com 53 a 56% dos sufrágios.