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Julgamento da morte de George Floyd: defesa do agente começou a ouvir testemunhas. O que disseram?

Julgamento da morte de George Floyd: defesa do agente começou a ouvir testemunhas. O que disseram?
KEREM YUCEL/GETTY IMAGES

Sabia-se que as testemunhas iam insistir na teoria de que Floyd morreu devido ao uso de drogas ilegais e a um problema cardíaco, e que o uso de força sobre a vítima foi apropriado. E foi precisamente isso que sucedeu na sessão desta terça-feira

Julgamento da morte de George Floyd: defesa do agente começou a ouvir testemunhas. O que disseram?

Helena Bento

Jornalista

Julgamento da morte de George Floyd: defesa do agente começou a ouvir testemunhas. O que disseram?

Tiago Soares

Jornalista

Os advogados de defesa do polícia Derek Chauvin, acusado de ter asfixiado George Floyd em maio de 2020, em Minneapolis, nos Estados Unidos, começaram esta terça-feira a interrogar as suas testemunhas, onze dias depois de o julgamento ter tido início. Sabia-se que iam insistir na teoria de que Floyd morreu devido ao uso de drogas ilegais e a um problema cardíaco e que o uso de força sobre a vítima foi apropriado. E foi precisamente isso que sucedeu na sessão desta terça-feira.

Um dos principais testemunhos coube a Barry Brodd, ex-agente da polícia que já tinha sido chamado como especialista no caso da morte de Jason Van Dyke, um agente da polícia de Chicago que foi condenado por matar um jovem de 17 anos, Laquan McDonald, em 2014. Na altura, Brodd apontou que o uso da força tinha sido justificado e fez o mesmo esta terça-feira: “Sinto que [as ações de] Derek Chauvin nas suas interações com Mr. Floyd foram justificadas, e que ele estava a agir com uma razoabilidade objetiva, seguindo os atuais padrões da polícia de Minneapolis”, opinou.

Brodd disse, também, que o uso da força na detenção de Floyd — por suspeitas de pagar com uma nota falsa de 20 dólares — também foi justificada. O homem, que foi polícia durante 30 anos, lembrou que os suspeitos sob efeito de drogas podem “não sentir dor” e ter “força sobre-humana”, e que por isso fez sentido manter Floyd de barriga para baixo — mesmo após ele ter parado de resistir e se ter queixado de não conseguir respirar. Na verdade, os agentes da polícia — incluindo Chauvin — são ensinados sobre o perigo desta posição, que pode resultar em “asfixia posicional”. Os procuradores confrontaram Brodd com este argumento.

A multidão que assistiu ao estrangulamento de George Floyd era “muito agressiva”, disse, por sua vez, Peter Chang, da polícia de trânsito de Minneapolis, que no dia em que tudo aconteceu se dirigiu ao local para ajudar os agentes da polícia que prenderam o cidadão norte-americano que acabou por falecer. Chang apontou que ficou nervoso com a presença das pessoas a filmar a ação de Derek Chauvin. As imagens da câmara de filmar do seu colete, mostradas em tribunal pelos advogados de Chauvin, mostram Chang a dizer às duas pessoas que estavam com George Floyd — Shawanda Hill e Morries Hall — para se manterem afastadas do carro onde tinham estado com a vítima. “Não se mexam, não querem estar envolvidas em tudo aquilo”, ouve-se. Algum tempo depois, quando o corpo de Floyd estava a ser transportado pela ambulância, Chang diz aos amigos da vítima que não é preciso levar-lhe o telemóvel. “Ele já se foi [ele já morreu]. Não precisa do telemóvel”. Chang disse ainda em tribunal que os agentes que detiveram Floyd nunca pediram a sua ajuda ou intervenção.

“Não respondeu e não obedeceu às minhas ordens”, contou polícia que deteve Floyd há dois anos

A primeira testemunha a ser ouvida em tribunal esta terça-feira foi, contudo, Scott Creighton, um antigo polícia de Minneapolis que deteve George Floyd a 6 de maio de 2019, um ano antes da sua morte. Segundo o ex-polícia, Floyd foi detido e algemado na sua viatura, mostrando-se nesse momento muito agitado. “Não respondeu e não obedeceu às minhas ordens”, testemunhou Creighton, acrescentando que a situação “escalou muito rapidamente”. A sua audição em tribunal, bem como a de algumas outras testemunhas dessa detenção ocorrida há dois anos, gerou muitos protestos por parte dos procuradores, que alegaram não haver qualquer ligação entre esse episódio e a morte do afro-americano, no ano passado. O juiz não cedeu, contudo, justificando a audição destas testemunhas com a necessidade de “mostrar os efeitos que a ingestão de opiáceos pode ou não ter tido no bem-estar de George Floyd”.

Michelle Monseng, uma paramédica já reformada, enquadra-se precisamente nessa categoria. Foi ela quem socorreu George Floyd no dia dessa detenção e, em tribunal, disse que Floyd lhe terá contado que era viciado em opióides — nesse dia consumira substâncias desta natureza “de 20 em 20 minutos” e também no momento em que fora parado pela polícia. “Foi muito difícil avaliá-lo, ele estava muito zangado e confuso”, disse Michelle Monseng ao advogado de defesa de Derek Chauvin. Depois de perceber que Floyd se encontrava com pressão arterial elevada, a paramédica terá sugerido que ele fosse transportado para o hospital, mas Floyd mostrou-se resistente à ideia; conseguia levantar-se, caminhar e a respiração estava normal, disse também a paramédica, acrescentando que em nenhum momento o afro-americano deixou de respirar ou entrou em paragem cardíaca. “No início, ele negou ter problemas de saúde, mas quando me apercebi que estava com a pressão arterial alta, perguntei-lhe novamente sobre isso e ele disse que sim, que tinha um historial de hipertensão, e que não andava a tomar os medicamentos.”

“Excited delirium”

Shawand Hill, já referida, estava com George Floyd quando a polícia se aproximou do carro dele, no fatídico dia 25 de maio de 2020 (os dois haviam-se encontrado no Cup Foods, o supermercado onde Floyd entrara para comprar cigarros e o afro-americano oferecera-lhe boleia). Ele estava a dormir no carro quando Shawand Hill, sua amiga, viu a polícia aproximar-se. “Tentei acordá-lo pela segunda vez quando vi os polícias a aproximarem-se. Um deles bateu na janela com uma lanterna. [Floyd] virou-se novamente, eu repeti que a polícia estava ali e pedi-lhe para abrir a janela. Ele viu os agentes da polícia e percebeu de imediato o que estava a acontecer. Agarrou-se ao volante e disse: ‘por favor, por favor, não me matem. Não disparem, não disparem.”

Nicole MacKenzie, coordenadora da equipa médica da polícia de Minneapolis, também foi ouvida pela defesa, depois de na semana passada já ter sido testemunha da acusação. MacKenzie foi questionada sobre isto: que tipo de treino os agentes da polícia têm para lidar com “excited delirium”, uma condição temporária — e sobre a qual não há consenso científico — que junta agitação, ansiedade e outros distúrbios, desde comportamento violento até à retirada das roupas ou uma força sobre-humana. A defesa de Chauvin tem sugerido que Floyd podia estar a sofrer desta condição no momento da sua morte, tal como sugeriu na altura um polícia presente no local. Ora, MacKenzie disse que os agentes são ensinados que uma pessoa a sofrer de “excited delirium” está mais vulnerável a sofrer uma paragem cardiorrespiratória. Mais testemunhas vão ser chamadas pela defesa de Derek Chauvin, estando o fim do julgamento do polícia de Minneapolis cada vez mais próximo.

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