Coreias chegam a acordo de princípio para acabarem com uma guerra que dura há mais de 70 anos
O momento, em abril de 2018, em que os dois Presidentes coreanos atravessam juntos o paralelo 38 do sul para o norte
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Houve cessar-fogo, mas nunca um tratado de paz que encerrasse o conflito de 1950-53. Presidente da Coreia do Sul acredita que nos últimos meses tem surgido maior abertura para diálogo com vizinho do norte
Já passaram 70 anos e ainda não há tratado de paz entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Isto é, o conflito armado não acabou do ponto de vista formal. Ora, esta segunda-feira vislumbrou-se uma hipótese de tal acontecer, tendo Seul e Pyongyang alcançado um acordo de princípio para firmar a paz.
Mesmo depois do fim das ações bélicas, a Guerra da Coreia (1950-1953), que dividiu uma península anteriormente unificada, continuou viva de muitas formas: os dois países quase não têm ligações formais; milhares de famílias separadas continuam a não poder ver-se; a propaganda de ambos os lados continua vigorosa; e o objetivo continua a ser fazer uns e outros desertar para o “lado certo”.
Na histórica cimeira de 27 de abril de 2018, após plantarem uma árvore, os dois líderes coreanos deram um passeio a sós
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A guerra não se fez apenas entre sul e norte da Coreia. Também os Estados Unidos estiveram envolvidos, nesta e noutras guerras na região, durante os anos da Guerra Fria. Como tal, para que um acordo de paz seja assinado, também os norte-americanos têm de estar presentes à mesa. O anúncio desta segunda-feira foi feito pelo Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e conta com esse aval, garantiu o governante na capital australiana, Canmerra, onde está em visita oficial.
Moon afirmou em conferência de imprensa que as negociações tinham sido travadas pela desconfiança do norte em relação às intenções dos Estados Unidos. “Agora isto vai ajudar-nos a dar início a conversações com vista à desnuclearização e à paz na península coreana”, referiu o governante.
Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte
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Poucas horas depois, o ministro para a Reunificação sul-coreano, Lee In-young, também expressou otimismo quanto ao futuro das relações bilaterais: “A Coreia do Norte tem demonstrado, recentemente, um pouco mais de abertura ao diálogo. Têm lançado mísseis de curto alcance, mas não têm deixado a situação deteriorar-se tão gravemente, elevando as tensões até ao mais alto nível”, disse Le In-Young, citado pela agência de notícias Yonhap.
Em 1953 foram a Coreia do Sul e os seus aliados que se recusaram a assinar um tratado de paz, pois isso consagrava a divisão da península, a que Seul se oponha, como até hoje. O armistício foi assinado pelo comandante do exército da Coreia do Norte, o comandante dos Estados Unidos no Comando da ONU e o comandante dos “voluntários do povo chinês”, que não foram oficialmente reconhecidos por Pequim na época.
Funcionário sul-coreano faz chamada de teste na linha direta para a Coreia do Norte, a 4 de outubro de 2021
A ideia de pôr ponto final oficial à guerra voltou a ganhar tração e grande atenção mediática em 2018, quando o então Presidente norte-americano Donald Trump investiu parte do seu esforço diplomático na aproximação ao líder norte-coreano, e deste com os seus interlocutores a sul.
Como escreveu o Expresso na edição impressa de sábado, que analisa os 10 anos de liderança de Kim Jong-un, a Coreia do Norte tem graves problemas internos, nomeadamente económicos. “O acesso aos alimentos é uma preocupação séria. Crianças e idosos vulneráveis correm o risco de morrer à fome”, alertou Tomás Ojea Quintana, relator da ONU para os direitos humanos na Coreia do Norte, num relatório de 8 de outubro.
Aplausos e sorrisos rodeiam Kim Jong-un no Teatro do Povo de Pyongyang
A aposta do líder norte-coreano foca-se mais na Defesa e na dissuasão de potenciais ataques do Ocidente do que na melhoria das condições de vida da população. “Em comparação com os dirigentes anteriores, Kim Jong-un é quem mais tem apostado no desenvolvimento do programa nuclear e balístico. Acredita ser esse o meio que lhe assegura a sobrevivência face a ameaças externas, nomeadamente dos Estados Unidos”, disse ao Expresso a analista Rita Durão, especialista em estudos asiáticos.