Manuel está deitado no meio da pista de terra, cabeça de fora e corpo escondido numa vala tosca e cavada à pressa. À sua frente, seis homens caminham carregados para um lado e outros seis, sem nada nas mãos, fazem o mesmo em sentido contrário. Manuel tem o dedo no gatilho e os olhos armados. À esquerda está um monte de caixas, o único sinal dos aviões que partiram há pouco. À direita, em direção à escuridão total do norte de Angola, está a guerra.
Como se o tempo tivesse sido cortado ao meio por uma linha a direito entre o passado e o futuro, deixando-o - a ele, Manuel, que ainda há uma semana estava em Lisboa a despedir-se da família - preso na noite quente de 18 de fevereiro de 1961, com a farda vestida e vista privilegiada para o primeiro ato do fim do império.
O calor mistura-se com o silêncio e com o medo neste sábado à noite. A secção criada em Luanda, com elementos da 6.ª Companhia de Caçadores Especiais (CCE), tem instruções precisas. Deve dirigir-se a Cuimba (a pouco mais de 14 quilómetros da fronteira com o Congo Belga) para evacuar dois engenheiros agrónomos da CUF e respetivas famílias que se encontram ameaçados numa fazenda.
Um furriel, um cabo e doze soldados deixam Luanda em dois monomotores da Força Aérea rumo ao Norte, numa altura em que ainda não se fala de ataques a colonos, nem de massacres de brancos, nem de chacinas de negros. Nem de guerra, para todos os efeitos. "Março e tudo o que veio depois ainda estava longe", admite Manuel. "Naqueles dias, a nossa preocupação era fazer o que era preciso. Chegar, apanhar as pessoas e vir embora. Todos vivos".
Os dois aviões, cada um com sete militares, tinham chegado ao anoitecer. Manuel lembra-se bem, até porque fizeram um primeiro voo sobre a improvisada pista antes de tocarem o chão. "O capim era muito alto dos dois lados e não sabíamos se havia inimigos. Por isso, comuniquei ao furriel que talvez fosse melhor varrermos aquilo com granadas. O mais impressionante é que fui eu a espoletar as granadas em pleno voo. Depois, fomos largando a ver se aparecia alguém", recorda o militar. Não se viu ninguém. Os dois monomotores pousaram, descarregou-se o equipamento e os aviões voltaram a partir. Ficaram 14 homens fardados, sem comunicações e com uma missão.
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