“Há forte possibilidade de não haver acordo de comércio com a UE”, avisa Boris Johnson
O primeiro-ministro do Reino Unido, esta semana, à entrada do n.º 10 de Downing Street, sua residência oficial
PETER NICHOLLS/REUTERS
Primeiro-ministro britânico mostra descrença num acordo mas promete manter as negociações até 31 de dezembro, final do período de transição do ‘Brexit’. Pescas e regras de concorrência leal são os aspetos em que o consenso está mais distante
O primeiro-ministro do Reino Unido recomendou esta quinta-feira que cidadãos e empresas se preparem para que o período de transição do ‘Brexit’ termine sem um acordo sobre a futura relação do país com a União Europeia (UE). Anunciou ainda que deu ordens ao Executivo para preparar o país para uma saída sem acordo.
A 21 dias do prazo (31 de dezembro, onze meses após a saída da UE) e depois de um jantar inconclusivo com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na quarta-feira, Boris Johnson reconhece: “Penso que temos de ser muito claros: há agora uma forte possibilidade – uma forte possibilidade – de termos uma solução muito mais como a relação da Austrália com a UE do que como a relação do Canadá com a UE”. Ou seja, uma relação menos próxima do que muitos desejariam, com tarifas comerciais e menor acesso recíproco aos respetivos mercados.
Johnson publicou na rede social Twitter um vídeo em que exprime a sua posição. Está também pressionado pela ala eurocética do Partido Conservador, que rejeita qualquer versão do ‘Brexit’ que não confira ao Reino Unido a recuperação total da soberania. “Take back control” foi o lema da campanha vitoriosa na consulta popular de 2016.
O governante conservador assegura que “o Reino Unido tem sido flexível” e que as negociações continuarão até a prazo, que nenhuma das partes quer prorrogar, o que seria juridicamente complexo. “O que disse aos nossos negociadores é que temos de continuar e que percorreremos a milha extra, e fá-lo-emos. E irei a Bruxelas, irei a Paris, irei a Berlim, irei onde tiver de ir para tentar levar isto a cabo e conseguir um acordo.”
E se falhar? Johnson procura tranquilizar os 65 milhões de britânicos que não sabem como será, na prática, a relação com 27 países vizinhos já no próximo mês. “Não quer dizer que seja uma coisa má, há muitas formas de aproveitarmos isso a favor das duas partes da conversa. Há muitas oportunidades para o Reino Unido”, afirmou em Londres, após uma reunião do Conselho de Ministros. Em todo o caso, “haverá mudanças” e é melhor prevenir do que remediar.
Cortar o cabelo ou deixá-lo crescer?
“O acordo que está em cima da mesa não é certo, de momento, para o Reino Unido”, conta Johnson que disse ao seu Governo. O principal escolho é “a ideia de equivalência entre o Reino Unido e a UE, que significa, basicamente, que teríamos de seguir quaisquer novas leis que eles aprovassem, ou sofrer castigos, sanções, tarifas ou seja lá o que for”.
Refere-se à exigência do lado europeu de que o Reino Unido acompanhe as exigências regulatórias, ambientais, laborais e sociais e de ajuda estatal dos 27, para não dar às suas empresas vantagens competitivas indevidas no quadro de um acordo comercial. Para o primeiro-ministro, a posição negocial da UE endureceu nas últimas semanas.
Sopa de abóbora com vieiras, pregado com puré de batata e wasabi e pavlova com sorvete de coco constituíram a ementa do jantar que Ursula von der Leyen ofereceu a Boris Johnson. Suculento, mas não propiciou acordo entre Londres e Bruxelas
Olivier Hoslet/REUTERS
“Propuseram-me que fôssemos um bocado como gémeos, o Reino Unido é um gémeo e a UE é o outro, e se a UE decidir cortar o cabelo, então o Reino Unido também tem de cortar o cabelo, caso contrário é punido”, ilustrou o homem que venceu as legislativas há quase um ano (12 de dezembro) com o mote “get Brexit done”. Aceitar o que propõe Bruxelas deixaria o seu país “trancado na órbita da UE”.
Outros dois dossiês espinhosos, as pescas (acesso dos pescadores europeus às águas britânicas) e a Irlanda do Norte (gestão da fronteira daquele território do Reino Unido com a República da Irlanda, membro da UE) pareciam mais perto do consenso, mas Johnson explica que ainda há exigências do outro lado que não está disposto a contemplar. “Muitos anos depois de termos votado para sair da UE [no referendo de 23 de junho de 2016], continuaríamos a não ter controlo sobre as nossas águas, o que não é bom.”
Beco sem saída
A editora de política da BBC nota que “ambos os lados querem agarra-se aos seus princípios”, mas essa determinação “está a conduzi-los ao desfecho prático que ambos queriam evitar”. Laura Kuenssberg antevê “perturbações significativas” para o Reino Unido se nada mudar ou a menos que “ocorra aos negociadores algum milagre repentino”. Considera que embora Johnson se tenha declarado preparado para uma saída sem acordo, não é isso que deseja.
Von der Leyen também ativou planos de contingência do lado continental, para prevenir qualquer bloqueio de voos internacionais ou da circulação de camiões de abastecimentos vitais. Esta quinta-feira admitiu no Conselho Europeu que o diálogo com Londres está “difícil”.