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“Isto não é uma conferência de imprensa, é uma cena de Kafka ou de Orwell”: autoridades bielorrussas exibem Protasevich, BBC saiu da sala

“Isto não é uma conferência de imprensa, é uma cena de Kafka ou de Orwell”: autoridades bielorrussas exibem Protasevich, BBC saiu da sala
Anadolu Agency/ Getty Images

Quer a família quer a oposição bielorrussa asseguram que o jornalista está sob coação. “Pouco importa o que possa dizer. Não nos podemos esquecer de que é um refém e o regime está a usá-lo como troféu”

“Apenas saímos dali. Não podemos participar nisto quando claramente ele está sob coação.” A mensagem é deixada no Twitter pelo correspondente da BBC na Ucrânia, um dos muitos jornalistas chamados para assistir à conferência de imprensa convocada pelo Governo da Bielorússia. O objetivo era explicar os acontecimentos de 23 de maio, quando o avião da Ryanair foi obrigado a aterrar de emergência e o jornalista Roman Protasevich foi detido - continua desde então. Ele mesmo era um dos presentes na sala, numa conferência que a oposição bielorrussa considerou ser uma "exibição".

A conferência de imprensa foi convocada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bielorússia. Sentada numa das pontas da mesa, Protasevich deixou garantias de que se encontrava em boas condições de saúde, que ninguém o tinha magoado e que não estava a ser coagido. “Estou ótimo, se for preciso estou disposto a submeter-me a um exame médico”, disse, segundo vários órgãos de comunicação que permaneceram na sala de imprensa.

No entanto, quer a família quer a oposição bielorrussa asseguram que o jornalista está sob coação. “Pouco importa o que possa dizer. Não podemos esquecer-nos de que é um refém e o regime está a usá-lo como troféu”, reagiu Franak Viacorka, assessor da líder da oposição no exílio, Svetlana Tikhanovskaia. “Isto não é uma conferência de imprensa mas sim uma cena de Kafka ou de Orwell.”

Além dos jornalistas estavam ainda presentes dois altos funcionários bielorrussos, que reafirmaram a versão de Minsk: tinham recebido uma ameaça assinada pelo grupo palestiniano Hamas a indicar que estava uma bomba a bordo. Esta é a justificação que tem vindo a ser dada desde o desvio do avião; no entanto, a União Europeia e vários líderes de Estado e de Governo consideraram as explicações pouco credíveis.

Esta é a terceira vez que Protasevich aparece à frente das câmaras desde que foi detido. A última vez foi há uma semana, quando a televisão pública bielorrussa transmitiu uma entrevista em que Protasevich admite ter organizado uma série de manifestações contra o regime e em que pede desculpa. Desde logo a família e a oposição ao Governo criticaram os 90 minutos de entrevistas, argumentando que o jornalista de 26 anos estava sob coação. “Foi uma tentativa de tortura”, disse o pai de Protasevich em declarações à BBC.

A 23 de maio, Roman Protasevich embarcou em Atenas, capital da Grécia. Tinha como destino Vilnius, capital da Lituânia. As duas capitais europeias estão separadas por 2800 quilómetros e, no início, tudo indicava que aquele voo iria ser igual a tantos outros. Igual, por exemplo, àquele em que viajaram Svetlana Tikhanovskaya, líder da oposição, e a sua assistente, Franak Viačorka, uma semana antes.

Não foi. O voo FR4978 da Ryanair foi desviado e foi forçado a aterrar em Minsk, capital da Bielorrússia, país que não pertence à União Europeia. O seu Presidente é Alexander Lukashenko, no poder desde 1994, ano em que o cargo foi criado com a aprovação da Constituição Bielorrussa pelo soviete supremo, replicando um modelo de Estado semelhante ao da antiga União Soviética, que acabava de se desintegrar e à qual a Bielorrússia pertencera.

Protasevich e a namorada, a russa Sofia Sapega, foram presos. Aos 26 anos, o jornalista é ex-chefe de redação do influente canal Nexta, que se tornou a principal fonte de informação nas primeiras semanas de protestos antigovernamentais após as eleições presidenciais de agosto de 2020, cuja vitória é reivindicada pelo Presidente Lukashenko e contestada pela oposição.

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