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Aconteceu mesmo: União Europeia e Reino Unido fecham acordo, o Brexit está consumado

Aconteceu mesmo: União Europeia e Reino Unido fecham acordo, o Brexit está consumado
Amer Ghazzal/Getty Images

“Finalmente conseguimos chegar a um acordo depois de percorrermos uma estrada longa e com muitos obstáculos. É um acordo justo, equilibrado e é a atitude responsável a tomar para ambos os lados”, disse esta quarta-feira a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Aconteceu mesmo: União Europeia e Reino Unido fecham acordo, o Brexit está consumado

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Está aprovado, depois de nove meses de ansiedade generalizada em Londres e Bruxelas, um acordo comercial que vai garantir que o Reino Unido continue a usufruir das vantagens de acesso ao mercado único da União Europeia sem tarifas e sem quotas. Mas para quem é europeísta com o coração inteiro este é um dia triste, apenas um pouco menos triste por haver acordo, mas ainda assim muitos veem a saída do Reino Unido como uma perda para todo o projeto europeu.

No Twitter, Terry Reintke, dos Verdes alemães, expôs num quadro com diferenças entre o que significa ser membro de pleno direito e o que este acordo estabelece as várias áreas em que não houve acordo entre as partes - e lamenta que não haja garantias, por exemplo, para a continuidade do programa Erasmus. Um lamento também expressado pelo homem que liderou as negociações do lado europeu, Michel Barnier.

O programa de intercâmbio de estudantes será substituído por um outro que deverá permitir aos estudantes escolher, entre vários países do mundo, o local onde querem passar parte da licenciatura - terá o nome de Alan Turing, matemático inglês que deu início à era da computação e que foi perseguido pela sua homossexualidade e castrado quimicamente por ordem do Estado inglês- era isso ou a prisão.

O próximo passo do Brexit é agora a aplicação provisória do acordo, porque o Parlamento Europeu (PE) já não tem tempo de o analisar e ratificar antes do dia 1 de janeiro - quando acaba o período de transição e se inicia a nova vida do Reino Unido como país terceiro em relação à UE, apesar de manter vantagens que nenhum outro país terceiro tem no comércio com o bloco da UE. Nesta aplicação provisória apenas os Estados-membros têm de o aprovar e o PE fará o mesmo já depois de 1 de janeiro.

O parlamento britânico também precisa de ratificar o acordo. Por isso, diz a Sky News, é muito provável que os deputados sejam chamados no meio das férias natalícias para aprová-lo.

“Finalmente conseguimos chegar a um acordo, depois de percorrermos uma estrada longa e com muitos obstáculos. É um acordo justo, equilibrado e é a atitude responsável a tomar para ambos os lados”, disse esta tarde a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, confessando que se sente "aliviada".

Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, também já emitiu um comunicado sobre o acordo histórico. “Para os nossos cidadãos e empresas, um acordo abrangente com o nosso vizinho, amigo e aliado é o melhor resultado. Nos últimos anos, a UE mostrou unidade e determinação nas negociações com o Reino Unido. Continuaremos a manter a mesma unidade”, escreveu num documento enviado aos jornalistas, acrescentando que, apesar do otimismo e sensação de já não haver uma espécie de peso em cima dos ombros coletivos dos Estados-membros, “o processo ainda não acabou”. Agora “é a hora de o Conselho e o Parlamento europeus analisarem o acordo alcançado pelos negociadores antes de lhe darem luz verde”.

"The deal is done"

“O negócio está feito”, é a primeira frase do comunicado que a equipa de Boris Johnson enviou às redações. No original: “The deal is done” é a concretização de tudo o que Johnson prometeu desde que sucedeu a Theresa May com a promessa de fazer isto mesmo que aconteceu esta quarta-feira: um acordo comercial que finalmente torne o Brexit uma realidade.

A frase seguinte do comunicado vai provavelmente merecer um pouco mais de escrutínio por parte dos críticos: “Tudo o que foi prometido durante o referendo de 2016 e nas eleições gerais do ano passado ao povo britânico está neste acordo: temos de volta o controlo de nosso dinheiro, das fronteiras, leis, do comércio e das nossas águas”. Tal como a frase que vem a seguir, pelas mesmas razões - um ceticismo em relação ao real nível de distanciamento que o Reino Unido conseguiu das regras da UE. “O acordo garante que já não estamos na órbita das regras da UE: já não há jurisdição aqui para o Tribunal de Justiça Europeu e todas as nossas linhas vermelhas fundamentais sobre o retorno da soberania foram alcançadas”, reforça o comunicado.

No Twitter as dúvidas já circulam: por que razão haveria a UE de deixar o Reino Unido “livre”, como diz Johnson, mas dentro do mercado único?

“Agora que temos um acordo para o Brexit, serei extremamente cuidadoso a garantir que as empresas que exportam para o mercado europeu sem tarifas respeitem estritamente a igualdade de condições para uma concorrência justa”, escreveu no Twitter Pascal Canfin, presidente da comissão do Parlamento Europeu do Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar.

Também o eurodeputado Philippe Lamberts, presidente do grupo parlamentar Verdes e membro do Grupo de Coordenação do Reino Unido no Parlamento Europeu, afirmou numa declaração citada pelo POLITICO que “o principal objetivo do lado da UE sempre foi proteger a integridade do nosso mercado único, um dos principais alicerces da União, e parece que este acordo consegue isso”. No entanto, acrescentou que “o diabo está sempre nos detalhes e insistimos que o Parlamento Europeu tenha o tempo adequado para examinar e potencialmente ratificar um acordo tão abrangente” e que “o Parlamento Europeu não existe apenas para carimbar acordos”.

Ursula von der Leyen, na mesma conferência de imprensa acima referida, reforçou que o Reino Unido e a UE continuam “alinhados” : “Em primeiro lugar, a concorrência no nosso mercado único vai permanecer justa. As regras da UE e os padrões vão ser respeitados. Temos mecanismos eficazes caso a concorrência justa seja perturbada de alguma forma e tiver impacto no nosso acordo. Em segundo, vamos continuar a cooperar com o Reino Unido em todas as áreas de interesse mútuo - por exemplo alterações climáticas, energia, segurança e transporte”.

Olhando para os dois lados (britânico e UE) das declarações públicas, parece que só um dos discursos pode estar factualmente correto mas na verdade já se sabia que iria ser assim: a UE de um lado a dizer que os seus valores prevaleceram, Londres a agitar as bandeiras da independência recém-reconquistada.

São centenas de páginas de acordo que ainda têm de ser lidas para se entender o que está realmente em causa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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