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Overdoses nos EUA mataram mais que acidentes de viação e incidentes com armas de fogo - e atingem valor mais alto de sempre

Overdoses nos EUA mataram mais que acidentes de viação e incidentes com armas de fogo - e atingem valor mais alto de sempre
Cappi Thompson/Getty Images
Acesso facilitado a novas drogas nas ruas, mais potentes e perigosas, é apontado como uma das razões
Overdoses nos EUA mataram mais que acidentes de viação e incidentes com armas de fogo - e atingem valor mais alto de sempre

Helena Bento

Jornalista

Em ano de pandemia, o número de mortes por overdose nos EUA atingiu o valor mais alto desde que há registos. De acordo com os dados divulgados esta terça-feira pelo Centro Nacional de Estatísticas de Saúde, morreram mais de 100 mil pessoas no período de um ano, número que é superior ao somatório de vítimas de acidentes de carro e pessoas que morreram em incidentes envolvendo armas de fogo no país.

Em concreto, morreram 100.306 pessoas por overdose entre abril de 2020 e abril de 2021, o que corresponde a um aumento de quase 30% face ao período homólogo anterior (78.056 mortes). Comparando com os dados de 2015, é mais do dobro.

O aumento das mortes por overdose é atribuído à falta de acesso a tratamento e aos problemas de saúde mental causados pela pandemia, como depressão e ansiedade. O acesso facilitado a novas drogas nas ruas — que são mais potentes e mais letais — é apontado como outras das razões.

É a primeira vez que morrem mais de 100 mil pessoas por overdose nos EUA no período de um ano. “Nunca vimos estes números antes”, sublinhou Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, citada pelo “New York Times”.

A maioria das vítimas tinha entre 22 e 54 anos (cerca de 70%) e morreu por overdose de opióides sintéticos. Foram estas substâncias, aliás, que mais contribuíram para o aumento das mortes, sobretudo o fentanil, uma droga que é cerca de 100 vezes mais potente do que a morfina e por isso é muitas vezes adicionada a outras drogas ilegais para aumentar a potência.

“Algumas pessoas podem até nem querer [consumir fentanil] mas é o que está a ser vendido e o risco de overdose é muito elevado. Muitas delas estão a morrer sem saber o que estão a consumir”, acrescentou Nora Volkow.

No período referido também aumentaram as mortes por overdose de substâncias ilícitas como metanfetaminas, cocaína e opióides naturais e semissintéticos, como os analgésicos - que nos EUA são frequentemente prescritos por médicos para tratar a dor.

Também ao “New York Times”, Joseph Lee, presidente de uma organização que ajuda pessoas com problemas de dependência de álcool e drogas, a Hazelden Betty Ford Foundation, sublinhou que a perda de apoios sociais e o encerramento das escolas durante a pandemia contribuíram para o aumento das mortes. “As pessoas estão a adiar os pedidos de ajuda e ficam ainda mais doentes.”

Aumento no Vermont foi de 85%

Ao longo dos anos, o maior aumento do número de mortes por overdose tem-se registado na Califórnia, no Tennessee, no Louisiana, no Mississippi, na Virgínia Ocidental e no Kentucky (mais de 50%). No Vermont, e concretamente no período a que se referem os dados do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde, esse aumento foi de 85%, embora o número de mortes tenha sido aí pouco significativo.

Em estados como Washington, Oregon, Nevada, Colorado, Minnesota, Alasca, Nebraska, Virginia, Carolina do Sul e Carolina do Norte foram registados aumentos na ordem dos 40%. Já em New Hampshire, Nova Jérsia e Dakota do Sul, as overdoses diminuíram. A crise de opioides tem afetado sobretudo a população branca, mas o número de negros com problemas de adição e overdoses é cada vez maior.

Governo quer alargar acesso a fármacos que revertem efeitos de drogas

Em resposta a estes dados, o Governo federal norte-americano anunciou esta quarta-feira que vai alargar o acesso a medicamentos que revertem os efeitos dos opioides, como a naloxona, fazendo pressão junto dos vários Estados para que aprovem leis que tornem estes fármacos mais acessíveis.

“Acho que ninguém deveria morrer de overdose só porque não tem acesso à naloxona. Infelizmente é isso que está a acontecer no país. O acesso à naloxona depende muitas vezes do sítio onde se vive”, afirmou Rahul Gupta, diretor do National Drug Control Policy, organismo que aconselha a Casa Branca em matérias ligadas ao consumo de droga.

O plano de recuperação do país do Presidente Joe Biden prevê 1,5 mil milhões de dólares para a prevenção e o tratamento de problemas relacionados com a dependência de substâncias e 30 milhões de dólares para financiar projetos locais dirigidos a pessoas com problemas de adição, incluindo programas de troca de seringas. Além disso estão já a ser utilizados fundos federais na compra de testes rápidos de deteção de fentanil para que as pessoas saibam exatamente que droga estão a consumir.

No entanto há quem considere essas respostas insuficientes, dada a dimensão do problema. Apela-se a mais fundos para garantir um acesso universal ao tratamento e para criar mais centros de tratamento.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

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