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Síria. Pelo menos 31 mortos e dezenas de feridos em três ataques - Damasco não via esta violência desde 2017

Idlib, no noroeste da Síria, é das poucas províncias que o regime sírio não controla, mas é um poço de extremismo, onde já se perdeu quase todo o espírito da revolução de 2011
Idlib, no noroeste da Síria, é das poucas províncias que o regime sírio não controla, mas é um poço de extremismo, onde já se perdeu quase todo o espírito da revolução de 2011
picture alliance/Getty Images

Pelo menos desde 2016 que a capital da Síria não sofria um ataque. O que quer isto dizer numa altura em que o Presidente da Síria, Bashar al-Assad, tenta regressar aos placos internacionais? Poderá dizer aos seus potenciais aliados que venceu a guerra quando 12,5 milhões de sírios estão em risco de passar fome?

Síria. Pelo menos 31 mortos e dezenas de feridos em três ataques - Damasco não via esta violência desde 2017

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Mesmo durante os piores anos de guerra, bastava procurar num qualquer depósito online de fotografias e, ao lado das imagens de destruição dos arredores de Damasco, apareciam as fotografias do centro da capital da Síria com os seus cafés de decoração minimalista e jovens mulheres a trabalhar nos seus computadores.

Mas esta quarta-feira, e pela primeira vez desde que em 2017 um ataque reivindicado pelo Daesh destruiu um edifício governamental e um restaurante e matou 30 pessoas, Damasco foi abalada por duas bombas colocadas num autocarro que transportava tropas do exército sírio. Morreram 14 pessoas e dezenas ficaram feridas, segundo informações do Governo sírio citadas pela Reuters.

Em retaliação, o exército bombardeou a área de Idlib, eterno último reduto dos “rebeldes”, à falta de uma palavra melhor que possa enquadrar as dezenas de inclinações religiosas e políticas, algumas simples ceitas sanguinárias, que constituem o grupo que ainda se encontra sitiado no noroeste da Síria. Morreram 13 pessoas, quatro delas crianças.

A UNICEF, braço da ONU para o cuidado com crianças, disse em comunicado que os números de mortos e feridos entre as primeiras idades ainda vão aumentar devido à hora do bombardeamento no mercado de Ariha, pelas 8h, quando as crianças se dirigiam à escola.

Um terceiro incidente, segundo a televisão iraniana Al-Alam TV citada pela Reuters, aconteceu perto de um depósito de armamento do exército oficial sírio e fez cinco vítimas mortais. Quatro ficaram feridas numa explosão que aconteceu na estrada que liga duas das principais cidades sírias: Homs e Hama.

Nada disto quer dizer que guerra esteja a chegar perto do palácio presidencial, primeiro porque na verdade nunca lá chegou, nunca as elites alauitas que governam a Síria estiveram algum dia em perigo, e depois porque os soldados que se amontoam nos últimos enclaves que Assad não controla não têm nem arsenal, nem dinheiro, nem hierarquia para se transformarem numa milícia organizada que pode realmente infligir um tipo de medo que reconhecemos nas ações do IRA e da ETA.

Enquanto isso chegam-nos notícias de que Bashar al-Assad está a sofrer uma espécie de recauchutagem da sua imagem nos palcos da política internacional. O Líbano implorou ajuda para tentar solucionar os seus crónicos cortes de eletricidade, o ministro da Economia foi ao Dubai encontrar-se com os seus homólogos e os Estados Unidos, que impuseram sanções brutais ao regime - que afetaram também a população -, apoiam um plano para reativar um gasoduto no território que o Governo sírio já controla. E se Assad ele mesmo ainda não se aventurou muito para fora de portas (exceção feita à Rússia), pelo menos já falou ao telefone com o rei Abdullah II, da Jordânia, o que não acontecia há 10 anos.

A Síria ainda está destruída, o povo soterrado nos preços impossíveis dos alimentos. O preço da comida subiu 60% entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2021, segundo o World Food Program, o que elevou o risco de desnutrição para 12,5 milhões de pessoas.

Milhões de refugiados vivem em condições miseráveis em países como a Turquia e o Líbano, ambos culpados de deportações ilegais sob o pretexto de que há partes da Síria que já não estão em guerra.

A realidade é outra: funcionários de várias organizações de auxílio humanitário que ainda operam na Síria, e até da própria ONU, não se cansam de avisar que as pessoas que regressam não têm condições de vida asseguradas e muitas vezes voltam a ser presas ou torturadas por suspeitas de terem ligações à oposição. Também há países europeus, como a Dinamarca, a usar a mesma premissa para retirar proteção internacional a alguns sírios: diz que Damasco é seguro. Não é, como estes ataques vão confirmando.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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