“Sem reservas, sem meias palavras.” André Ventura condenou esta quinta-feira, em debate da comissão permanente da Assembleia da República, a ofensiva russa na Ucrânia. A posição oficial do Chega sobre o assunto, assumida pelo seu presidente, tem sido efetivamente de condenação desde que, no início da semana, Vladimir Putin reconheceu as repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk como independentes. No entanto, António Tânger Corrêa, vice-presidente do Chega, ‘escreveu’ no mesmo dia, no Facebook, sobre “decisões irrefletidas, idiotas e perigosas (para não dizer outra coisa) do Governo de Kiev”. Ou seja, usando “reservas” e “meias palavras” e condenando as autoridades ucranianas e não as russas. (Na verdade, trata-se de “um texto copiado, mas interessante”, esclareceu mais tarde o vice-presidente. O verdadeiro autor viria a reclamar a autoria do texto, o que não impediu Tânger Corrêa de ir reagindo a comentários de utilizadores que assumiam que aquelas palavras eram suas.)
Na sua intervenção parlamentar, Ventura apontou o dedo aos partidos que “são incapazes de condenar esta bárbara invasão territorial da Rússia e continuam a dizer que devíamos abandonar a NATO e renunciar às armas nucleares”. “Seria muito bonito defendermo-nos com poemas, com palavras e com rosas na mão, mas não é assim que o regime de Vladimir Putin entende”, sublinhou.
Ora, no seu próprio partido e num lugar tão destacado como uma vice-presidência encontra-se alguém que ‘fala’ nas “muitas decisões erradas de Kiev” e num “‘cerco’ da Rússia a ocidente”. Tânger Corrêa vai ainda mais longe, apropriando-se do texto como seu para dizer que Putin “entendeu agora tentar reverter a situação ou, pelo menos, evitar que ela se agrave”. Mais: “Também não compreendo o coro de lamentações que se ergue da parte daqueles que não se indignaram quando os Estados Unidos e seus aliados e a NATO atacaram, invadiram e ocuparam, sob falsos pretextos, territórios a milhares de quilómetros de distância, como foi o caso da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque e da Líbia, para só referir os mais recentes.”
Tânger Corrêa, que foi cônsul-geral de Portugal em Goa e no Rio de Janeiro, embaixador na Bósnia, Sérvia, Israel, Egito, Catar e Lituânia e o primeiro secretário da embaixada portuguesa em Pequim, ‘afirma’ não acreditar que “a Rússia tenha a intenção de ocupar militarmente a Ucrânia”, o que, na sua opinião (e na do verdadeiro autor do texto), “constituiria um erro grave”. E volta a apontar a mira à Ucrânia, especificamente ao seu Presidente, Volodymyr Zelensky (mais uma vez, apropriando-se de palavras alheias): “O Governo do Presidente Zelensky (e dos seus acompanhantes) ignorou voluntariamente a conjuntura do país, optando por um alinhamento com Washington e apoiando-se em elementos oriundos de forças estranhas, incluindo confessados nazis, como os membros do Batalhão de Azov.” “Houve, ao longo dos últimos oito anos, provocações e agressões a cidadãos considerados pró-russos, sem qualquer reação do Governo central”, ‘prossegue’, reportando-se à atuação do Executivo ucraniano desde a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.
“O facto de Volodymyr Zelensky ter passado dos palcos da televisão para o palco da política foi um desastroso erro de ‘casting’”, sentencia ainda Tânger Corrêa, à boleia do autor do texto. Zelensky tomou posse como Presidente da Ucrânia em 2019 depois de se notabilizar como comediante num programa de televisão.
O longo texto, copiado na íntegra e depois descrito como “aliás, muito bom” pelo vice-presidente do Chega, surge em comentário à discussão gerada por uma publicação sua, datada do dia 15: “Mas alguma vez vai haver uma guerra? Estes comentadeiros metem dó pela ignorância!!!!”.
Bastante mais consentânea com a posição assumida por Ventura é a de Nuno Afonso. O vereador eleito pelo Chega em Sintra escreve esta semana no semanário “Novo” sobre a tensão entre a Ucrânia e a Rússia. “Que ninguém tenha dúvidas de que o plano de Putin é reconquistar outros países ou regiões anteriormente soviéticas, seja por via política, como tentou inicialmente na Ucrânia, ou por via militar quando a anterior não produzir os resultados que pretende”, defende o ex-vice-presidente do partido e atual vogal da direção.
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