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Ricardo Espírito Santo e a conspiração nazi. Colaboração do banqueiro com os alemães dada como certa

Há cada vez mais fontes e documentos a garantirem que Edward Windsor cometeu traição e colaborou com os nazis. O mesmo sucede com Ricardo Espírito Santo que o abrigou na sua casa de Cascais durante o verão de 1940. As conclusões são da mais recente investigação do historiador Andrew Lownie

Ricardo Espírito Santo e a conspiração nazi. Colaboração do banqueiro com os alemães dada como certa

Paulo Anunciação

Correspondente em Londres

No verão de 1940, os duques de Windsor — Edward Windsor, de 46 anos, e a mulher Wallis Simpson, de 44 — passaram 29 noites no casarão cor de rosa do banqueiro Ricardo Espírito Santo na Boca do Inferno, nos arredores da vila de Cascais. Muito se escreveu, desde então, sobre o que realmente se passou naqueles dias dentro das paredes da casa de um dos homens mais ricos e mais influentes de Portugal. Edward e Wallis eram, então, o casal mais famoso no mundo inteiro. Por que razão permaneceram tantos dias no nosso país? E qual foi realmente o papel de Ricardo Espírito Santo, avô de Ricardo Salgado, durante a estada: mero anfitrião, companheiro de mesa e de golfe ou, antes, emissário ao serviço da Alemanha de Hitler?

O escritor e historiador britânico Andrew Lownie, autor do recente “Traitor King: The Scandalous Exile of The Duke and Duchess of Windsor” (Bonnier Books, Londres), não tem qualquer dúvida: “[Ricardo] Espírito Santo era um agente alemão. E foi durante esta estada em Portugal, em plena Segunda Guerra, que o duque cometeu o maior ato de traição contra a pátria”, diz Lownie. “Antes de deixar Portugal no dia 1 de agosto rumo às Caraíbas, o duque aceitou cooperar com a Alemanha nazi. E combinou um código secreto com Ricardo. Esse código serviria para avisar o duque que chegara a altura de ele regressar de imediato à Europa.”

Umas semanas mais tarde, numa altura em que várias cidades do Reino Unido sofriam ataques sucessivos dos bombardeiros da Luftwaffe, o duque de Windsor enviou, de facto, um telegrama em código para o banqueiro português. Lownie descreve este telegrama como a “prova fatal”. “[O duque de] Windsor comunicou em tempo de guerra com Espírito Santo, um conhecido agente do inimigo. Este facto, por si só, seria suficiente para o duque ser julgado e incriminado ao abrigo do Treachery Act 1940 [Lei da Traição à Pátria]”, diz. “Muitos outros foram condenados à morte por muito menos do que isto.”

Além da entrevista com Lownie, o Expresso investigou toda a documentação disponível em The National Archives (TNA), em Kew, no sudoeste de Londres — a maior coleção de arquivos do mundo, onde estão guardados os segredos de mil anos da história britânica. Era Ricardo Espírito Santo realmente um agente ao serviço da Alemanha?

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Na manhã de 3 de julho de 1940, uma quarta-feira, uma caravana pouco usual de dois carros e um reboque atravessou tranquilamente a fronteira Badajoz-Elvas e entrou em Portugal. Num dos veículos, um Buick, seguiam os duques de Windsor com os seus três cães de raça terrier. O carro era conduzido pelo motorista e transportava, igualmente, o major Gray Phillips, assessor do duque. No segundo veículo, um Citroën, seguia um casal amigo da família e a criada francesa da duquesa de Windsor, mademoiselle Moulichon. Este carro puxava um reboque com a enorme bagagem.

A estada em Portugal prolongou-se porque a casa do banqueiro Espírito Santo se transformou num inesperado centro de intriga internacional

A caravana chegou à localidade de Cacilhas, à beira do Tejo, ao final da tarde. A viagem através do Alentejo decorreu sem grandes contratempos, excetuando, talvez, os minutos perdidos em Elvas. A comitiva entrou por engano no centro histórico da cidade e os motoristas pura e simplesmente foram incapazes de manobrar os veículos nas ruas estreitas e labirínticas. Valeu-lhes o povo de Elvas. A população reconheceu de imediato os turistas ilustres e pegou nos carros em mãos para os colocar na rota certa. O almoço deveria ter acontecido na quinta de uma família britânica nos arredores de Vila Viçosa, mas os duques preferiram fazer um piquenique à beira da estrada. A sombra de um sobreiro protegeu-os do sol abrasador do verão alentejano. Depenicaram então as sardinhas em lata e as ameixas de Elvas que a população local lhes oferecera.

A comitiva atravessou o Tejo num ferry cacilheiro e foi recebida no Cais do Sodré por uma pequena multidão e uma mão-cheia de jornalistas portugueses cerimoniosos. Era a segunda vez que Edward Albert Christian George Andrew Patrick David Windsor, o homem que vivera grande parte da sua vida como príncipe de Gales e como herdeiro do maior império do mundo punha os pés na capital portuguesa (a primeira vez ocorrera em abril de 1931 por ocasião de uma curta visita de Estado). Apesar de ter reinado brevemente como Eduardo VIII desde janeiro de 1936 até abdicar, em dezembro desse mesmo ano, o ex-rei não tinha qualquer estatuto oficial e não podia, por isso, pernoitar na embaixada britânica em Lisboa. Um adido da embaixada tinha reservado quartos para os duques e comitiva no Hotel Palácio, no Estoril, um hotel que poucos anos após a sua inauguração, em 1930, se tornara já num dos destinos preferidos da aristocracia e da realeza europeias.

Nesse mesmo dia, no entanto, o diretor do hotel telefonou para a embaixada e informou que os duques não poderiam ficar no Palácio. O hotel, afinal, não tinha quartos condignos disponíveis. E não poderia garantir a segurança dos hóspedes. O mesmo diretor informou que já tinha feito os arranjos necessários para que o casal ficasse no casarão da família do banqueiro Ricardo Espírito Santo, na Boca do Inferno.

Barão Oswald von Hoyningen-Huene, embaixador alemão em Lisboa desde 1934

A novidade não foi bem recebida na embaixada. Os serviços secretos britânicos desconfiavam das crescentes tendências germanófilas do banqueiro. Ricardo Espírito Santo era, para mais, amigo íntimo do barão Oswald von Hoyningen-Huene, embaixador alemão na capital portuguesa desde 1934. Mas todas essas suspeitas foram momentaneamente esquecidas. Afinal de contas, estava previsto que os duques de Windsor não ficariam mais do que duas ou três noites em Portugal.

O casal vivera em França desde 1937. Em maio de 1940, quando as forças da Alemanha nazi controlavam já grande parte da Europa ocidental e se preparavam para invadir a França, os duques deixaram Paris e foram viver para o Château de la Croë, a mansão que eles arrendavam em Cap d’Antibes, na Côte d’Azur (a casa, à beira do Mediterrâneo, pertence desde 2004 ao oligarca russo-lituano-israelo-português Roman Abramovich). Em junho de 1940, face ao avanço das tropas alemãs e à declaração de guerra da Itália contra a França, os duques seguiram de carro para Espanha. Em 20 de junho estavam em Barcelona e três dias depois em Madrid. O objetivo final era Lisboa. O Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico) comunicou que enviaria de imediato um hidroavião para recolher os duques em Portugal e trazê-los de volta para Inglaterra.

Os duques de Windsor, no entanto, não ficariam apenas duas ou três noites na Boca do Inferno. Acabaram por ficar quase um mês. Invocaram uma série de razões, incluindo uma de ordem prática: a duquesa não gostava de aviões; além disso, seria impossível transportar toda a bagagem dela no porão do hidroavião. Na realidade, a estada em Portugal prolongou-se porque a casa do banqueiro Espírito Santo se transformou num inesperado centro de intriga internacional. De um lado estavam os partidários da causa alemã, que olhavam para o duque como um amigo e aliado. O casal Windsor visitara a Alemanha em outubro de 1937 e nunca escondera a admiração pelo regime de Adolf Hitler. Pela casa de Cascais passou um vaivém de emissários e espiões ao serviço da Alemanha, que tentaram influenciar o duque. Para estes, conviria que ele ficasse em standby na Península Ibérica de forma a poder ser usado como trunfo da propaganda nazi ou, inclusive, como um rei-fantoche a reinstalar no trono britânico após uma paz negociada ou eventual vitória alemã. O Governo britânico do novo primeiro-ministro Winston Churchill — que subira ao poder umas semanas antes, em maio de 1940 — queria que o casal Windsor regressasse de imediato à Inglaterra. Ou então que permanecesse bem longe da Europa.

“O sentimento pró-germânico do duque de Windsor é o resultado da combinação de uma série de fatores”, explica Andrew Lownie. “Por um lado, ele pensava que a verdadeira ameaça era o comunismo e que através de um acordo com Hitler seria possível evitar que o exército britânico entrasse na guerra. Muita gente, aliás, partilhava esta opinião no país [Reino Unido]. Depois há uma questão humana e familiar. Edward tinha muitas ligações às casas reais de Hesse e Saxe-Coburgo. Dos 16 tetravós, 14 eram alemães. Ele falava alemão fluentemente. Passou grande parte da juventude na Alemanha. Também há, por fim, uma questão pessoal. Era um homem muito vaidoso. Edward sentiu-se muito lisonjeado com a atenção que os alemães lhe dedicaram. Além disso, queria demonstrar à mulher, Wallis, que ele ainda tinha um papel a desenrolar a nível global e que não tinha abdicado das responsabilidades públicas.”

Wallis e Edward na casa cor de rosa, em Cascais. O duque de Windsor abdicara do trono três anos antes, por amor à multidivorciada norte-americana

Um relatório de dez páginas escrito por um agente da polícia secreta portuguesa (denominada, então, PVDE) revela os pormenores do dia a dia dos duques em Portugal. Eles ocuparam uma suíte no primeiro andar da casa, decorada pelo próprio Ricardo Espírito Santo com mobiliário do século XVIII e com vista para o Atlântico. Em julho de 1940, a Alemanha dominava já grande parte da Europa ocidental e mudava o foco da guerra para o outro lado da Mancha. Na mesma altura em que várias cidades britânicas começavam a ser bombardeadas por raides sucessivos da Luftwaffe, o duque de Windsor preenchia o seu tempo no Clube de Golfe do Estoril, em passeios por Sintra e Lisboa ou à volta da piscina na casa da Boca do Inferno. O relatório, guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, foi lido por Salazar no dia 26 de julho. Inclui pormenores deliciosos, como o pedido para ir buscar uma manicura ao Estoril. Ou o serão passado na casa da duquesa de Palmela, em Sintra, que deixou o duque “um pouco pesado devido ao excesso de bebidas”. Os dias e as noites portuguesas do ex-rei incluíram jantares com os amigos Rothschild no restaurante Casa da Laura, em Cascais, noitadas de bridge, uma ida à tourada em Algés e a compra de charutos na Rua 1º de Dezembro, em Lisboa. Enquanto isso, nos bastidores, jogava-se um jogo de influências. Apesar da pressão alemã, o duque de Windsor acabou por render-se ao ultimato de Churchill, que chegou a ameaçá-lo com tribunal marcial. Os duques deixaram Lisboa na tarde de 1 de agosto de 1940 rumo às Bahamas, para onde Edward fora destacado como governador. No porão do paquete “Excalibur” seguiram as 85 malas de bagagem do casal Windsor.

O investigador Lownie não tem dúvidas sobre a afinidade de Ricardo Espírito Santo com a causa pró-germânica. “Há imensas provas nesse sentido. Baseio-me numa série de pessoas e sobretudo em diários que não eram, obviamente, destinados a ser lidos pelo grande público”, diz. Andrew Lownie, de 60 anos, estudou na Universidade de Cambridge e concluiu o doutoramento na Universidade de Edimburgo. Além de uma longa carreira como agente literário, ele é igualmente autor de biografias de êxito sobre figuras que marcaram a história britânica do século XX, como o espião soviético Guy Burgess ou lorde Mountbatten, último vice-rei da Índia. Sentado numa poltrona da casa dele no bairro de Westminster, bem no centro da capital britânica, Lownie fala sem hesitações, sob os olhares dos antepassados retratados nas paredes da sala acanhada.

Ele mostra algumas das provas que recolheu. Começa pelos diários privados de Alan Lascelles (1887-1981), um aristocrata e alto-funcionário público que trabalhou como secretário real de quatro monarcas britânicos entre 1920 e 1953. Numa entrada escrita em outubro de 1945, numa altura em que o duque de Windsor, já depois da Segunda Guerra, tentava ser colocado como embaixador britânico na Argentina, Lascelles foi perentório: “[O primeiro-ministro] Atlee tinha uma audiência com o rei depois do almoço e falámos sobre este assunto. (…) O duque tem alguns segredos pessoais desagradáveis (…), por exemplo as ligações a homens como Axel Wenner-Gren, [Charles] Bedaux ou Ricardo Espírito Santo Silva — todos agentes alemães comprovados”. Lascelles acrescenta: “Nenhum diplomata profissional com este tipo de associações seria alguma vez colocado numa embaixada tão importante — ou mesmo colocado em qualquer tipo de emprego.”

Lownie refere igualmente uma nota escrita por Desmond Morton (1891-1971), um militar que trabalhou como assessor pessoal de Churchill para assuntos de espionagem. Morton tinha acesso às informações secretas alemãs que eram intercetadas diariamente no centro de escutas e decifração de Bletchley Park. “Ricardo Espírito Santo é muito pró-alemão. Os bancos britânicos, com quem ele tem muitos negócios, consideram-no sólido financeiramente. Mas politicamente, [Ricardo Espírito Santo] é um bandido. Ele lida com enormes somas de dinheiro que chegam da Alemanha através da Suíça. Este dinheiro é quase de certeza o saque que os alemães capturaram nos países ocupados”, escreveu ele no relatório do dia 4 de agosto de 1940 enviado ao primeiro-ministro Churchill.

Os diários que Guy Liddell produziu durante a Segunda Guerra são, segundo Lownie, particularmente importantes. Liddell (1892-1958) trabalhou durante mais de duas décadas no topo da hierarquia dos serviços britânicos de contraespionagem (MI5). “Estes diários mostram como ele [Ricardo Espírito Santo] era, de facto, o banqueiro dos nazis”, diz Lownie. Num longo verbete escrito em agosto de 1945, por exemplo, Liddell refere que “o Banco Espírito Santo, claro, é conhecido por todos nós como uma agência de transmissão de fundos para os agentes alemães”. Nessa mesma entrada, Liddell faz também referência à importância do telegrama em código que o duque de Windsor enviou em meados de agosto de 1940 ao banqueiro português.

Ronald Campbell, embaixador britânico em Lisboa entre 1940-45

O nome da família Espírito Santo figura em muitos dos documentos do período da Segunda Guerra, referentes a Portugal, que nas últimas décadas foram abertos ao público pelos arquivos TNA britânicos. Ricardo Espírito Santo é provavelmente a personalidade portuguesa — com a exceção, óbvia, de António Salazar — mais citada e analisada nos despachos secretos guardados em Kew. Os arquivos TNA incluem, por exemplo, uma série de dossiês de 1941 sobre a intenção de o Ministério britânico da Guerra Económica (MEW) colocar o Banco Espírito Santo na lista negra. O relatório inicial do MEW critica as “transações significativamente hostis” operadas pelo banco e nota que as “inclinações políticas do dono [do banco, Ricardo Espírito Santo] são claramente pró-Eixo”. “As provas na posse do MEW são particularmente graves e contundentes”, lê-se numa carta que o Foreign Office enviou ao embaixador britânico em Lisboa, Ronald Campbell, em abril de 1941.

Um outro relatório, assinado pelo coronel A. H. Robertson, do MI5, acrescenta: “Em Londres, a opinião generalizada é de que a assistência que ele [Ricardo Espírito Santo] forneceu aos alemães foi muito além do que seria exigível pela posição de neutralidade de Portugal.” A influência de Campbell, no entanto, foi decisiva. O embaixador tinha relações muito próximas com a família Espírito Santo e apressou-se a enviar vários relatórios para Londres criticando uma medida que iria trazer “consequências políticas extremamente lamentáveis”. Colocar o Banco Espírito Santo na lista negra seria, na opinião dele, um “erro muito grande, que iria causar a irritação desnecessária do primeiro-ministro Salazar”. O processo de 1941 foi encerrado com uma mera advertência — a terceira, desde o início da Guerra — endereçada pessoalmente a Ricardo Espírito Santo.

A possibilidade de colocar o banco na lista negra seria, aliás, um tema que voltaria a ressurgir, mais do que uma vez, até ao final do conflito. Em maio de 1944, o Banco Espírito Santo foi efetivamente colocado na lista negra dos EUA. A amizade e influência de Campbell eram, neste caso, irrelevantes. Três meses mais tarde, em agosto de 1944 — numa altura em que a derrota nazi já parecia mais do que certa —, o banco comprometeu-se perante os Aliados, finalmente, a “cessar todas as operações que tivessem como origem ou destino a Alemanha ou territórios por ela controlados”.

Numa nota confidencial de 7 de fevereiro de 1946, guardada nos arquivos TNA, um funcionário superior do Foreign Office, G. H. Villiers, critica abertamente a proximidade entre o antigo embaixador (Ronald Campbell deixou Lisboa no verão de 1945) e o banqueiro português. Numa referência direta a Campbell, Villiers refere que “as relações durante a Guerra entre membros da embaixada britânica em Lisboa e o principal agente financeiro de Hitler em Portugal [Ricardo Espírito Santo] deveriam ter sido inexistentes ou, pelo menos, extremamente distantes e formais — o que não aconteceu. Longe disso, na verdade”.

Os arquivos TNA também guardam alguns segredos inesperados que vão para lá da espionagem ou dos meros negócios em tempo de guerra. Referem, por exemplo, uma provável liaison entre Ricardo Espírito Santo e Yvonne Delidaise, uma franco-alemã que vivia em Paris e colaborava com agentes da Abwehr, os serviços secretos militares alemães. O banqueiro terá conhecido Yvonne durante uma estada no Hotel Ritz, em Madrid, no primeiro semestre de 1943. Delidaise tinha, na altura, 24 anos e é descrita em relatórios secretos britânicos como “bonitinha, baixa (1,60 metros), pele branca, cabelos compridos e olhos azuis claros — uma rapariga simpática, mas sem grandes princípios”. Yvonne Delidaise viajara para Madrid com uma amiga. Oficialmente era uma viagem de prospeção de negócios, com o objetivo eventual de abrir uma casa de alta-costura em Madrid ao estilo da Maison Jacques Heim. A missão ibérica de Yvonne incluía igualmente uma viagem até Lisboa, que nunca chegou a acontecer. As autoridades portuguesas não lhe concederam visto de entrada.

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No dia 18 de março de 1955, o embaixador de Portugal em Londres, Pedro Teotónio Pereira, enviou uma carta confidencial ao presidente do Conselho de Ministros António de Oliveira Salazar. Nesta carta, Teotónio Pereira relata uma conversa que tivera com Nigel Ronald, antigo embaixador britânico em Lisboa: “Sir Nigel disse que precisávamos de falar sobre um assunto sério e melindroso. Tinham sido encontrados papéis dos alemães com referências abundantes à ação do Ricardo no começo da guerra. Os papéis eram desagradáveis e ele, sir Nigel, fizera o possível para matar ou adiar a publicação desses documentos.”

Barão Oswald von Hoyningen-Huene, embaixador alemão em Lisboa desde 1934

Ronald terá tentado, mas os papéis foram mesmo publicados. Esses documentos faziam parte de um arquivo monumental que ficou conhecido como “Arquivo Marburg” — cerca de 400 toneladas de correspondência secreta oficial do antigo Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão que foram capturadas pelos militares norte-americanos em abril de 1945 e depois armazenadas no palácio de Marburg, a norte de Frankfurt. A documentação referente ao verão de 1940 incluía muito material sobre as estadas do duque de Windsor em Espanha e em Portugal. Os americanos passaram esse material para as mãos das autoridades britânicas, mas guardaram cópias em microfilme.

Os britânicos tentaram manter toda a documentação sobre o duque de Windsor guardada a sete chaves. Muito do material era potencialmente embaraçoso. Chegaram a pedir aos aliados americanos a destruição dos microfilmes. E quando uma comissão multinacional de historiadores anunciou a publicação de um volume com uma seleção de documentos desse período (23 de junho a 31 de agosto de 1940), os britânicos voltaram à carga. “Muito material [sobre o duque de Windsor] foi destruído ou retirado dos arquivos oficiais. A pressão sobre os académicos foi enorme. O verão de 1940 é provavelmente o período com mais segredos ocultados e com mais segredos por descobrir”, explica Andrew Lownie.

A edição e tradução desse volume foi concluída em 1953, mas só foi publicada, depois de sucessivos adiamentos, em 1957 (a versão com os documentos na língua alemã original saiu em 1963). O volume inclui 415 documentos. Entre eles consta grande parte do corpo de delito que Andrew Lownie reuniu para chegar ao veredicto que dá o título ao seu livro: o duque de Windsor foi um traidor. E tal como avisou Nigel Ronald, os documentos são, no mínimo, “melindrosos e desagradáveis” relativamente a Ricardo Espírito Santo.

Wallis Simpson e Edward Windsor com Adolf Hitler, numa visita à Alemanha dez meses após a abdicação do trono. Os duques também mantiveram conversas com Hermann Göring e Joseph Goebbels. A relação de Wallis com Von Ribbentrop deu azo ao livro “17 Cravos”, de Andrew Morton

O nome do banqueiro aparece referenciado em pelo menos seis telegramas secretos trocados entre o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Joachim von Ribbentrop, e os seus embaixadores em Madrid (Eberhard von Stohrer) e Lisboa (Hoyningen-Huene). Ricardo Espírito Santo, anfitrião do duque em Cascais, é descrito como “um indivíduo irrepreensível, que nunca negou a sua atitude amistosa para com a Alemanha”. Hoyningen-Huene descreve encontros que teve com o banqueiro na residência do embaixador em Lisboa. Num telegrama de 2 de agosto de 1940, por exemplo, Hoyningen-Huene sublinha a forma como Espírito Santo “cooperou de forma muito chegada” com os alemães na tentativa de prolongar ao máximo a estada dos duques de Windsor na Península Ibérica.

Andrew Lownie destaca, em particular, dois telegramas que Hoyningen-Huene enviou para o ministro em Berlim. No despacho do dia 2 de agosto de 1940, o embaixador refere que o duque de Windsor, que tinha acabado de partir para as Caraíbas, “permanecerá em contacto contínuo com o antigo anfitrião [Ricardo Espírito Santo], com quem acordou uma palavra em código. Quando o duque receber esse código, ele viajará de imediato [para a Europa]”. Noutro telegrama, no dia 15 de agosto, o embaixador diz que Espírito Santo tinha acabado de receber uma nota enviada pelo duque e que este lhe pedira para “mandar uma comunicação logo que a ação seja aconselhável”. Os telegramas alemães originais descrevem o banqueiro português em nove ocasiões como Vertrauensmann. Na terminologia habitual dos serviços de inteligência alemães, essa palavra costuma ser traduzida geralmente por “agente secreto” ou “informador”.

A argumentação de Lownie, no entanto, não é aceite por todos. “O livro [de Andrew Lownie], quando se refere a Ricardo Espírito Santo, não é inovador. Limita-se a reescrever mistificações e efabulações que proliferam noutras obras já publicadas sobre o mesmo tema”, diz por sua vez o investigador Carlos Alberto Damas, antigo diretor do Centro de Estudos da História do BES. “Lownie não avalia a veracidade dos testemunhos. Muitos deles foram redigidos por funcionários zelosos que procuravam corresponder aos anseios do MEW e do MI5. Ou então por memorialistas simplesmente ansiosos por deixar testemunho, deturpando uma realidade que só superficialmente apreendiam. Muitas destas informações eram dadas por civis desconhecedores dos meandros da atividade bancária na instituição presidida por Ricardo Espírito Santo.”

Para Damas, de 73 anos, atual investigador do Cepese (Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade), os bancos portugueses “procuraram manter, durante a Guerra, um difícil equilíbrio entre o respeito pelo princípio da neutralidade afirmado pelo Governo e as pressões por diversas vias exercidas pelos beligerantes, muito em especial pelos Aliados. Ricardo Espírito Santo limitou-se a dirigir a atividade do banco nos parâmetros da prática normalmente utilizada. Não existem quaisquer provas documentais fidedignas que possam fazer dele um banqueiro pró-nazi que utilizou a instituição de que era presidente para favorecer os negócios e as transações do Terceiro Reich”.

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O Banco Espírito Santo está igualmente ligado a um dos episódios de espionagem mais fascinantes da parte final da Segunda Guerra: a manobra de logro operada pelos serviços secretos britânicos através da agente dupla Elvira Chaudoir. Os pormenores desta operação só foram conhecidos em setembro de 2005, quase dez anos após a morte de Chaudoir. De acordo com os dossiês secretos guardados nos arquivos TNA, entretanto desclassificados, Elvira de la Fuente Chaudoir era uma peruana, filha de diplomata, que crescera em Paris e circulava nos meios da alta sociedade britânica. Vivia em Londres desde o início da Segunda Guerra. Era uma socialite divorciada, de 30 e poucos anos, atraente, sofisticada, que preenchia os seus dias entre as mesas de bridge e póquer, na capital britânica, e os fins de semana nas casas de campo e palácios da aristocracia.

Em julho de 1942, durante uma viagem a Vichy — capital da “zona livre” da França, onde o pai fora colocado como representante do Peru —, Elvira foi recrutada pelos serviços secretos alemães. Pediram-lhe que enviasse com regularidade informações industriais sobre a Inglaterra. Estas informações seriam escritas com tinta invisível e dissimuladas em correspondência banal que Elvira enviaria quase semanalmente para contactos controlados por nazis em países como Portugal ou a Suécia. Mas quando contrataram Elvira, oferecendo-lhe uma pequena fortuna em dinheiro — 100 libras mensais (que corresponderiam a mais de quatro mil libras, hoje em dia), mais despesas e bónus por informação excecional —, os alemães não conheciam um dado crucial sobre Elvira: ela estava ao serviço dos serviços secretos britânicos (nome de código: “Bronx”). Ainda em França, agentes nazis treinaram Elvira na técnica da escrita com tinta simpática. As mensagens secretas deveriam ser escritas ao comprido nas folhas das cartas, em maiúsculas e estilo telegráfico, com as palavras separadas por hífenes.

Ao longo de 1942 e 1943, as cartas enviadas pela agente dupla continham, sobretudo, informação de natureza económica: os produtos que escasseiam no mercado, a produção de determinada fábrica, onde são guardados os estoques, como é feita a distribuição dos produtos. Hugh Astor, jovem agente dos serviços de contraespionagem britânicos (MI5), ajudou muitas vezes Bronx a escrever estas cartas cuja informação “secreta” era, obviamente, de natureza totalmente inofensiva. As cartas eram enviadas para os endereços em Lisboa indicados pelos nazis: Rua Jardim do Regedor, 29-4º direito (ao cuidado de Henriqueta de Oliveira), Rua da Conceição, 46-5º direito (Guilhermina do Carmo Penalva), Avenida da Liberdade, 198 (Maria Firmina das Dores Martins) e, por fim, Bairro Presidente Carmona, 1-r/c, Areeiro (Miraldina Pereira da Silva).

O controlador nazi de Elvira Chaudoir nunca desconfiou. Os alemães aparentemente estavam satisfeitos com o “trabalho” de Elvira. Nunca deixaram de lhe pagar o salário. Através das mensagens intercetadas pelo centro de decifração de Bletchley Park, os britânicos sabiam que os relatórios de Chaudoir eram considerados tão importantes que eram distribuídos por várias pessoas de topo. Circulavam entre as mais altas esferas militares alemãs.

O secretário do rei mostrou-se preocupado com as ligações do duque “a Axel Wenner-Gren, Bedaux ou Ricardo Espírito Santo Silva, todos agentes alemães”

A partir de 1944, o conteúdo das cartas passou a ser intencionalmente de nível mais militar e operacional, com detalhes — mais uma vez inócuos ou mesmo fictícios — sobre, por exemplo, a movimentação de tropas aliadas ou a localização das baterias antiaéreas britânicas. Os serviços de inteligência britânicos queriam usar Bronx como um dos ativos principais da chamada Operação Ironside, um plano secreto que visava ocultar o local verdadeiro do desembarque na Normandia de junho de 1944 e, sobretudo, desviar as atenções dos alemães para outras regiões. Os alemães morderam o isco. Numa carta de 4 de março de 1944, o controlador nazi de Elvira pediu-lhe para obter informações precisas sobre a data e o local onde os Aliados planeavam lançar a invasão.

Nessa altura da guerra, o serviço aéreo postal para o estrangeiro — mesmo para países neutrais, como Portugal — estava muitas vezes interrompido. Dada a importância do pedido, os alemães sugeriram outra via de comunicação: mensagens telegráficas em código. As instruções eram claras. Se Elvira conseguisse alguma informação concreta sobre a invasão, ela deveria enviar um telegrama para o Banco Espírito Santo em Lisboa, ao cuidado de A. Almeida, aparentemente a solicitar a transferência de dinheiro para pagar uma despesa médica. De acordo com o código estabelecido pelos alemães, o montante da transferência serviria para indicar o local da invasão (por exemplo: £40 significaria Mediterrâneo; £30, a Dinamarca; £70, a costa Norte da França). O restante texto revelaria a data prevista da invasão e o grau de credibilidade da informação obtida por Elvira.

Em maio de 1944, ela enviou, de facto, um telegrama para Almeida. O texto dizia simplesmente: “Envoyez vite cinquante livres. J’ai besoin pour mon dentiste”. [Queiram enviar-me 50 libras depressa. Preciso para o meu dentista.] Este texto quereria dizer que ela tinha notícias precisas de que a invasão dos Aliados teria lugar no Golfo da Biscaia, no sudoeste da França, por volta do dia 15 de junho. “50 libras” era o código da Biscaia. “Vite” significava que o desembarque estava previsto para um mês depois da data do telegrama. “Pour mon dentiste” era um código que indicava que a informação sobre o local (Biscaia) era certa.

O logro funcionou. Almeida recebeu o telegrama e logo passou a mensagem aos seus contactos nazis em Lisboa. De acordo com os relatórios guardados em TNA, os alemães aparentemente acreditaram na informação enganosa e reforçaram as defesas na zona de Bordéus com a presença da 11ª Divisão Panzer — bem longe das praias da Normandia, onde as tropas aliadas viriam a desembarcar no dia 6 de junho de 1944. O telegrama de Bronx terá tido uma participação importante, portanto, no êxito da operação do Dia D.

Os serviços secretos britânicos, naturalmente, tinham muito interesse em saber mais sobre este A. Almeida do Banco Espírito Santo. Quem era este português que aceitara servir de correia de transmissão de espiões nazis? Os arquivos em Kew têm inúmeros relatórios e páginas de correspondência trocada entre diversos organismos britânicos em Lisboa e em Londres sobre Almeida. Rapidamente chegaram à conclusão de que se tratava de António Manuel de Almeida, amigo íntimo da família Espírito Santo, membro do conselho de administração e grande acionista do banco. Em março de 1944, os britânicos atribuíam-lhe apenas um “grau muito alto de probabilidade”. Mas numa carta de 19 de abril de 1944, marcada como “Top Secret and Personal”, o agente do MI5 Courtenay Young já não tinha dúvidas: “Uma fonte ultrassecreta e particularmente delicada confirmou-nos que o diretor-geral do BES em Lisboa, António Manuel de Almeida, aceitou disponibilizar os seus serviços aos alemães como canal para a obtenção de informação operacional da maior importância.”

Um relatório de final de julho de 1944, enviado pelos serviços secretos britânicos em Lisboa, é particularmente negativo. Depois de descrever em pormenor a biografia de António Manuel de Almeida — que tinha, então, 52 anos —, acrescenta que ele “transformou o banco numa ferramenta ao serviço dos alemães de Lisboa e do Porto, concedendo-lhes todo o tipo de facilidades”. “[Almeida] Fez imenso dinheiro com a guerra. Apesar de ser pró-Alemanha, tem tentado, sem êxito, misturar-se nos círculos ingleses do Porto e de Lisboa. Neste aspeto, a mulher tem sido mais bem-sucedida”.

Almeida era casado, como nota outro relatório enviado a 7 de julho pelos serviços de inteligência no estrangeiro (MI6), com “uma filha endinheirada do falecido Andresen”: Olga Andresen, da família de origem dinamarquesa radicada na Quinta do Campo Alegre, no Porto, desde o século XIX. Este relatório acrescenta que “Almeida é ultrarreacionário e fortemente pró-alemão. Frequenta a [praia da] Granja onde leva a cabo ações de propaganda antibritânica”.

Os documentos revelam que as autoridades britânicas debateram durante algum tempo o que fazer relativamente a António Manuel de Almeida. Num relatório de três páginas assinado em 20 de março de 1944 pelo coronel A. H. Robertson, do MI5, volta a sugerir-se a possibilidade de o MEW colocar o banco na lista negra ou de o Foreign Office fazer novo protesto formal junto do Governo de Salazar. Estas medidas, no entanto, implicariam revelar muitos pormenores da Operação Ironside, incluindo a identidade da agente Bronx, Elvira Chaudoir. “Tendo em conta o papel que [Bronx] pode continuar a desempenhar nos nossos planos futuros de enganar o inimigo, é claramente contra o nosso interesse deixar cair Bronx”, conclui Robertson.

Este ponto acabou por ser decisivo. Os britânicos preferiram guardar o secretismo sobre a operação e sobre a agente Bronx, que continuaria a trabalhar — e a enganar os alemães — até ao final da guerra, no ano seguinte. Em maio de 1944, os Estados Unidos colocaram o Banco Espírito Santo na lista negra, uma medida de força que levou o “banco alemão”, como lhe chamavam, a assumir um compromisso formal com os aliados em agosto do mesmo ano. Foi suficiente.

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Depois da guerra, Elvira Chaudoir viveu grande parte da vida em Beaulieu-sur-Mer, uma localidade entre Nice e Mónaco, no sul da França. Tinha uma loja de souvenirs chamada L’Heure Bleue. Morreu em janeiro de 1996, com 85 anos.

António Manuel de Almeida, engenheiro de formação, esteve ligado ao Banco Espírito Santo durante praticamente a vida inteira. Foi o grande impulsionador (e diretor) da filial do banco no Porto. Foi membro do conselho de administração do BES desde 1934 até à sua morte em outubro de 1968, aos 76 anos. Era “amigo e quase irmão” de José Ribeiro do Espírito Santo e Silva, o filho mais velho do fundador da dinastia. Almeida dedicou a sua vida a esta família. Costumava dizer: “Sou mais Espírito Santo do que os Espíritos Santos.” O banqueiro António Manuel de Almeida colecionava antiguidades e moedas de ouro. Tinha casas na Granja e na Rua Tenente Valadim, no Porto, além de um barco e herdades em Estremoz e Elvas. Era um caçador interessado e grande viajante. Passava férias muitas vezes na companhia do amigo e padrinho de casamento José Ribeiro, que foi presidente do BES até 1932. Morreu sem deixar descendência. Por testamento, instituiu a Fundação Engenheiro António de Almeida com fins artísticos, educativos e de caridade, ainda hoje sediada na antiga residência da Rua Tenente Valadim. A biografia oficial descreve-o como um “homem de trabalho e criador de bens, com estrita observância dos valores éticos, tais como a dignidade e fidelidade”.

1.

O duque de Windsor permaneceu nas Bahamas até 1945. Depois da Segunda Guerra viveu na França, na companhia da mulher. Morreu em 1972, com 77 anos. A sobrinha Isabel, rainha da Inglaterra desde 1952, não voltou a atribuir o título de duque de Windsor. Associado para sempre ao rei que abdicou do trono por amor — para poder casar com a multidivorciada Wallis Simpson —, o título ducal passou a estar conotado, nas últimas décadas, com um ex-monarca que tinha simpatias fascistas e pouco ou nenhum sentido de dever e patriotismo. Wallis Simpson morreu em Paris em abril de 1986. Tinha 86 anos.

Ricardo Ribeiro do Espírito Santo e Silva sucedeu ao irmão José na presidência do BES em 1932. O banco (denominado BESCL desde 1937) consolidou a posição dominante durante a Segunda Guerra. Os lucros e a carteira comercial mais do que duplicaram entre 1939 e 1945. Os depósitos cresceram sete vezes. No mesmo período, a quota do mercado do banco passou de 13% para 25% do total do dinheiro depositado em instituições portuguesas. Além do génio financeiro, Ricardo Espírito Santo era geralmente descrito como pessoa de grande inteligência, cultura, charme e poder de atração pessoal. Apesar dos problemas de saúde, foi campeão de golfe e esgrima e praticante de ténis e desportos náuticos. Gostava de colecionar arte e de viajar pela Europa — em negócios, mas também para visitar galerias, livrarias, leilões, antiquários e termas. Em setembro de 1938, na véspera da anexação de parte da Checoslováquia pelas forças de Hitler, por exemplo, o banqueiro português estava a banhos no Lahmann-Sanatorium, um complexo termal, em Dresden, muito visitado pela elite social e cultural da Alemanha (altos-funcionários nazis como Joseph Goebbels e Hermann Göring eram visitas frequentes). “O ambiente aqui é tétrico, mas a meu ver sem razão, e Deus permita que eu não me engane”, escreveu Ricardo Espírito Santo numa carta enviada de Dresden para o amigo Rogério Cândido Silva, diretor do banco. O banqueiro tinha uma relação muito próxima com Salazar, com quem gostava de conversar todos os domingos à noite. Um amigo fiel e confidente, mencionado 428 vezes nos diários de Salazar atualmente depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Falavam sobre economia e finanças, mas também sobre as viagens e a família. Foi por sugestão do ditador, aliás, que os duques de Windsor foram encaminhados, naquele verão de 1940, para a moradia cor de rosa, de quatro pisos e 45 divisões, do presidente do BESCL. Em 1953, o banqueiro e colecionador doou o Palácio Azurara e parte da sua enorme coleção privada ao Estado português, dando origem à fundação com o seu nome. Ricardo Espírito Santo morreu na madrugada de 2 de fevereiro de 1955, com 54 anos. A relação de bens por óbito do milionário preencheu 448 páginas datilografadas. O BES, que ele ajudara a fundar em 1920, fechou as portas no verão de 2014. Pela mão de um dos 24 netos, também chamado Ricardo — Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, nascido em 1944 —, chegava ao fim a mais antiga e prestigiada dinastia financeira do país.

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