20 anos depois, tudo falhou no Afeganistão: o terrorismo e o fundamentalismo renasceram no “cemitério de impérios”
WAKIL KOHSAR / GETTY IMAGES
Ao fim de vinte anos, chegou manchada com o sangue de pelo menos 72 mortos e 140 feridos a prova de que a intervenção norte-americana e das forças aliadas no Afeganistão falhou em toda a linha: a cinco dias do prazo estipulado para a retirada total dos soldados e diplomatas ocidentais do país, os talibãs recuperaram o poder e da fracassada operação de ‘nation building’ sobra apenas a pesada fatura de 2,26 biliões de dólares que os Estados Unidos enterraram no “cemitério de impérios”, onde o terrorismo renasceu violentamente esta quinta-feira com dois ataques bombistas reivindicados pelo Daesh
A manhã desta quinta-feira começou com alertas dos gabinetes dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido e da Austrália para uma “ameaça elevada de ataque terrorista” no aeroporto de Cabul, de acordo com informações avançadas pela Al Jazeera. O gabinete britânico recomendava: “quem pode sair do Afeganistão em segurança por outros meios, deve fazê-lo de imediato”.
Pouco depois, o secretário de Estado das Forças Armadas do Reino Unido dava conta de um “relato muito credível de um ataque iminente” no aeroporto internacional Hamid Karzai. De acordo com James Haepey, em declarações à BBC, o atentado poderia ser “altamente mortífero”.
Os militares norte-americanos pediam para que civis afegãos não se aproximassem do local, onde já se encontravam aglomeradas milhares de pessoas, desesperadas por fugir antes de as forças estrangeiras abandonarem definitivamente o país, enquanto tropas e diplomatas ocidentais aguardavam pelos voos de repatriamento. As forças aliadas apressam ao máximo as operações de evacuação que tentam concluir no prazo de cinco dias, até à data acordada de 31 de agosto.
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Passados vinte anos desde a ocupação, os norte-americanos saem em debandada do “cemitério de impérios”, onde ainda permanecem 1500 cidadãos dos Estados Unidos. “Retirar os americanos é a nossa prioridade”, afirmou o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, citado pela Associated Press, reiterando o esforço para “retirar o maior número possível de afegãos em risco”.
Em resposta, os talibãs, através do líder Shahabuddin Delawar, acusaram os Estados Unidos e os seus aliados da NATO de fazerem “propaganda contra o Emirado Islâmico do Afeganistão e criar diferenças entre afegãos, apesar de todos os afegãos serem irmãos”. Talvez nem todos, uma vez que um repórter e um operador de câmara do canal afegão Tolo News foram agredidos na capital por elementos do grupo radical islâmico. “Os talibãs espancaram-me enquanto eu estava a fazer reportagens em Cabul. Também nos levaram a câmara, equipamento técnico e o meu telemóvel”, contou o jornalista Ziar Yaad no Twitter. A tensão aumentava ao longo desta quinta-feira e Cabul estava transformada num barril de pólvora.
O Afeganistão tornou-se no novo Vietname, um novo desastre geopolítico que culminou numa pesada e muito desgastante derrota moral, militar e económica para os EUA. Enquanto a troca de galhardetes se mantinha entre líderes talibãs e os representantes políticos norte-americanos, a principal ameaça vinha de um inimigo comum, o ISIS-K, uma ramificação do Daesh ativa em território afegão, grupo que se insurge tanto contra o imperialismo ocidental como contra os próprios talibãs.
Ao início da tarde em Portugal, o Pentágono confirmou uma explosão junto a um portão do aeroporto de Cabul. “Neste momento, as baixas não são claras. Fornecemos informações adicionais assim que possível”, escreveu no Twitter John Kirby, porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA. Já a Tolo News reportou que “a explosão ocorreu no meio de uma multidão de afegãos desesperados que tentavam deixar o país”, numa altura em que as imagens do atentado começavam a chegar a todo o mundo.
WAKIL KOHSAR
Uma segunda detonação ocorreu junto ao Hotel Barons, nas imediações do aeroporto internacional Hamid Karzai. Os dois ataques já foram reivindicados pelo ISIS-K e foram levados a cabo por dois bombistas suicidas. Após as explosões, alguns relatos dão conta de que militantes do grupo terrorista dispararam contra civis afegãos e soldados americanos.
Os talibãs alegam que os Estados Unidos foram avisados para um eventual atentado junto ao aeroporto de Cabul e o próprio Presidente Joe Biden já tinha dito, na reunião do G7: “Cada dia a mais que estivermos no terreno, é mais um dia em que sabemos que o ISIS-K está com os olhos postos no aeroporto de Cabul para poder atacar os Estados Unidos, as forças aliadas e cidadãos inocentes”.
O Ministério da Saúde do Afeganistão anunciou que 72 pessoas morreram (60 civis e 12 militares norte-americanos) e adiantou que pelo menos 140 ficaram feridas, entre as quais 15 são soldados dos EUA. Já os quatro militares portugueses enviados para o Afeganistão estão bem, como garantiu ao Expresso fonte do Ministério da Defesa.
WAKIL KOHSAR
Os talibãs vieram a público condenar os atentados em Cabul mas alijaram responsabilidades para os Estados Unidos. “O Emirado Islâmico condena o bombardeio de civis no aeroporto de Cabul, que teve lugar numa zona onde as forças norte-americanas são responsáveis por garantir a segurança”, escreveu no Twitter o porta-voz Suhail Shaheen, reiterando que os talibãs estão a “prestar muita atenção à segurança e à proteção do seu povo”.
Perante os jornalistas presentes na Casa Branca, Joe Biden começou por fazer um minuto de silêncio em homenagem às vítimas. Depois, o Presidente dos EUA prometeu que os responsáveis pelos ataques serão capturados e vão pagar pelo que fizeram. “Não vamos perdoar, não vamos esquecer”, garantiu Biden. “Vamos responder com força e precisão a seu tempo, num lugar escolhido por nós e da forma que nós escolhermos”, afirmou Joe Biden, que já deu ordens para ataques a líderes, militantes e instalações do Daesh-K.
Por sua vez, a NATO repudiou o “horrível” ataque terrorista. “Condeno veemente o horrível ataque terrorista no exterior do aeroporto de Cabul”, afirmou o secretário-geral Jens Stoltenberg. “A nossa prioridade continua a ser retirar tantas pessoas e tão rápido quanto possível”, acrescentou. Também António Guterres, secretário-geral da ONU, reforçou a necessidade de “prestar ajuda urgente ao povo afegão”.
“Ataques cobardes e desumanos”: foi assim que Ursula von der Leyen classificou os atentados terroristas do ISIS-K. Para a presidente da Comissão Europeia, “é essencial fazer tudo o que estiver ao alcance para garantir a segurança das pessoas no aeroporto” e defende que “a comunidade internacional deve trabalhar em estreita colaboração para evitar um ressurgimento do terrorismo no Afeganistão e não só”.
João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, assegurou que os quatro militares portugueses enviados para o Afeganistão vão chegar esta sexta-feira a Portugal e com eles vem um primeiro grupo de 38 afegãos. Cravinho asseverou ainda que o nosso país tem “capacidade para receber 300” refugiados no imediato.