Decidiu concorrer às municipais de novembro, estreando-se na política. Porque o fez e quais eram as bandeiras da campanha?
Bom, é já sabido que a minha vida se torna diferente do que costumava ser até à noite em que a Marielle foi assassinada. Sou arquiteta de formação. Eu, que antes me dedicava à vida académica, passei a fazer inúmeras viagens, tanto ao redor do Brasil como do mundo, pedindo apoio internacional, denunciando o assassinato da Marielle e a não resposta dos seus mandantes até hoje. Diante disso, acabava também por fazer denúncias das violações que acontecem no Brasil de forma mais geral, seja contra as mulheres, seja contra a população LGBT. Fico com a minha vida dedicada a esse ativismo. Então, depois das minhas atuações, como militante e defensora dos direitos humanos, o processo eleitoral aproxima-se e começa a existir uma demanda, não só das pessoas, mas também dos movimentos sociais, que eu me colocasse à disposição das eleições, da disputa da Câmara Municipal, que era o cargo de vereadora que a Marielle ocupava quando foi assassinada.
Diante disso, com essa escuta dos movimentos sociais e das pessoas, acabo colocando o meu nome à disposição por entender que seria importante ocupar esse espaço da política institucional também, embora estivesse a fazer ativismo de outra maneira. Tivemos, durante a campanha, como pauta justamente o que era o reflexo desse ativismo, inclusive internacional: a pauta de género, um debate de uma cidade mais segura para as mulheres, para a população LGBT. A gente fala muito em estarmos a construir um mandato com a pauta socialista, anticapitalista, antirracista.
Foi eleita no Rio de Janeiro com 23 mil votos para “um futuro mandato feminista e antifascista”. Como têm sido estes cinco meses?
É um desafio muito grande. Estamos a falar de uma cidade como o Rio de Janeiro, que tem uma composição de vereadores que não estão a dialogar. Somos a minoria ali. Temos vereadores como Carlos Bolsonaro, por exemplo, ao qual faço uma clara oposição, vai tornando o desafio do dia a dia mais duro certamente. Atravessamos um dos períodos mais dramáticos da nossa história. O Brasil está a sofrer muito com a covid-19 e o Rio de Janeiro é também uma cidade-exemplo do que não fazer. Então, é nessa conjuntura toda que tentamos fazer uma política que transforme a cidade numa cidade mais justa, mais inclusiva, mas sem dúvida nenhuma é um desafio muito grande, principalmente por ter a necessidade de fazer uma oposição direta a essa política bolsonarista que a gente tem na ordem vigente do Brasil, que está acabando com a vida das pessoas e literalmente. Os nossos números de mortes não param de bater recordes diariamente, não temos conseguido fazer um controle da pandemia, nem com política pública nem com consciencialização da sociedade. É um período muito difícil. Apresentámos três projetos de lei no primeiro dia oficial na câmara. Um pelo combate ao feminicídio, um pelo combate às fake news e outro pelo Dia da Visibilidade Lésbica, introduzindo-o no calendário da cidade.
Apesar da tímida viragem à esquerda na câmara, os eleitores do RJ elegeram novamente Carlos Bolsonaro, também já haviam elegido em 2018 Rodrigo Amorim (que juntamente com Daniel Silveira quebrou uma placa em memória de Marielle). Como tem sido essa convivência?
O Carlos Bolsonaro é vereador, o Rodrigo Amorim é deputado estadual e o Daniel Silveira é deputado federal. Então, só tenho convívio de plenário com o Carlos Bolsonaro, mas mesmo assim tenho feito tudo de forma híbrida, para não expor ninguém aqui, nem os funcionários da casa neste momento. Poucos vereadores vão até ao plenário, até à câmara. De um modo geral, estamos a trabalhar de uma forma remota, fazendo as reuniões através de Zoom. Isso, de forma geral, facilita um pouco, pois não tem essa convivência física diariamente, embora eu e o Carlos sejamos vizinhos de porta de gabinete. Os gabinetes são escolhidos de forma aleatória através de um sorteio: o meu é o 904, o dele o 905. Mesmo com essa coincidência, não temos convivência de relação diária. Seguimos de forma híbrida, online, mas mesmo assim sendo oposição sempre [risos].
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