Na véspera de reunião de líderes, a Comissão Europeia prepara-se para rever e ir mais além no mecanismo que permitiu a Itália bloquear a exportação de 250 mil doses de vacinas da AstraZeneca para a Austrália.
Ao que o Expresso apurou, o objetivo é o de robustecer o atual regime, de forma a possibilitar a restrição de exportações para países que tenham taxas de vacinação mais altas que as da União Europeia e também para países que bloqueiem exportações para a UE, de forma a evitar qualquer tentativa de contornar as restrições impostas através de países terceiros e, claro, quando as empresas não cumprem as entregas à UE.
Atualmente, o chamado mecanismo de transparência e autorização de exportações já permite travar as exportações caso uma farmacêutica falhe nos compromissos e entregas acordados com os 27. Foi o que aconteceu à AstraZeneca, que continua debaixo de fogo da Comissão Europeia.
A revisão do mecanismo ainda está a ser trabalhada pelos técnicos europeus e só deverá ficar fechada esta quarta-feira durante a reunião do colégio de comissários. O regime não vai visar ou nomear empresas em particular, mas deverá tornar as regras mais rígidas.
A questão é a de saber se as restrições poderão também vir, de facto, a afetar exportações de empresas que estão a cumprir os contratos com a UE, como é o caso da Pfizer, e o respetivo envio de doses para o Reino Unido (ou outros mercados).
Ao que o Expresso apurou, haverá critérios de ponderação, mas a possibilidade existe tendo em conta a regra de proporcionalidade que o executivo quer incluir no mecanismo, e que passa por ter em conta se o país para onde são exportadas as doses tem uma taxa de vacinação superior à da União Europeia, como acontece com o Reino Unido. A questão da reciprocidade - envio de doses para a UE - também pode jogar contra os britânicos.
Desde o início de fevereiro e até 16 de março, Londres recebeu 10 milhões de doses provenientes de fábricas europeias, incluindo da Pfizer. Porém, o bloco europeu, pela voz da presidente da Comissão Europeia, queixa-se que a UE não recebeu qualquer dose das duas fábricas da AstraZeneca que estão no Reino Unido e que fazem parte do contrato europeu.
Londres tem insistido que não está a bloquear exportações, mas a AstraZeneca (AZ) estará a refugiar-se na obrigação de ter de entregar as doses produzidas no Reino Unido aos britânicos, antes de abastecer o mercado europeu. Segundo a diretora-geral da Direção-Geral da Saúde da Comissão Europeia, das cinco fábricas incluídas no contrato com a AZ, só uma está a abastecer os 27, o que explica que até agora a farmacêutica não tenha entregue nem "um quarto" do previsto, segundo Sandra Gallina.
Gallina falou esta terça-feira ao Parlamento Europeu e não poupou nas críticas nem nas acusações à AstraZeneca, que responsabiliza pelo atraso da vacinação na UE. A empresa devia ter entregado pelo menos 90 milhões de doses no primeiro trimestre de 2021 e ainda não terá sequer chegado aos 30 milhões. Já no segundo trimestre, são esperadas agora apenas 70 milhões dos 180 milhões contratualizados.
Travão às exportações ou pressão para entendimento com os britânicos?
A possibilidade de travar exportações foi discutida esta terça-feira pelos ministros dos Assuntos Europeus. Todos concordam que as farmacêuticas têm de respeitar os compromissos contratuais. Porém, enquanto alguns invocam o regime de autorização de exportação e reciprocidade com países terceiros, outros pedem cautela face ao mercado global de ingredientes para vacinas. É preciso evitar uma guerra de vacinas e sobretudo garantir que a cadeia de abastecimento continua a funcionar.
A chanceler alemã já veio avisar que é necessário "ser-se cauteloso" com as proibições de exportações e que é preferível um diálogo com o Reino Unido.
As ameaças de Bruxelas de travar a exportações de doses para solo britânico têm estado a preocupar o governo de Boris Johnson, mas a pressão é também para que Londres aceda a negociar e permita que a UE receba doses da AstraZeneca, da mesma forma que o Reino Unido recebe doses da Pfizer.
Os olhos têm estado postos também na fábrica da Halix nos Países Baixos, que está a produzir para a AstraZeneca com o intuito também de abastecer o Reino Unido. Em breve, e assim que a Agência Europeia do Medicamento concluir a inspeção à fábrica, poderá também abastecer a UE.
Haia é a favor de manter os mercados e as cadeias de abastecimento abertas, mas não descarta travar as exportações da Halix para o Reino Unido. Contudo, a solução ideal passa por um entendimento entre Londres e a UE para partilhar o fardo dos atrasos da AZ.
A questão é se o entendimento acontece antes da reunião dos chefes de Estado e de Governo, marcada para quinta e sexta-feira.