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Tom Moore, que angariou milhões para o SNS britânico, morreu com covid-19 mas encarnou o espírito de toda uma nação nas suas caminhadas

Veterano britânico da 2ª Guerra, capitão Tom Moore, fotografado no lançamento do seu livro de memórias "Amanhã será um dia bom"
Veterano britânico da 2ª Guerra, capitão Tom Moore, fotografado no lançamento do seu livro de memórias "Amanhã será um dia bom"
Chris Jackson/Getty Images

“Se me ajoelhar nunca mais me consigo levantar”, disse Tom Moore à BBC antes de ter sido armado cavaleiro pela rainha Isabel II, em julho passado. O bom humor do veterano, que angariou milhões de libras para os serviços de saúde britânicos, perdurará como prova de que em tempos de adversidade ainda há atos de heroísmo. Moore morreu aos 100 anos com pneumonia e covid-19

Tom Moore, que angariou milhões para o SNS britânico, morreu com covid-19 mas encarnou o espírito de toda uma nação nas suas caminhadas

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Tom Moore, veterano da II Guerra Mundial que se tornou célebre em todo mundo por ter conseguido angariar 39 milhões de libras (44,2 milhões de euros) para o serviço nacional de saúde do Reino Unido (NHS, na sigla inglesa), morreu com covid-19. Foi essa doença que o levou a dedicar-se à causa de ajudar os serviços de saúde.

Moore, que viveu 100 anos, fez a sua própria maratona, mas muito lentamente, às voltas ao quintal de casa, apoiado num andarilho. Esse gesto emocionou milhares de pessoas, que decidiram doar largas somas para acompanhar o seu esforço.

“É com grande tristeza que anunciamos a morte de nosso querido pai, o capitão Sir Tom Moore. Estamos muito gratos por ter estado com ele nas últimas horas da sua vida; Hannah, Benjie e Georgia ao lado da sua cama e Lucy no FaceTime. Passámos horas à conversa com ele, relembrando a nossa infância e nossa maravilhosa mãe. Partilhámos risos e lágrimas juntos”, escreveram as filhas Hannah e Lucy Moore num comunicado enviado à imprensa.

O último ano de vida de Moore foi decerto muito diferente do que o próprio teria previsto, por muito otimista que fosse (e era, segundo dezenas de relatos que foram surgindo nos jornais e redes sociais). Na primeira fase da pandemia, o militar jubilado deu 100 voltas pelo quintal de sua casa. Por cada uma recebia donativos de milhares de populares, via Internet.

A 17 de julho Moore foi ordenado cavaleiro pela rainha Isabel II, numa curta cerimónia no castelo de Windsor. A frase que usou para descrever um momento tão solene trouxe gargalhadas, tão úteis em temos de coronavírus: “Pedi desculpa por não me ajoelhar, se o fizesse nunca mais me levantava”.

A ideia de Moore, no início do primeiro confinamento, era angariar apenas 1000 libras (1135 euros), uma ajuda simbólica aos profissionais de saúde que o tinham ajudado a sobreviver a um cancro. Depressa, porém,a sua imagem, a caminhar sem parar mas bastante curvado, sobre o andarilho, converteu-se em imagem da resiliência de um país.

O dinheiro começou a chover na conta bancária que recebia os donativos. Na última semana do desafio, percorreu os metros que faltavam para o seu objetivo, envergando um casaco militar pejado de medalhas.

No seu centésimo aniversário, celebrado a 30 de abril de 2020, dois aviões da Força Aérea cruzaram os céus em sua homenagem e mais de 140 postais de aniversário chegaram de todo o mundo para felicitar o militar. Hoje, o seu nome está pintado num comboio de alta velocidade e os serviços de correio britânicos emitiram um selo em sua honra. Dia 30 de abril, Moore atingiu o marco das 30 milhões de libras doadas.

Mas o veterano não parou por aí. Em dueto com o artista britânico Michael Ball e vários grupos corais do SNS britânico, apresentou uma versão de You'll never walk alone, canção de um musical pós-guerra que se tornou hino para os fãs do Liverpool. A faixa chegou ao primeiro lugar dos tops em todo o país.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse na altura em que Moore recebeu o título de cavaleiro que os seus “esforços heróicos” tinham conseguido “erguer o espírito de toda a nação”. Já o príncipe William, neto de Isabel II, chamou-lhe “máquina de angariar fundos”.

A proeza valeu-lhe duas entrada para o livro de recordes do Guinness: uma por ser a pessoa mais velha a ter uma música no primeiro lugar dos tops britânicos, outra por se ter tornado a pessoa que mais dinheiro angariou numa caminhada sozinho.

“O último ano da vida de nosso pai foi nada menos que notável. Rejuvenesceu e experimentou coisas que sempre sonhara. Embora presente em tantos corações por um curto espaço de tempo, foi um pai e avô incrível e permanecerá vivo nos nossos para sempre”, disseram ainda as filhas em comunicado.

Nascido em Keighley, Yorkshire, a 30 de abril de 1920, Moore foi aprendiz de engenheiro civil antes de ingressar no exército. Em 1940 ascendeu ao posto de capitão e posteriormente foi destacado para a Índia. Serviu no estado de Arakan, no oeste do atual Myanmar (na altura Birmânia, hoje estado Rakhine), e foi com seu regimento para Samatra após a rendição japonesa.

Regressou ao Reino Unido e tornou-se instrutor na Escola de Veículos de Combate Blindados em Bovington, Dorset, no sul de Inglaterra. No final da vida, galvanizou um país abalado.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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