A oposição húngara acusou esta terça-feira o primeiro-ministro Viktor Órban de criar um "Estado policial" ao supostamente utilizar o programa Pegasus para espiar jornalistas e políticos da oposição, com a Amnistia Internacional (AI) a revelar ter identificado 300 possíveis vítimas.
Klara Dobrev, previsível candidata da Coligação Democrática (CD, esquerda) às eleições gerais de 2022 na Hungria, indicou que, com o uso do Pegasus, o Governo do ultranacionalista Órban deu um "exemplo de tirania" e criou um "Estado policial". "Há que defender os húngaros da tirania de Órban", afirmou Dobrev, que apelou à União Europeia (UE) para analisar a situação na Hungria.
Às críticas de Doblev juntaram-se as do líder do partido Momentum (liberal), Abdras Kegete-Gyor, com o mesmo conteúdo, bem como as do presidente progressista de Budapeste, Gergely Karacsony, que foi mais longe e acusou o primeiro-ministro de "trazer a vingança ao país e de pertencer ao grupo de ditadores que se opõem à liberdade e à honra".
As críticas da oposição da Hungria surgem no mesmo dia em que a Amnistia Internacional confirmou a conclusão da investigação publicada hoje pelo Kirekt36, um portal de notícias húngaro, que refere que o programa Pegasus, do grupo israelita NSO, foi utilizado no país e que mais de 300 cidadãos foram identificados como possíveis alvos.
"Os especialistas da Amnistia Internacional (AI) podem confirmar numerosos casos onde o programa foi instalado com sucesso", lê-se num comunicado da organização de defesa e promoção dos direitos humanos que integra a equipa de investigação que denunciou o escândalo.
O grupo NSO negou as informações obtidas pela Forbbiden Stories (Histórias Proibidas, numa tradução do Inglês) e pela Amnistia Internacional e divulgadas no domingo por 17 órgãos de comunicação socaial internacional, como o The Washington Post, o Guardian ou o Le Monde.
Segundo a investigação, pelo menos 37 contactos, de uma lista de 50.000 telemóveis, foram infiltrados pelo programa de 'software', envolvendo jornalistas, ativistas dos direitos humanos e políticos de países como o México, Índia, Hungria e Marrocos.
Outros mil contactos foram também identificados, entre os quais se contam 65 altos funcionários de empresas, 85 ativistas dos direitos humanos, 189 jornalistas e mais de 600 políticos, incluindo chefes de Estado e de Governo.
"O Governo húngaro deve fornecer imediatamente uma resposta significativa a esta última revelação do Projeto Pegasus e esclarecer se sabia ou aprovava a vigilância encoberta de jornalistas, empresários e outros. Se as autoridades húngaras souberam dessas violações, devem explicar com que base as permitiram", disse David Vig, diretor da AI na Hungria.
"As práticas de vigilância da Hungria há muito tempo que são motivo de preocupação. A Lei dos Serviços de Segurança Nacional permite a vigilância secreta sem qualquer supervisão externa independente, e esta investigação demonstra a necessidade urgente de reforma", acrescentou.
Nesse sentido, Vig defendeu que o governo húngaro deve introduzir regulamentos que cumpram os padrões internacionais e que forneçam salvaguardas contra a recolha descontrolada e potencial uso indevido de dados pessoais.
"O Grupo NSO não pode continuar a esconder-se atrás da alegação de que o seu 'spyware' é usado apenas para combater o crime. Há evidências esmagadoras e crescentes de que o Pegasus está a ser utilizado sistematicamente para a repressão e abuso. Pedimos ao Grupo NSO que pare imediatamente de vender o equipamento a países com histórico de colocar defensores dos direitos humanos e jornalistas sob vigilância ilegal. A indústria de vigilância está fora de controlo. Os Estados devem implementar uma moratória global sobre a venda, transferência e uso de equipamentos de vigilância, até que uma estrutura de direitos humanos esteja em vigor", sustentou Vig.
No caso da Hungria, o único país da UE a ser acusado de utilizar o programa, além de vários jornalistas, foram revelados os nomes de outros visados, como os do presidente da Federação das Câmaras Municipais, Gyorgy Gemesi, e do bastonário da Ordem dos Advogados, Janos Banati.
Hoje, o porta-voz do Governo de Budapeste, Zoltan Kovacs, negou hoje as acusações, considerando-as "sem fundamento", sublinhando que ninguém foi espiado.
Embora não tenha confirmado nem desmentido se a Hungria adquiriu o programa, Kovacs afirmou que o país deve ser capaz de se defender contra ataques de serviços secretos estrangeiros ou de "ações destinadas a minar a ordem constitucional".
"As acusações são contra a Hungria e contra o governo do primeiro-ministro Orbán, e, quando assim é, os órgãos de comunicação social divulgam-nas sem perguntar e seguem o rebanho", disse.