O advogado Frederico Rato, no programa ao mesmo tempo, vinca: “É um critério editorial novo, inédito. Enquanto jurista não vejo qualquer limitação de natureza constitucional, legal e até ética que impedisse a emissão das nossas opiniões”.
Foi o apresentador Gilberto Lopes, também diretor-adjunto de informação e programas portugueses na TDM, e diretor da Rádio Macau, quem levou o assunto a debate. Aos convidados Graça e Rato pediu que comentassem a decisão da Polícia de Segurança Pública (PSP), que proibiu a vigília em homenagem às vítimas do massacre cometido pelo regime chinês a 4 de junho de 1989, em Pequim.
Este ano, foi a segunda vez que o fez. Além da pandemia, a PSP alegou que o evento podia violar o Código Penal. Os organizadores recorreram para o Tribunal de Última Instância (TUI), que deu razão às autoridades. A decisão foi conhecida a 3 de junho, depois da emissão do “Contraponto”.
Proibição não surpreendeu
Gilberto Lopes lançou a discussão com a pergunta: “Como olha para a proibição da vigília comemorativa do 4 de junho de 1989 pela PSP?”. Rato respondeu que olhava com maus olhos. “Disse que a vigília já se fazia há mais de 30 anos em Macau e que havia um determinado sector da sociedade que sentia necessidade emocional, individual e até política de se manifestar e honrar a memória dos mortos e das vítimas do 4 de junho, e que nunca tinha feito nada a ninguém”, recorda ao Expresso.
“Também referi que era uma decisão que não surpreendia, porque vinha na sequência da proibição da exposição sobre o mesmo tema, mas que causava estranheza, porque não havia razão para proibir as pessoas de exercerem o direito de se manifestarem”, acrescenta. No programa, deixou ainda o alerta de que a decisão desvalorizava lei magna do território, em vigor até 2049, que diz que “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação”.
“Afirmei que a Lei Básica era a carta das liberdades de Macau e que com este tipo de proibições corríamos o risco de se tornar letra morta”, explica ao Expresso. O “Contraponto”, que analisa os temas marcantes de cada semana (gravado e emitido indeferido), passou na totalidade na Rádio Macau a 29 de maio. Na televisão também foi transmitido no dia seguinte, mas com menos seis minutos, como está nas versões online.
O Expresso questionou Lorman Lo, presidente da comissão executiva da TDM, sobre quem e com que motivos tinha decidido a supressão. Na resposta, que a estação tornou pública em comunicado, Lo justifica a decisão com o facto de os comentadores terem opinado “sobre um processo que decorria no âmbito do Tribunal de Última Instância e do qual não havia ainda decisão final”.
“Assim, tendo a TDM em consideração que não é conveniente fazer quaisquer comentários ou emitir opiniões sobre casos cujo processo judicial ainda se encontre em curso, foi decidido remover o comentário sobre a possível decisão do Tribunal de Última Instância do programa ‘Contraponto’ que foi emitido nesse fim-de-semana.”
Na resposta enviada pela a responsável, a TDM acrescenta que, no programa seguinte, emitido na Rádio Macau a 5 de junho e no Canal Macau dia 6, os comentadores, diferentes porque o painel muda semanalmente, “foram convidados a emitir a sua opinião sobre o Acordão do Tribunal de Última Instância que tinha sido tornado público no dia 3 de junho”.
Frederico Rato aponta a fragilidade da argumentação. “Acho difícil remover uma coisa que não disse. Ninguém fez referência ao TUI nem ninguém falou de recurso. A justificação não faz sentido. Era preciso arranjar um motivo e foi aquele”, condena.
“A TDM agora é que decide?”
Apesar dos motivos da comissão executiva, as decisões das autoridades sempre foram objeto de análise e comentário na comunicação social no próprio dia ou nos seguintes, incluindo na TDM e no “Contraponto”. De referir ainda que no genérico do programa passa a seguinte mensagem: “As opiniões expressas neste programa não refletem as opiniões da TDM”.
Sobre os argumentos da comissão executiva, o jurista Sérgio de Almeida Correia nega haver conflito ou impedimento legal de debater um tema que está sob avaliação da Justiça, neste caso do TUI. O jurista explica que só advogados estão deontologicamente impedidos de discutir ou contribuir para a discussão pública ou na comunicação social de questões pendentes ou a instaurar perante os tribunais ou outros órgãos, salvo excepões.
“Esse impedimento não é extensivo a mais ninguém, a não ser magistrados, designadamente da judicatura e/ou do Ministério Público, sobre quem, aliás, impende um dever genérico de reserva. Nenhum cidadão está impedido da discussão ou de opinar sobre qualquer assunto”, realça. “A argumentação da comissão executiva da TDM não tem qualquer sentido, nem de um ponto informativo, nem jurídico.”
O advogado em Macau indigna-se e questiona: “A TDM agora é que decide quando é que é conveniente os comentadores opinarem? Quem lhe conferiu mandato? O chefe do Executivo? Os representantes do Gabinete de Ligação? Interpreto o que aconteceu como a prática de atos típicos de censura. Não há outra forma de entender a atitude da TDM. E nessa medida configuram atos graves de violação da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, Lei Básica e artigos e lei de imprensa.”
No caso do telejornal de 4 de junho estavam previstas quatro histórias sobre a vigília: a primeira com declarações da PSP sobre o policiamento do Largo do Senado, onde aconteceu a vigília durante 30 anos; outra peça com a posição de apoio de Pequim à proibição da ás vítimas do Massacre de Tiananmen em Macau por parte da Polícia e do TUI; seguia-se a história com a posição da Associação Novo Macau Democrático, que condenava a decisão; e outra, da RTP, sobre a inauguração da exposição do artista e ativista chinês Ai Wei Wei, em Lisboa.
Todas foram para o ar no telejornal transmitido em direto. Na repetição, as duas últimas desapareceram. Na versão online, também não constam. Permanece no entanto o destaque à história sobre o comunicado da Novo Macau na abertura do telejornal na versão disponível no site.
“Relativamente ao Telejornal do dia 4 de junho, foi retirada uma reportagem da versão final disponível no website. Esta reportagem não tinha sido previamente visionada pelo editor, procedimento normal em qualquer órgão de comunicação social, sendo que a jornalista também não tinha seguido as instruções que lhe tinham sido dadas pelo editor do Telejornal. Finalmente, a inclusão da reportagem nada acrescentaria em termos de informação ao telespectador.”
Silêncio esclarecedor
O Expresso sabe que não é hábito no Canal Macau as peças serem previamente visionadas pelos editores por ser uma equipa formada na maioria por jornalistas seniores e porque, muitas vezes, os editores são também apresentadores. Foi em vão que tentou ouvir as restantes partes para este trabalho.
O diretor de informação e programas portugueses na TDM, João Francisco Pinto, nunca atendeu as chamadas; Gilberto Lopes optou por não comentar com a justificação de que há uma hierarquia na empresa, apesar de fazer parte da mesma; Jorge Silva, editor nesse dia e coordenador de informação, escusou-se a falar; José Carlos Matias, presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês (AIPIM), não respondeu ao Expresso até à hora de publicação inicial deste texto.
Posteriormente, a AIPIM manifestou “surpresa preocupação” com a eliminação de comentários sobre Tiananmen no “Contraponto”, situação que crê “inédita no referido espaço de opinião e análise”. Numa nota eviada ao Expresso e à Lusa, Matias afirma: “Não vislumbramos motivo que impeça comentadores de se pronunciarem sobre processos em curso nos tribunais, independentemente da natureza dos mesmos e desde que se respeitem as regras e os princípios aplicáveis”. A AIPIM pensa que seria importante um esclarecimento adicional por parte dos responsáveis editoriais do Telejornal e defende “um clima de diálogo, entendimento mútuo, valorização do trabalho dos jornalistas e da expressão plural dos diversos pontos de vista”.
Em março veio a público que tinham sido decretadas novas diretrizes aos jornalistas do canal português da TDM, que incluíam promover o patriotismo e não difundir informação contrária às políticas da República Popular da China. Também foi dito à redação que o incumprimento das normas iria resultar em despedimento com justa causa.
A polémica levou a comissão executiva da TDM e o Governo de Macau a garantirem que a linha editorial da estação pública permanecia inalterada e de que não havia censura. 10 dos cerca de 30 jornalistas da TDM pediram a demissão desde o dia 10 de março, quando ficaram a saber que as regras da casa tinham mudado.
O caso TDM levou o ministro dos Negócios Estrangeiros a reagir. Augusto Santos Silva disse que o Governo “espera e conta” que a China, com quem Portugal negociou a transferência de soberania de Macau, cumpra a Lei Básica em todas as suas determinações.
Notícia atualizada a 17 de junho com a posição da AIPIM
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