Reino Unido: Boris Johnson anuncia fim das máscaras e do isolamento para infetados, mas até do seu partido chegam pedidos de demissão
Pessoas em protesto em Londres, em frente ao Parlamento, contra as ações do primeiro-ministro e do seu pessoal, que terão organizado festas em pandemia FOTO: Getty Images
Os apelos à demissão foram às dezenas, a troça nunca esteve longe das intervenções da oposição e o primeiro-ministro defendeu-se como pôde: não se demite, pediu desculpa e quer esperar pelo relatório sobre as festas em Downing Street, em violação do confinamento. Para alegrar as hostes, anunciou o fim da maioria das restrições pandémicas
A solução de Boris Johnson para as polémicas em que se vê envolvido estava ao lume há dias. O primeiro-ministro britânico serviu-a esta quarta-feira aos deputados e ao público britânico: quase todas as restrições impostas devido à pandemia acabam esta quinta-feira ou para a semana. As máscaras deixam de ser obrigatórias, tal como os certificados para acesso a grandes eventos, voltando a ser facilitadas as visitas a lares de idosos. Até o isolamento obrigatório de cinco dias para infetados com covid-19 só estará em vigor até 24 de março, data que pode ser antecipada se os números da vacinação e contágios se mantiverem positivos.
Foi assim que Johnson tentou desviar-se dos lança-chamas empunhados tanto pela oposição como pelo seu próprio Partido Conservador. Ambos os lados da Câmara dos Comuns estão insatisfeitos com notícias sucessivas sobre festas realizadas na residência do chefe do Governo em momentos sensíveis da pandemia.
Boris Johnson is cancelling Plan B Restrictions which includes no Vaccine Mandates or Facemasks in England. When will Australia and America follow suit 🤔🤔🤔🤔https://t.co/LWzlYvT9gi
O speaker do Parlamento, Lindsay Hoyle, teve de intervir várias vezes para impor “cortesia aos dois lados”, ou seja, garantir o mínimo de silêncio para que se pudesse falar. Das duas bancadas dispararam urros, gritos de aprovação, “exato!” e “obviamente!”. Está para ver se Johnson conseguiu furar o balão da fúria coletiva, seja nas próximas sondagens ou nas ações que os deputados da sua maioria, mas a sessão semanal de perguntas ao primeiro-ministro, que acontece sempre quarta-feira ao meio-dia, foi dominada por uma única pergunta: “Vai demitir-se?”.
Johnson disse sempre que não. Lamenta “a pressa” com que todos estão a tratar a questão e remeteu decisões para depois da divulgação do relatório que está a ser preparado por Sue Gray, especialista em ética parlamentar, sobre todas as festas e reuniões de trabalho em Downing Street (em 2020 e 2021) que terão acontecido quando as regras de contenção da pandemia não permitiam ajuntamentos de qualquer tipo. O primeiro-ministro esteve em pelo menos uma.
"In the name of God, go!" former Brexit Secretary @DavidDavisMP is the first Tory MP to tell @BorisJohnson to quit – to his face & in public
A ideia geral que fica da sessão é que Johnson não esteve tão mal como na quarta-feira passada, mas, como escreveu na rede social Twitter o jornalista Ian Watson, da BBC, o problema é que “o primeiro-ministro colocou todos os ovos no cesto de Sue Gray”. E se ela não o iliba? Uma das questões é se Johnson mentiu ao Parlamento (o que, ditam as regras, implica demissão) numa ou em várias das vezes que foi chamado a explicar-se sobre as festas, se tinha participado nelas, se tinha sido avisado desses eventos, etc. Evitou sempre responder “sim” ou “não”, nesta sessão como noutras.
A última explicação do governante deu mais motivos de chacota aos adversários. Segunda-feira, de visita a um hospital, alegou não saber que o ajuntamento de 20 de maio de 2020 no jardim da residência oficial, em que passou 25 minutos, era “ilegal”, apesar de mais de 100 funcionários terem recebido convite a dizer “tragam as vossas bebidas”. “Ninguém me disse que era contra as regras, que estávamos a violar regras da covid-19 e que estávamos a participar numa coisa que não fosse trabalho. Francamente, se soubesse, não vejo razão para termos aceitado fazer aquilo”, disse Johnson aos jornalistas.
A former minister believes @borisjohnson put in a better performance this week than last but still puts his chances of survival at 60/40. Doesnt think David Davies will bring many others with him but says the PM has 'put all his eggs in the Sue Gray basket'
Peso-pesado conservador pede a Boris que se afaste
Todos esses percalços foram recordados em Westminster, de forma exaustiva. A sessão foi muito barulhenta, houve momentos de fúria, outros de gargalhada generalizada. Um deles aconteceu quando o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, atirou o repto aos deputados conservadores, ao ver a sua agitação: “De certeza que o presidente da bancada lhes disse para trazerem os seus próprios apupos”. Ora, coloquialmente, apupos são boos em inglês, onomatopeia de sonoridade parecida com a da palavra booze, ou seja, copos, álcool, conforme pedia o convite para a festa de 20 de maio de 2020.
Também do lado conservador chegaram críticas ao líder. A mais sonante foi a de David Davis, grande defensor do Brexit, que até foi dono dessa pasta entre os ministros de Johnson. Pediu a palavra para citar um dos mais narrados momentos políticos do século XX, em 1940, quando o conservador Leopold Amery disse ao então primeiro-ministro Neville Chamberlain, do mesmo partido: “Em nome de Deus, vá-se embora”! Johnson disse não saber de que citação falava Davis, o que levou os comentadores da oposição a dizer que o primeiro-ministro parece “programado” para mentir, já que não é possível que ignorasse aquele episódio, tendo escrito um livro sobre Winston Churchill, o homem que sucedeu a Chamberlain por causa da frase citada.
Outra intervenção dura foi a do líder do Partido Nacional Escocês (SNP, independentista), conhecido por ter tolerância abaixo de zero ao primeiro-ministro. “Primeiro alegou que não havia festas, depois que não esteve presente, em seguida admitiu que estava, mas não sabia que era uma festa, e a última desculpa é realmente a mais patética de todas: ninguém me disse … ninguém disse ao primeiro-ministro que estava a violar as suas próprias regras. Absolutamente patético”, disse Ian Blackford, recordando que a covid-19 matou 150 mil pessoas no Reino Unido e que, mesmo assim, “ele está a rir-se a anda em festas”, apontando para Johnson.
A todas estes ataques Johnson respondeu com trunfos da governação: os números da vacinação, o decréscimo do desemprego jovem, o layoff abrangente e, claro, o fim das restrições. “Quando a história desta pandemia vier a ser escrita e a história do Partido Trabalhista vier a ser escrita, ficará demonstrado que fomos eficazes, enquanto eles dispersaram, que nós vacinámos enquanto eles vacilaram”, disse Johnson.
O dia começara com uma notícia inesperada que acabou por abrir a sessão: a deserção de Christian Wakefield, deputado por Bury South, do Partido Conservador para o Trabalhista. Foi muito bem recebido por Starmer e deu-lhe a rampa de lançamento perfeita para dizer que só os trabalhistas podem satisfazer as necessidades do Reino Unido.
Que resta a Johnson? Continuar no cargo e ultrapassar o escândalo, lidar com uma moção de censura da sua bancada parlamentar (são precisas 54 cartas de deputados a retirar-lhe a confiança) ou esperar que aquela instituição britânica algo difusa, os “homens de fato”, lhe batam à porta e lhe peçam que se afaste. Esses “homens de fato” não são mais do que conservadores importantes que antigamente se reuniam para destituir um primeiro-ministro de forma informal. Este já não é o procedimento atual, mas a pressão informal está bem viva.